Dois fatores são fundamentais para a ocorrência da DGL, a oferta de AG poli-insaturados da dieta, discutido no último artigo, e a alteração no padrão de fermentação ruminal (Tabela 1). No artigo de hoje discutiremos como a alteração no padrão de fermentação ruminal causada pela alimentação pode afetar a produção de gordura pela glândula mamária resultando em quedas drásticas nos valores do teor de gordura do rebanho.
Tabela 1. Potenciais fatores de riscos para redução do teor de gordura do leite e áreas para desenvolvimento de estratégias nutricionais a fim de atenuar o risco de DGL.
Alteração do ambiente ruminal
Fatores que afetam o ambiente ruminal são os primeiros parâmetros considerados no controle de DGL em rebanhos leiteiros. Baixo pH é o principal fator no ambiente ruminal que leva o maior fluxo de AG para caminhos alternativos de biohidrogenação, resultando em maior concentração de subprodutos intermediários, conhecido com trans-, que causam a DGL. Uma vez que o pH ruminal é determinante na população bacteriana do rúmen, mudanças nessa população causam DGL no rebanho.
Em suma, o pH ruminal é representado pelo balanço entre a produção de ácidos provenientes da fermentação de carboidratos do rúmen, produção de tamponantes da saliva e ingredientes da dieta, e principalmente a taxa de remoção de ácidos através da absorção pela parede ruminal e pela passagem do rúmen para o intestino. Pesquisadores da University of Wisconsin em Madison, EUA, demonstraram a variação de pH ruminal durante um período de 24 horas e resultados de vários fatores dinâmicos que se interagem a todo momento. Dentro desses fatores incluímos:
- Perfil de carboidrato da dieta e taxa de degradação das frações de carboidratos afetados pela fonte, processamento e umidade;
- Oferta de FDN fisicamente efetivo afetado pela fonte e tamanho de partícula;
- Produção de tamponantes salivares como função do FDN fisicamente efetivo ofertado e fonte.
Tabela 2. Efeito do método de processamento de milho e a concentração de amido da dieta na síntese de gordura do leite.
Mesmo que a mensuração do grau e da duração do baixo pH ruminal exigido para causar maior fluxo de AG para rotas alternativas de biohidrogenação ainda não é totalmente conhecida, inúmeros estudos demonstram que mesmo pequenas alterações no pH ruminal está associado a DGL, já que essas alterações levam a mudanças na população bacteriana, principalmente naquelas espécies sensíveis ao ambiente ácido, resultando na maior produção de AG do tipo trans-, que é pré-requisito para DGL.
O efeito do método de processamento de milho é bastante conhecido no risco de DGL. Pesquisadores do Canadá reportaram 10% de redução na produção de gordura do leite quando grão de milho floculado foi substituído por grão de milho seco e moído. Mesmo que não exista um fator agindo isoladamente, esses resultados reforçam a ideia de considerar a taxa de fermentação das fontes de carboidratos como estratégia de controle de DGL. Da mesma forma, pesquisadores de Cornell, EUA, ofereceram dietas contendo silagem de milho de grão úmido e grão de milho seco e moído em dois níveis dietas com alta ou baixa concentração de amido (Tabela 2).
Animais que receberam dietas de baixo nível de amido não apresentaram diferenças no leite entre os tipos de processamento de grão de milho, porém no tratamento de alto amido, animais que receberam silagem de grão úmido de milho reduziram 15% da produção total de gordura do leite ou do teor de gordura em 0,54 pontos percentuais, quando comparados com o grupo de animais que receberam grão de milho seco e moído.
Outra informação bastante interessante é que vacas leiteiras que recebem silagem de milho como única ou principal fonte de volumoso são mais susceptíveis a DGL, principalmente quando AG insaturados também são suplementados na dieta. A substituição parcial da silagem por outra fonte de volumoso, como alfafa e gramíneas, podem aliviar os efeitos negativos da DGL (Tabela 3).
De acordo com os resultados, animais recebendo dietas com 50% de volumoso, sendo este 100% silagem de milho, e adição de 2% AG insaturados apresentaram menor produção total e concentração de gordura, uma vez que aumentaram a produção de trans-10 C18:1 na glândula mamária. Essa situação é revertida quando metade da silagem de milho é substituída por outra fonte de forragem, no caso do experimento alfafa.
Tabela 3. Efeito da suplementação de AG insaturado na fermentação ruminal e síntese de gordura na glândula mamária em vacas de leite recebendo dietas a base de silagem de milho ou silagem de milho + alfafa.
