Renata de Oliveira Souza Dias
"As vacas leiteiras do rebanho que deveriam ser tocadas para confirmar o diagnóstico de prenhez começaram a voltar em cio, enquanto outras vacas, apresentavam ciclos estrais com intervalos irregulares. Alguns abortos também ocorriam no rebanho... Os proprietários e o veterinário, preocupados com estes acontecimentos e com a porcentagem de vacas prenhes no rebanho, que apresentava-se em redução, e inferior à meta, tomaram algumas decisões, destacando-se a modificação de alguns ingredientes e parâmetros da dieta e uma revisão nas práticas e semens utilizados no programa de inseminação artificial. Após algum tempo, foi descoberto que a causa dos distúrbios reprodutivos que o rebanho apresentava era uma doença: diarréia bovina, ou simplesmente BVD".
A BVD é uma doença amplamente distribuída nos rebanhos bovinos de todo o mundo. No Brasil foi reconhecida pelo Ministério da Agricultura apenas na década de 1990. A doença é causada por um vírus, do gênero Pestivirus. Sobre este, existem dois biotipos presentes na natureza caracterizado por amostras citopatogênicas (CP) e as não citopatogênicas (NCP). Aproximadamente 95% das amostras circulantes no campo são amostras não citopatogênicas. Além desta classificação, a doença pode ser dividida em genótipo I e II. O genótipo tipo II é associado aos quadros mais severos da doença, com uma morbidade de 80% e taxa de mortalidade de aproximadamente 30%.
A infecção do feto entre os dias 30 e 125 da gestação por uma amostra não citopatogênica, leva ao nascimento de animais imunotolerantes ou persistentemente infectados. Há muitas maneiras para a transmissão viral, mas, sob condições naturais, a maneira mais eficiente é o contato direto com os animais imunotolerantes, sendo o contato naso-nasal, por apenas um período de uma hora, suficiente para a transmissão viral. Com isso, os animais imunotolerantes, ou simplesmente "portadores resistentes", são a principal fonte de disseminação viral em um rebanho. O sêmen destes animais também é uma fonte de disseminação desta doença. A transmissão indireta, através de agulhas reutilizadas e luvas retais, é também importante fonte de contaminação direta.
Devido à imunossupressão induzida pelo vírus da BVD, as manifestações clínicas são diversificadas (diarréia aguda aquosa, redução dos índices reprodutivos, queda na produção, hipertermia, ulcerações da mucosa oral, descarga nasal mucosa, anorexia,...) e por isso não são suficientes para um diagnóstico definitivo. Destaca-se, ainda, que a presença e a intensidade desses sintomas podem variar segundo as formas aguda, subaguda e crônica da doença. O diagnóstico da BVD deve ser conduzido considerando-se o rebanho e não apenas o animal isoladamente. Para testar rebanhos sabidamente com animais imunotolerantes, amostras individuais de sangue são, ainda, o material de escolha a ser enviado ao laboratório.
Os sintomas clínicos mais importantes economicamente estão, sem dúvida, relacionados ao quadro reprodutivo, com a manifestação de morte embrionária e repetição de cios. As perdas econômicas incluem redução na produção de leite, redução na taxa de concepção, abortos, defeitos congênitos.
Quanto ao controle da doença, a vacinação constitui a forma mais utilizada. No entanto, sem a eliminação dos animais imunotolerantes, nenhum programa de controle pode ser considerado eficiente. As vacinas vivas modificadas são produzidas através de cepas citopatogênicas do genótipo I, mas, como há resposta antigênica cruzada, estas vacinas conferem proteção ao genótipo II.
No Brasil, a distribuição da doença tem sido estudada por pesquisadores. No estado de Goiás, foram estudados bovinos de diferentes faixas etárias, sendo determinada uma alta prevalência da doença. Em Pernambuco, pesquisas apontaram a presença do vírus em 72,6% dos animais examinados. No Rio Grande do Sul, foram encontradas 23,4% de amostras positivas. Em São Paulo, foram examinadas amostras de soros de fêmeas adultas da raça holandesa e girolanda de 19 diferentes municípios, sendo que 33,3% das amostras foram positivas. Em Minas Gerais, foram estudados 26 rebanhos em diferentes faixas etárias: 0-6 meses, 7 a 18 meses, 19 a 30 meses e maiores de 31 meses. Na primeira faixa etária (0 a 6 meses) observou-se um elevado número de animais positivos, fato este que prova o grande percentual de contaminação das mães e a imunidade passiva, comprovada pela faixa seguinte de 7 a 18 meses, onde se observou a maior quantidade de negativos, sendo essa a faixa etária de maior susceptibilidade. No grupo seguinte (19-30 meses), verificou-se uma crescente positividade, que se traduz pela contaminação dos animais quando introduzidos no rebanho adulto. O último grupo foi o de maior positividade igualando-se ao grupo de 0-6 meses e confirmando a dinâmica da doença nos rebanhos.
Com base nesses dados, pode-se concluir a alta dispersão desse vírus nos rebanhos brasileiros. E, devido aos altos custos decorrentes dos efeitos ocasionados sobre os programas reprodutivos das vacas em idade produtiva, a importância do controle desta enfermidade é fundamental para uma adequada rentabilidade da atividade leiteira.
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fonte: MilkPoint