Entretanto, pouca atenção é dada ao efeito específico da nutrição sobre o desenvolvimento fisiológico e reprodutivo dos rebanhos. A relação entre nutrição e reprodução vem merecendo destaque em muitos trabalhos de pesquisa desenvolvidos ao longo dos últimos anos. No caso dos reprodutores, diversos trabalhos tentam explorar algumas "respostas nutricionais" que viabilizem a melhoria dos índices de fertilidade seminal e congelabilidade, os quais são mediados por constituintes da dieta.
Aspectos reprodutivos dos carneiros
A fertilidade dos reprodutores depende de sua produção diária de sêmen e da capacidade em produzir maior concentração de espermatozóides liberados por ejaculado, especialmente no caso dos programas de monta natural (SELAIVE-VILARROEL e MORAES, 1987). Quantitativamente, a produção espermática depende do desenvolvimento testicular (COUROT, 1976). Em virtude da associação entre o volume testicular e produção espermática, variáveis como o perímetro escrotal correlacionam-se positivamente com a motilidade espermática e negativamente com o percentual de anormalidades espermáticas (FERREIRA et al.; 1988).
Cada raça possui um limite presumido de tamanho de testículo, o qual é determinado pelo patrimônio genético de cada carneiro. Todavia, a nutrição exerce influência significativa no desenvolvimento testicular (SIQUEIRA-FILHO, 2007). Uma observação interessante do ponto de vista prático, é que o volume dos testículos dos carneiros usualmente diminui durante a estação de monta, provavelmente pela redução da ingestão em função da exacerbação do comportamento sexual.
Estresse nutricional e desenvolvimento reprodutivo de machos
De uma forma geral as exigências nutricionais variam de acordo com o tipo de exploração, idade, sexo, status fisiológico e objetivos produtivos previamente traçados. Um programa nutricional desenvolvido para machos e/ou fêmeas é dinâmico, alterando-se à medida que os animais evoluem em seus estágios produtivos (SIQUEIRA FILHO, 2007). Dessa maneira, podemos dividir simbolicamente em uma escala temporal os efeitos deletérios do manejo nutricional inadequado e as possíveis conseqüências reprodutivas para machos da espécie ovina: subnutrição na fase gestacional, pré-puberal e adulta.
A subnutrição gestacional é decorrente da baixa disponibilidade de alimento disponível para as ovelhas durante a gestação.
A subnutrição pré-puberal representa a escassez de alimento para animais que iniciarão suas atividades reprodutivas.
A subnutrição no período adulto compreende o incorreto aporte nutricional na fase em que os animais estão no auge de sua atividade reprodutiva (servindo em monta natural ou como doadores de sêmen para multiplicação anima).
A escassez de alimento para a fêmea em gestação está relacionada a menor peso ao nascimento e influencia decisivamente o desempenho reprodutivo futuro dos machos. O trabalho de Da Silva et al., (2001) (Tabela 1) demonstra como o estresse nutricional pode acarretar um retardo na puberdade e na produção de hormônios reprodutivos. Tais alterações podem se tornar irreversíveis (mesmo com posterior adequação da dieta), demonstrando que um erro de manejo infringido aos animais ainda no ventre materno pode acarretar prejuízos que comprometem toda a trajetória de vida do reprodutor.
Tabela 1. Efeito do aporte nutricional materno (subnutrição ou exigência nutricional de gestação atendida) durante o período gestacional sobre o desenvolvimento das características reprodutivas de borregos condizentes com o estabelecimento da puberdade.
Adaptado de DA SILVA et al., (2001). Letras diferentes na mesma linha expressam as diferenças significativas observadas.
A nutrição tem grande impacto em muitos aspectos reprodutivos do desenvolvimento pré-puberal do macho, influenciando a maturidade sexual, que é expressa pelo início da espermatogênese (processo de formação dos espermatozóides) e da libido (Carpenter et al., 1997). Fernández et al., (2005) apontam que o baixo aporte nutricional para ruminantes durante o período pré-puberal levam à diminuição do crescimento testicular e inibição do desenvolvimento do sistema endócrino.