Outros hábitos de manejo também podem afetar negativamente a produção de gordura pela glândula mamária. O tamanho da partícula da forragem é bastante importante para manutenção do pH ruminal, assim problemas relacionados ao fornecimento correto da efetividade de fibra resultam em menor teor de gordura no leite. Uma redução do tamanho da fibra da silagem de milho de 3,1 mm para 2,0 mm pode resultar em quedas no teor de gordura em até 30%, independentemente da fonte de volumoso. Dessa forma é importante lembrar que os cuidados relacionados ao tamanho da partícula são fundamentais para evitar DGL em rebanhos leiteiros, e que nem sempre o tamanho da partícula de fibra da forragem colocada no vagão é a mesma encontrada no cocho, já que dependendo do vagão, o tempo de mistura da dieta pode reduzir o tamanho da fibra em poucos minutos (lembre-se que é necessário o mínimo de 21% de FDN fisicamente efetivo na dieta para produzir leite com 3,5% de gordura).
Da mesma forma cuidados com fibras muito longas é também importante para prevenção da DGL. Dietas que favorecem a seleção de concentrado pelos animais aumentam o risco de DGL na fazenda, e ainda, ofertar volumoso separado do concentrado, hábito de manejo muito comum em propriedades leiteiras por todo o Brasil, resultam em queda da gordura do tanque além de aumentar o risco de acidose. Nas fazendas onde o trato é oferecido em forma de dieta total, cuidados com a oferta ao longo do dia é crucial para o bom funcionamento do rúmen, evitando principalmente grandes picos de ingestão e consequentemente queda drástica no pH ruminal.
Uso de ionóforos
É bastante comum relacionar a suplementação de monensina sódica com queda da produção e do teor de gordura do leite nas mais diversas fases de lactação. A monensina afeta as taxas de biohidrogenação por alterar o padrão de fermentação e selecionar categorias específicas de bactérias, resultando em maior produção de intermediários do tipo trans- no rúmen. Esses efeitos são provavelmente resultados de interações com outros ingredientes da dieta e ações de manejo que predispõe vacas a DGL. Mesmo que uma pequena porção de AG insaturados passe por biohidrogenação através das vias alternativas que resultam em AG intermediários do tipo trans-, a monensina sem dúvida pode potencialmente aumentar a passagem desses intermediários para o duodeno e aumentar o risco de DGL.
Resultados de um levantamento bastante interessante realizada por pesquisadores da Universidade de Montreal no Canadá são apresentados na Tabela 4. Nesse levantamento realizado em 47 propriedades leiteiras, identificou-se o efeito na suplementação de monensina de acordo com a concentração de CNF, tamanho de fibra efetiva e o uso de feno nas dietas dos animais. Independentemente do CNF, tamanho de partícula e feno, a monensina reduz expressivamente a concentração de gordura do tanque dessas propriedades, porém em rebanhos cuja dieta apresenta alto CNF, ou baixa fibra efetiva ou ausência de feno, a queda do ter de gordura do tanque é ainda maior.
Além dos efeitos deletérios da monensina na gordura do leite de acordo com a concentração de CNF e efetividade da dieta, na presença de fontes de AG poli-insaturados, a monensina pode ainda agravar a queda de gordura do tanque. Pesquisadores da Universidade de Guelph, Canadá suplementaram concentrações crescentes de óleo de soja para vacas leiteiras em dietas contendo ou não monensina. Como foi discutido no nosso último artigo, o aumento da quantidade de AG poli-insaturados da dieta, no caso o óleo de soja, levou a queda do teor de gordura devido ao aumento do AG insaturados do tipo trans-, porém, de acordo com esses pesquisadores, a queda foi ainda maior quando a dieta continha monensina (Figura 1).
Esse cenário demonstra de forma bastante clara o potencial negativo para manutenção dos teores de gordura do leite, em rebanhos recebendo nossas dietas mais tradicionais. De maneira geral, dietas no Brasil são marcadas pela alta concentração de CNF e amido devido à baixa oferta e baixa qualidade de volumoso e ainda com crescente uso de óleos e outros subprodutos provenientes do processamento de oleaginosas, como alternativa para viabilizar alto custo da dieta. Tudo isso somado as altas temperaturas e meses de massiva umidade. Por isso existe um desafio tão grande de se manter saúde ruminal e qualidade do leite em nossas propriedades.
Figura 1. Efeito de três níveis de óleo de soja em dietas contendo ou não monensina* no teor de gordura e concentração de trans-10 C18:1 no leite.
