Historicamente os grãos de milho têm representado a principal fonte de energia em dietas de vacas leiteiras em sistemas intensivos de produção, sejam animais confinados ou mantidos em pastagens. Isso faz com que o preço pago pelo cereal tenha um impacto significativo na contabilidade de qualquer fazenda, conforme já discutido neste radar em artigos anteriores ("Utilização de níveis elevados de subprodutos da agroindústria em substituição ao milho moído em dietas de vacas em lactação", "Processamento de milho e sua substituição por polpa cítrica"). Segundo o Boletim A Nata do Leite, publicado no início desse mês pela Scot Consultoria, em abril de 2004, o produtor precisava dispor de 581 litros de leite B para comprar 1 tonelada de milho em grão. Essa situação melhorou nos últimos doze meses, sendo que em março de 2005 o produtor precisava desembolsar "apenas" 483 litros de leite B para adquirir a mesma tonelada de milho. No entanto em novembro de 2004, essa relação de troca esteve em 366 litros leite por tonelada de milho. E como a previsão da CONAB é de que a safra atual de milho seja em torno de 7,5% menor que a passada, tudo leva a crer que o preço do milho continuará subindo, impondo mais pressão sobre os pecuaristas que usam o cereal em larga escala.
A inclusão de fontes energéticas alternativas, especialmente os subprodutos da agroindústria em dietas para vacas leiteiras, tem como principal objetivo baixar os custos de alimentação, mantendo os níveis de produção de leite. Outro benefício da inclusão de subprodutos pode ser a redução no teor de amido das dietas, com concomitante aumento nos teores de fibra digestível, contribuindo para melhoria do ambiente ruminal.
Em nosso país é limitada a disponibilidade de outros grãos de cereais, com características semelhantes às do milho, de forma que faz-se necessário buscar alimentos que, mesmo com características bastante diferentes, possam substituir os grãos de milho na formulação de dietas para rebanhos leiteiros. Dentre as várias possibilidades, a casca de soja desponta como alternativa interessante para substituir, pelo menos em parte, o milho em grãos das dietas de vacas em lactação.
A Casca de Soja (CS) é um subproduto da indústria de produtos à base de soja, principalmente o óleo de soja e lecitina. A CS é obtida numa das primeiras etapas do processamento quando os grãos são quebrados e as cascas retiradas por aspiração. Em seguida a CS sofre um processo de purificação e tostagem para eliminar a atividade de urease (BLASI, et al., 2000). Como sua densidade é muito baixa, a CS passa por um processo de moagem para que sejam reduzidos os custos de transporte. A CS consiste basicamente de fibra, o que desperta pouco ou nenhum interesse industrial pelo produto, mas é justamente o conjunto de características fisico-químicas da CS que a tornam interessante para uso em rações de vacas leiteiras (IPHARRAGUERRE & CLARK, 2003).
Segundo MIRON et al. (2001), cerca de 80% da MS da CS é composta por carboidratos, principalmente polímeros de glicose, e que a maior parte desses carboidratos (75%) é derivada da fração FDN. A fração fibrosa da CS é pouco lignificada, apresentando baixos teores de ácidos ferúlico e p-cumárico, que são os principais monômeros fenólicos envolvidos nas ligações entre a hemicelulose e a lignina. Dessa forma, a fibra da CS é bastante digestível. Em dietas de vacas leiteiras com altas taxas de inclusão de concentrado, onde o teor de CNE é elevado, a substituição de parte da forragem por CS proporciona aumento da concentração energética sem elevar a concentração de CNE acima de níveis críticos, o que resulta num padrão de fermentação ruminal mais favorável do que quando esse aumento de energia é obtido com a inclusão de fontes ricas em carboidratos não fibrosos.
Para testar a viabilidade da inclusão da CS em dietas já contendo polpa cítrica em substituição a parte do milho, realizamos recentemente outro trabalho na ESALQ/USP. As dietas foram formuladas através do programa NRC (2001) para serem isoprotéicas (17,9% PB). Os ingredientes utilizados foram: silagem de milho, feno de gramínea, milho moído fino, polpa cítrica peletizada, casca de soja, farelo de soja, uréia, suplemento mineral e vitamínico e bicarbonato de sódio. Na Tabela 1 são apresentados os dados de produção e composição do leite, ingestão de matéria seca e nitrogênio uréico no leite.
Como pode ser observado, a utilização da casca de soja não afetou o consumo de matéria seca, nem a produção de leite ou leite corrigido para 3,5% de gordura, o que está de acordo com diversos trabalhos publicados na literatura internacional (IPHARRAGUERRE et al., 2002). Em nosso estudo, à medida que se incluiu casca de soja na dieta das vacas, observou-se aumento linear na produção total de gordura no leite (P<0,05), embora esse aumento seja numericamente pequeno. Isto ocorreu em conseqüência do efeito associativo positivo que a substituição de parte do amido por fibra de alta digestibilidade (da casca de soja), tem na digestão ruminal. Ocorre um padrão de fermentação mais acético, com manutenção do pH ruminal em níveis mais elevados. Com relação à concentração de nitrogênio uréico no leite, a adição da casca de soja provocou uma redução linear (P<0,01) nos valores dessa variável, o que também pode ser consequência de um melhor ambiente ruminal, onde haveria um melhor aproveitamento do nitrogênio disponível no meio. No entanto, em sua extensa revisão, IPHARRAGUERRE & CLARK (2003) afirmam que, de maneira geral, de acordo com a literatura internacional, a substituição do milho por casca de soja em dietas de vacas leiteiras não afeta significativamente a digestibilidade aparente do nitrogênio no trato gastrointestinal de vacas leiteiras.
Tabela 1. Ingestão de matéria seca, produção e composição do leite e concentração de nitrogênio uréico no leite para os diferentes tratamentos.
CS 0= 20% milho moído fino; CS 10= 10% milho moído fino + 10% casca de soja; CS 20 = 20% casca de soja; Pr>F= probabilidade de haver efeito significativo entre os tratamentos; EPM= erro padrão da média; LCG 3,5= leite corrigido para teor de gordura igual a 3,5%; IMS= ingestão de matéria seca; NUL= nitrogênio uréico no leite.
Pelos resultados obtidos nesse trabalho pode-se concluir que a substituição dos grãos de milho pela casca de soja em dietas de vacas leiteiras em confinamento, produzindo em torno de 28 kg leite/dia, pode ser uma alternativa interessante, sempre que o custo do subproduto por vantajoso em relação ao do cereal.
Referências bibliográficas
BLASI, D. A.; DROUILLARD, J.; TITGEMEYER, E. C.; PAISLEY, S. I.; BROUK, M. J. Soybean Hulls feed, composition and feeding value for beef and dairy cattle. Kansas State University Agricultural Experimental Station and Cooperative Extension Service, Bull. MF-2438, 16 p. 2000.
IPHARRAGUERRE, I. R.; CLARK, J. H. Soyhulls as an Alternative Feed for Lactating Dairy Cows: A Review. Journal of Dairy Science, 86(4):1052-1073, 2003.
MIRON, J.; YOSEF, E.; BEM-GHEDALIA, D. Composition and in vitro digestibility of monossacharide constituents of selected byproduct feeds. Journal of Agriculture and Food Chemistry 49:2322-2326, 2001.
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1 ESALQ/USP, Departamento de Zootecnia