IntroduçãoA resistência parasitária a anti-helmínticos (vermífugos) é um problema observado no mundo inteiro e ainda mais evidente em países tropicais, como o Brasil, a Austrália e a África do Sul. A resistência ocorre principalmente pela presença constante dos parasitos, o que determina a necessidade de tratamentos múltiplos dos animais ao longo do ano.
Como a principal forma de controle dos parasitas é a utilização de anti-helmínticos, falhas nesse tipo de controle evidenciam o surgimento da resistência parasitária e, como visto em muitas propriedades, todos os vermífugos disponíveis no comércio podem deixar de ser eficaz. Hoje sabemos que a resistência parasitária inicia-se principalmente pela necessidade de utilização cada vez mais frequente de vermífugos para a obtenção de resultado satisfatório no controle da verminose e percorre o caminho até a completa ineficiência de um produto anti-helmíntico.
Embora vários esforços já tenham sido feitos para alertar sobre o grande equívoco em se tratar todo o rebanho em intervalos curtos, ainda é muito comum o uso de tratamentos mensais com produtos de longa ação, que poderiam ser usados em intervalos de 60 dias ou mais, acarretando em sobre-dose, perda de dinheiro e seleção de parasitos resistentes. Como consequência certa, a resistência parasitária leva a enormes prejuízos econômicos, tanto pelo maior gasto com anti-helmínticos quanto pela baixa eficiência no combate à verminose que compromete a produção animal, podendo até levar os ovinos mais suscetíveis à morte.
A situação torna-se ainda mais grave com a observação de que produtores e técnicos optam por encurtar ainda mais o intervalo entre tratamentos, gerando uma situação insustentável visto que o número de produtos disponíveis para rotação é pequeno e os animais não apresentam melhora aparente. Na verdade nossa intenção com esse artigo é alertar o produtor e o técnico de que usar um medicamento muitas vezes ao ano não garante uma situação sanitária perfeita em nenhum lugar ou situação no Brasil.
Com o objetivo de identificar aspectos no manejo dos rebanhos que estivessem relacionadas à resistência parasitária e à perda da eficiência dos tratamentos anti-helmínticos, 33 propriedades criadoras de ovinos de todas as 16 regiões do Estado de São Paulo foram avaliadas entre os anos de 2008 e 2010. Esse estudo foi conduzido por pesquisadores da Embrapa, do Instituto de Zootecnia, da APTA (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo) e da Universidade Federal do Paraná. O estudo contou com a colaboração voluntária de diversos ovinocultores do Estado de São Paulo, e os principais resultados obtidos estão detalhados a seguir.
Práticas de manejo e a resistência parasitáriaPesagem dos animaisEntre os fatores avaliados no estudo em SP e concordando com resultados obtidos em outros países, o principal fator associado à resistência parasitária foi a falta de pesagem dos animais e o tratamento com quantidade excessiva do medicamento. Entendemos que o produtor acredita que a aplicação de doses maiores que a recomendada (superdosagem) poderia levar a maior sucesso no tratamento, mas ocorre o contrário, pois a superdosagem leva à seleção rápida de parasitas resistentes e, por consequência, promove o aumento da resistência parasitária. O tratamento com doses menores do que a recomendada (subdosagem) além de não promover o resultado ideal também seleciona parasitas resistentes, porém em velocidade muito menor do que a superdosagem.
Dessa forma, sugerimos que o tratamento realizado em um animal, incluindo a vermifugação, seja feito após a precisa determinação de seu peso em balança, pois a utilização de estimativa visual do peso do animal, salvo feito por pessoa muito experiente, leva à aplicação de doses em quantidades erradas.
Escrituração zootécnicaUma medida de manejo relativamente fácil de ser aplicada e que pode trazer grandes benefícios porque promove a redução da resistência parasitária é a realização da escrituração zootécnica do rebanho. Por meio da escrituração é possível fazer o tratamento seletivo dos animais, determinar quais animais foram tratados e o número de tratamentos a que foram submetidos, além de outras informações importantes, tais como o controle da data de nascimento, dos pesos e do estado fisiológico (por exemplo, ovelha prenhe, vazia ou lactante).
Essas informações são importantes tanto para o controle da verminose quanto para o acompanhamento econômico da atividade. Observamos no estudo realizado no Estado de SP que a escrituração zootécnica só é feita em 60% dos rebanhos. Dessa maneira sugerimos que produtores de todo o Brasil adotem inicialmente um sistema simples de controle e, ao longo do tempo, atinjam um detalhamento maior de informações a respeito dos animais.