Novas tecnologias
Dentre todos os aditivos presentes no mercado, a virginiamicina tem mostrado resultados bastante consistentes na manutenção do pH ruminal e incremento do teor de gordura do leite. A virginiamicina é um aditivo zootécnico melhorador de desempenho não-ionóforo, com indicação de uso pelo MAPA para aumento de produção e qualidade de leite. Oriunda da fermentação de Streptomyces virginae, a molécula foi descoberta na Bélgica em 1954 demonstrando grande capacidade em inibir crescimento de inúmeras bactérias Gram +. A virginiamicina é um potente inibidor de ácido lático no rúmen, uma vez que atua diretamente em Streptococcus bovis, Lactobacillus spp. e Fusobacterium necrophorum, reduzindo a incidência de acidose clínica e subaguda, abcessos hepáticos e principalmente otimizando pH ruminal, essencial para uma biohidrogenação adequada e incremento dos teores de gordura do leite.
O mecanismo pelo qual a virginiamicina aumenta a produção de gordura pela glândula mamária ainda não é totalmente conhecido, porém resultados demonstram que o maior pH ruminal, como resultado da queda da produção de ácido lático no rúmen, aumenta a população de bactérias específicas no rúmen responsável por transformar AG insaturados em AG saturados. Uma vez que essas bactérias são ácido-sensíveis, o baixo pH, normalmente encontrado no rúmen de vacas de leite por horas após ingestão de alimento, acaba inibindo o seu crescimento, porém com a presença da virginiamicina esse crescimento é favorecido.
Pesquisadores do Paraná observaram maior pH ruminal em vacas de leite recebendo 8 kg de concentrado contendo virginiamicina. Nesse experimento, o maior pH ruminal foi resultado da inibição da produção de ácido lático do rúmen, com incremento de ácido acético (um dos precursores de gordura do leite) e sem alteração das concentrações de propionato (Tabela 5).
Tabela 5. Efeito da suplementação da Virginiamicina no pH ruminal e produção de AG voláteis no rúmen.
Esses resultados positivos na manutenção do pH ruminal e redução da produção de lactato no rúmen estão diretamente relacionados com o incremento de gordura observado no campo e em outros experimentos avaliando o uso da virginiamicina em rebanho leiteiros. Em outro estudo, observou-se efeito positivo da virginiamicina na produção de gordura, mesmo quando esses animais estavam recebendo dietas com monensina (Tabela 6). Uma vez que é bastante comum o uso de monensina em dietas de vacas em lactação no mundo todo, inclusive no Brasil, o uso de virginiamicina deve ser considerado com a finalidade de maximizar a produção de sólidos sem que haja algum efeito negativo da produção de leite.
Tabela 6. Efeito da virginiamicina e a interação monensina/virginiamicina na produção de leite e sólidos em vacas holandesas em sistema de pastejo tropical.
Em uma recente análise de compilação de dados realizada pelo nosso grupo envolvendo sete experimentos, demonstrou-se mais uma vez os benefícios da virginiamicina no incremento de gordura (Figura 2). Na média, dos sete experimentos a virginiamicina apresentou incremento de 0,26 pontos percentuais na concentração de gordura quando comparada ao grupo que não recebeu virginiamicina, sendo que em dois dos experimentos, esse incremento foi maior que 0,40, confirmando que a molécula é uma ferramenta estratégica para maximizar síntese de gordura no leite, já que oferece maior segurança ruminal.
Figura 2. Resposta na concentração (%) de gordura no leite de vacas leiteiras suplementadas com virginiamicina, em relação ao grupo controle (sem virginiamicina) em sete diferentes experimentos. Informação do gráfico indica pontos percentuais do grupo recebendo virginiamicina em relação ao controle (valor 0%).
Considerações finais
No artigo de hoje apresentamos como diferentes fatores relacionados à dieta e alimentação de vacas leiteiras podem levar a alterações no ambiente ruminal, resultando em redução da síntese de gordura pela glândula mamária. Situações rotineiras que favorecem a queda do pH ruminal devem ser observadas e remediadas a fim de reduzir o risco de DGL. Ainda, existem aditivos como a virginiamicina, que servem como ferramentas estratégicas para manutenção dos teores de gordura do rebanho. Em termos práticos, não é apenas o incremento no valor pago pelo litro de leite que o alto teor de sólidos do tanque pode proporcionar, mas é importante lembrar também que vacas com rúmen saudável produzem mais leite e leite com mais sólidos.
Confira a primeira parte deste artigo:
Depressão da gordura do leite: efeito das fontes de ácidos graxos da dieta - Parte I