A importância do esterco como fonte de nutrientes para as culturas vegetais é reconhecida há milênios. A gestão adequada dos sistemas de produção pecuária mostra que as combinações de intensificação, melhor utilização dos dejetos animais na produção agrícola, o suprimento preciso de N e de outros elementos para se atender às exigências nutricionais dos animais, podem efetivamente reduzir os fluxos desses nutrientes, reduzindo os impactos ambientais.
Mas como tem sido a eficiência da agropecuária mundial - e da brasileira em específico - no uso de N?
Em artigo científico recentemente publicado, pesquisadores franceses e italianos procuraram responder à essa importante pergunta. Neste texto procurarei resumir as principais conclusões obtidas e alertar para a necessidade de que a agropecuária brasileira veja com mais cuidado a questão.
A primeira reflexão é que a maioria do N aplicado na agropecuária é perdida para o ambiente. No mínimo duas conclusões se podem tirar deste fato: i) estamos jogando dinheiro fora; e ii) estamos causando danos ambientais.
Os pesquisadores Luis Lassaletta e Gilles Billen, junto com seus colaboradores, analisaram criteriosamente a eficiência no uso do N em 124 país no período de 50 anos (1961 a 2009), considerando as 178 culturas vegetais mais importantes (Lassaletta et al., 2014). Mais especificamente, eles estudaram a relação entre a produtividade da agricultura (chamemos de “P”) e a quantidade de N utilizada para obtê-la (chamemos de “N”). A produtividade foi expressa em quantidade de N na produção (quilo de N por hectare e por ano). Assim, obteve-se um indicador chamado “Eficiência no Uso do Nitrogênio” (EUN) originado pela relação entre P e N. Assim: EUN = P/N.
Pode parecer um pouco complicado, mas é relativamente fácil de entender: quanto maior a eficiência no uso do nitrogênio, significa que mais produção foi obtida para uma mesma quantidade de nitrogênio utilizada (↑EUN). Por outro lado, se a eficiência no uso do N for baixa significa que uma quantidade maior de N teve de ser utilizada para se conseguir a mesma produção (↓EUN).
Para o cálculo da quantidade de N, foram consideradas as quatro fontes mais importantes: esterco animal, fertilizantes sintéticos, fixação simbiótica e disposição da atmosfera. A fonte principal das informações foi o banco de dados da FAO (FAOStat). Diversos critérios e coeficientes técnicos foram definidos para as estimavas. Detalhes metodológicos podem ser obtidos no artigo, que está publicamente disponível (open access).
Os resultados mostram que a evolução da eficiência no uso do N foi distinta para os diferentes países. Dessa forma, os pesquisadores organizaram os países em quatro principais grupos, que eles chamaram de “tipos”. Procurei organizar em um único quadro, o perfil desses países, alguns exemplos e a explicação para o comportamento observado.
Quadro: comportamento histórico da relação entre produtividade agrícola (veja no eixo vertical) e a utilização de nitrogênio (veja no eixo horizontal).
Fonte: elaborado a partir de Lassaletta et al. (2014).
Nota: os gráficos são reproduções dos originais; as cores dos pontos representam o tempo, seguindo a escala:
Considerando o mundo como um todo, o estudo mostrou que há uma queda na EUN de 1961 até o início dos anos 80. Em 1961 a eficiência no uso do N era de, aproximadamente, 68%, tendo caído para 45% em 1980. De 1980 até os dias atuais, houve estabilização na EUN, com uma média mundial em torno de 47%.
Além da eficiência em si, a pesquisa procurou mostrar a origem do N utilizado na agricultura. E neste ponto os resultados são ainda menos animadores, uma vez que a fonte que vem crescendo mais rapidamente é a dos fertilizantes sintéticos, que supostamente causam os maiores impactos ambientais (especialmente por serem de origem não-renovável).
Os autores ainda concluem que, apesar do volume de esterco animal gerado mundialmente ser bastante expressivo, essa fonte de N não tem sido utilizada eficientemente, havendo enorme desperdício da mesma, que não chega nas lavouras como poderia. Em outras palavras, a adoção de sistemas integrados de produção, entre animais e vegetais, pode ser um dos melhores caminhos para elevar essa eficiência. Nesse mesmo sentido, priorizar a utilização do N de fontes simbióticas (como a produção de leguminosas) é outro caminho com grande potencial a ser explorado.
Referências:
Lassaletta, L., Billen, G.; Grizzetti, B.; Anglade, J.; Garnier, J. 50 year trends in nitrogen use efficiency of world cropping systems: the relationship between yield and nitrogen input to cropland. Environmental Research Letters, v.9, 9pp, 2014.