Os créditos de carbono têm ganhado cada vez mais espaço no setor agropecuário, com diversos produtores já aproveitando os benefícios desse mercado em expansão. Pensando em orientar aqueles que ainda não participam da iniciativa e mostrar como essa oportunidade pode gerar uma nova fonte de renda, além de contribuir para a sustentabilidade do planeta, a equipe do MilkPoint conversou com Laurent Micol, CEO da CarbonPec.
Formado em Administração de Empresas pela ESCP em Paris e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso, Laurent possui uma trajetória consolidada na área ambiental. Com mais de 25 anos de experiência dedicados ao uso sustentável da terra, ele traz uma visão aprofundada sobre os desafios e as oportunidades que o mercado de créditos de carbono oferece aos produtores rurais.
MilkPoint: Como você enxerga o mercado de carbono no Brasil hoje? A qual ritmo estamos quando nos comparamos com outros países?
Laurent Micol: “No Brasil já existem vários projetos para atender mercado internacional, mas são principalmente projetos voltados à área florestal.
Houve uma onda de investimentos em projetos de desmatamento evitado e conservação florestal, o que levou à criação de várias empresas focadas neste trabalho. Em seguida, outro tipo de crédito ligado ao reflorestamento surgiu, baseado no sequestro de carbono pela biomassa das árvores; nesse cenário outras empresas aproveitaram a deixa.
No setor agropecuário existem alguns projetos, mas voltados principalmente para transição para práticas regenerativas, como a transição de plantio convencional para o plantio direto. Entretanto, existe uma limitação quando tratamos da pecuária em si, as metodologias existentes tipicamente não trabalham a emissão por quilo de produção, e sim por hectare. Quando aumentamos a produtividade, colocando mais animais em um determinado espaço, através do manejo de pastagens, por exemplo, aumentamos as emissões por área, por mais que diminuam as emissões por litro de leite.
Quando olhamos outros lugares do mundo, como Europa, Estados Unidos ou Austrália, vemos mercados de carbono mais desenvolvidos no setor agropecuário. Nos Estados Unidos, especialmente na Califórnia, existem vários projetos, com o uso de aditivos, que permitem reduzir as emissões na produção de leite ou na pecuária de corte. Essa é uma tendência, mas no Brasil ainda estamos em estágio inicial.”
MilkPoint: Estão sendo desenvolvidas metodologias para contabilizar as emissões de forma mais justa na pecuária, considerando a produtividade e não apenas a área?
Laurent Micol: “Nós começamos a desenvolver metodologias próprias. Hoje, estamos com uma metodologia em desenvolvimento no padrão VCS (um dos padrões mais consolidados para créditos de carbono) com essa abordagem. Outros padrões, como o Cercarbono, também estão começando a olhar para isso. É algo que está emergindo, ainda em desenvolvimento, mas que permitirá contabilizar emissões com base na produtividade, não apenas por hectare.”
MilkPoint: Como você acredita que a pecuária leiteira possa participar no mercado de créditos de carbono?
Laurent Micol: “O potencial inicialmente é mais próximo com o uso de aditivos, que permitem reduzir a fermentação entérica e as emissões de metano. Algumas empresas compradoras, especialmente multinacionais, têm metas voluntárias de redução de emissões e vão demandar projetos nesse sentido.
Outro tipo de abordagem é a melhoria da eficiência e aumento da produtividade para reduzir a intensidade de emissões por litro de leite produzido. Isso interessa muito às empresas compradoras de leite, porque elas compram o leite com menos emissões. Esse tipo de abordagem deve ganhar tração no futuro e pode ser uma ferramenta de incentivo que ajuda a dar um salto na cadeia. Além disso, abre leque para práticas de nutrição de precisão, que também contribuem para diminuir as emissões através da alimentação do animal.”
MilkPoint: Qual é a importância dos projetos agrupados para viabilizar a participação de pequenos e médios produtores no mercado de créditos de carbono e quem pode liderar essas iniciativas?
Laurent Micol: “Eu acredito que, no caso do setor agropecuário em geral — e isso vale tanto para a pecuária de leite quanto para a de corte — a abordagem deve ser de projetos agrupados, porque é muito difícil viabilizar um projeto de carbono com apenas uma unidade produtiva, mesmo em fazendas maiores. A tendência é que o mercado de carbono no setor agropecuário se organize em torno de projetos coletivos.
A questão é: quem vai ser o gestor desses projetos agrupados? Por exemplo, se for um projeto envolvendo o uso de um aditivo, o proponente pode ser o próprio produtor do aditivo, que naturalmente tem interesse em promover o produto dele, criando um projeto de carbono que reduz emissões e gere benefícios para os clientes que o utilizarem.
Também há a possibilidade de empresas estruturadoras de projetos de carbono proporem esses projetos agrupados para reunir vários produtores de uma mesma região ou em torno de um mesmo tipo de intervenção.
Outro exemplo são os biodigestores, nos contextos onde os dejetos são armazenados em forma líquida e geram muitas emissões. Nesse caso, empresas que fornecem biodigestores podem se interessar em criar projetos agrupados e oferecer essa solução aos clientes.
Além disso, grandes compradores, como laticínios e indústrias do setor, podem propor projetos agrupados para incentivar seus fornecedores a adotarem melhores práticas. Esse modelo vai ser essencial para pequenos e médios produtores participarem do mercado de créditos de carbono.”
MilkPoint: Quais os principais desafios e benefícios dos créditos de carbono para pequenos produtores?
Laurent Micol: “Para os pequenos e médios produtores, o principal desafio é viabilizar economicamente a participação nos projetos de carbono. É muito difícil fazer um projeto individual, porque os custos de medição, verificação e certificação são altos. Por isso, a solução está nos projetos agrupados, que reúnem vários produtores em um mesmo programa.
Esses projetos permitem diluir custos, facilitam o acesso às metodologias e aumentam a chance de gerar créditos com relevância no mercado. Além disso, trazem benefícios como a possibilidade de o produtor ter uma nova fonte de renda com a venda dos créditos e adotar práticas mais sustentáveis, que melhoram a eficiência e a imagem da propriedade.
O desafio hoje é que ainda existem poucos projetos estruturados prontos para adesão, mas, nos próximos anos, a tendência é que surjam cada vez mais oportunidades para que esses produtores participem.”
MilkPoint: Você pode contar um pouco sobre algum projeto da CarbonPec?
Laurent Micol: “Estamos com várias iniciativas em estágio inicial muito promissoras, tanto na cadeia de corte, principalmente com redução da intensidade de emissão com a adoção de práticas de aumento de eficiência. Nos baseando nessa nova metodologia que eu mencionei.
Já para a pecuária leiteira, nós estamos apostando em parcerias para os usos de aditivos que reduzem a fermentação entérica, como uma forma de começar na cadeia do leite. Acreditamos que é uma frente bem promissora.”
O mercado de créditos de carbono ainda está em fase inicial no setor leiteiro brasileiro, mas avança com boas perspectivas. O desenvolvimento de metodologias específicas e a estruturação de projetos coletivos devem permitir que produtores de diferentes portes participem desse novo ciclo de sustentabilidade e geração de renda.
Mais do que uma oportunidade, os créditos de carbono representam uma mudança de mentalidade: alinhar produtividade e eficiência à preservação ambiental é o caminho para uma pecuária mais moderna, competitiva e responsável.