Troca de produtos anti-helmínticosFoi determinado que uma medida que pode retardar o surgimento da resistência parasitária é a troca de produto anti-helmíntico somente após a comprovação da perda de sua efetividade, avaliada preferencialmente pelo teste de redução da contagem de ovos nas fezes (TRCOF). Esse é um teste pouco oneroso, feito com exames de fezes dos animais antes e depois de terem recebido o vermífugo e que já foi discutido em detalhes no artigo publicado no site FarmPoint:
TRCOF: teste de redução da contagem de ovos nas fezes No presente artigo reforçamos a informação de que a rotação de anti-helmínticos após cada aplicação NÃO deve ser realizada, uma vez que resulta em aumento da resistência parasitária para todos os medicamentos envolvidos. Criando um cenário de hipóteses, essa estratégia pode inicialmente significar uma melhora do rebanho, no entanto, em médio prazo os bons resultados podem se transformar em pura dor-de-cabeça com animais apresentando anemia severa após tratamento.
Método FAMACHA®Quanto às práticas de manejo sanitário, uma das melhores notícias foi a verificação da ampla utilização do método FAMACHA® e/ou do tratamento seletivo do rebanho, em que somente alguns animais ou lotes estavam sendo tratados, ao invés da utilização do tratamento anti-helmíntico em todos os animais do rebanho, sem um diagnóstico prévio apropriado.
O método FAMACHA® tem sido discutido e utilizado há pelo menos 10 anos entre técnicos e criadores de ovinos, não somente em SP, mas em todo o Brasil, como critério para a tomada de decisão de vermifugar ou não o animal. Essa técnica reduz significativamente o número de tratamentos antiparasitários e traz economia direta ao sistema de produção, sem quebra de produtividade. Além disso, o maior benefício, mesmo sendo considerado um método indireto e de difícil determinação para o produtor, é o fato do método FAMACHA® poder prolongar a vida útil dos vermífugos, retardando o surgimento da resistência parasitária. Isso ocorre porque o tratamento seletivo mantém a população de vermes sensíveis aos produtos em animais não-tratados de maneira que esses vermes sejam a maioria na população. Essa é uma vantagem inédita em se tratando de método de controle parasitário e tem sido amplamente adotada e em grande difusão no Brasil.
Raças ovinas tolerantes Observou-se no estudo que a presença de animais das raças Suffolk e Dorper estava relacionada à resistência anti-helmíntica. A raça Suffolk foi mais suscetível à verminose em vários trabalhos científicos já realizados no Brasil, e por causa disso, provavelmente, necessitaria de muitas vermifugações, o que leva à resistência. A raça Dorper, devido aparentemente ao seu alto valor comercial, também deve receber muitas vermifugações, o que certamente favorece o aparecimento da resistência. Rebanhos das raças Santa Inês, Ile de France e Texel tiveram menor frequência de resistência.
O fundamental é que os produtores, desde o Sul até o Norte do Brasil, saibam que existe grande variação na resistência/tolerância e suscetibilidade dos animais à verminose em cada raça, e que, portanto, é importante detectar os indivíduos mais sensíveis (ex: método FAMACHA®) de um rebanho e descartá-los da propriedade. Entretanto, sugerimos que o técnico e que o produtor avalie fatores como a nutrição, o período periparto (fêmeas no último mês de gestação e durante a lactação ficam mais suscetíveis) e a idade do animal (animais jovens são mais suscetíveis), pois essas características também influenciam muito a resposta de resistência ou susceptibilidade do animal frente à verminose.
ConclusõesAbaixo sumarizamos os resultados, listando alguns pontos importantes que podem ser utilizados por produtores e técnicos de todo o Brasil e que desejam obter maiores benefícios da sua atividade, evitando também o aparecimento da resistência anti-helmíntica.
1) Disponibilizar nutrição adequada às várias categorias da criação, principalmente àquelas mais suscetíveis à verminose (cordeiros e fêmeas no periparto), durante todo o ano.
2) Pesar os animais em balança antes do tratamento, a fim de administrar a dose de acordo com o peso correto do animal.
3) Utilizar técnicas de tratamento seletivo como o método FAMACHA®, retirando, por descarte, animais que necessitarem ser tratados mais de 4 vezes no período de 6 meses.
4) Anotar dados de produtividade individual dos animais e de medidas de manejo sanitário por meio da escrituração zootécnica.
5) Realizar o TRCOF ao menos uma vez ao ano para reavaliar a eficiência dos vermífugos utilizados na propriedade.
6) Utilizar raças mais tolerantes à verminose, melhoradas para conformação e produtividade.