Em função da menor massa testicular apresentada, uma menor quantidade de espermatozóides são produzidos por animais submetidos às dietas de restrição. Segundo relatos de Dunn e Moss (1992), machos sob estresse nutricional apresentaram diminuição no tamanho das células de Leydig (responsáveis pela produção de testosterona testicular) e dos túbulos seminíferos intra-testiculares (responsáveis, entre outros fatores, pela manutenção e transporte dos espermatozóides para os pontos de estocagem nos epidídimos).
Já na fase adulta, Kheradmand et al., (2006) verificaram evidências que as disfunções ou deficiência no metabolismo dos carboidratos, proteínas e ácidos nucléicos podem impedir a espermatogênese, a libido e a fertilidade dos machos, além de acarretarem na morte embrionária, anestro pós-parto, pior qualidade dos óvulos e menores taxas de prenhez no caso das fêmeas ovinas.
Segundo Dunn e Moss, (1992) o consumo insuficiente de energia ou proteína na dieta determinam um estado de balanço energético negativo, caracterizado pela falta de substrato para o desempenho das principais funções reprodutivas. De acordo com os mesmos autores, o manejo nutricional inadequado propicia o comprometimento do escore de condição corporal (ECC) dos reprodutores. Tal situação está diretamente associada à diminuição da produção espermática diária, além da queda na concentração de espermatozóides ejaculados e do tamanho testicular. A maioria das alterações observadas são decorrentes da diminuição das concentrações de testosterona na corrente sanguínea e no interior dos testículos.
Em contrapartida, a superalimentação também acarreta prejuízos ao desempenho dos reprodutores. O estabelecimento de dietas constituídas por grandes quantidades de concentrados pode atuar de maneira prejudicial, acarretando em comprometimento da qualidade dos espermatozóides, que podem apresentar maior número de defeitos e menor motilidade. Segundo Dunn e Moss, (1992), machos submetidos a dietas ricas em concentrados (80%) apresentam diminuição das reservas espermáticas nos epidídimos (anexos testiculares que armazenam os espermatozóides previamente a ejaculação).
A superalimentação representa uma situação tipicamente comum no caso de animais elite devido à exigente preparação necessária para feiras e exposições. Tal preparação geralmente consiste em formulações de dietas com alta densidade energética, ocasionando, em muitas situações, a reprova dos animais durante a execução do exame andrológico.
Elevadas concentrações de amônia ruminal e plasmática são decorrentes do consumo de dietas contendo elevados teores de proteína bruta (PB) ou a ausência de sincronismo na degradação de proteína e energia para a síntese microbiana no rúmen. Este excesso de amônia circulante pode prejudicar a espermatogênese, atuando diretamente nos túbulos seminíferos testiculares (MANN e MANN, 1981). Além da atuação direta na gônada, o excesso de nitrogênio circulante também interfere na produção/secreção dos hormônios da reprodução, prejudicando a espermatogênese e libido. Siqueira-Filho (2007) indica que dietas mais adequadas para a manutenção da qualidade do sêmen de carneiros devam apresentar 13,4 % PB e consumo de 210g de proteína metabolizável/dia. Animais que receberam dietas contendo teores de PB acima ou abaixo do recomendado apresentaram alterações nos parâmetros reprodutivos.
Tabela 2. Efeito do tipo de manejo nutricional (extensivo vs intensivo) na determinação das características escrotais e testiculares de carneiros Dorper*.
*Adaptado de FOURIE et al., (2004). Letras diferentes na mesma linha indicam diferenças significativas entre os grupos estudados.
Tabela 3. Efeito do tipo de manejo nutricional (extensivo vs intensivo) nas características seminais de carneiros Dorper*.
*Adaptado de FOURIE et al., (2004). Letras diferentes na mesma linha indicam diferenças significativas entre os grupos estudados.
Em conclusão, assim como as ovelhas que apresentam sérios prejuízos ao desempenho reprodutivo quando submetidas a um baixo aporte de nutrientes, os reprodutores ovinos apresentam sérias limitações quanto ao desenvolvimento testicular e produção espermática quando submetidos a um manejo nutricional inadequado. Esta situação acarreta prejuízos econômicos e atua como um sério empecilho à implementação de biotecnologias da reprodução como a congelação de sêmen e inseminação artificial, além de interferir no índice de fertilidade de rebanhos que utilizam monta natural.
Referências
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