Nathália M. Coutinho¹, Marcello R. Silveira¹, Sueli Rodrigues², Adriano G. Cruz³
1 - Universidade Federal Fluminense (UFF), Departamento de Tecnologia de Alimentos.
2 - Universidade Federal do Ceará (UFCE), Departamento de Tecnologia de Alimentos.
3 - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Departamento de Alimentos.
O leite é um alimento rico em nutrientes e contém proteínas, gorduras, carboidratos, vitaminas e sais minerais, tornando-se um substrato ideal para a proliferação de micro-organismos e consequentemente sua deterioração. Desse modo, métodos tradicionais como a pasteurização e o tratamento UHT (“ultra-high temperature”) são utilizados na indústria de laticínios para a eliminação de micro-organismos patogênicos e/ou deteriorantes. Tendo em vista as inevitáveis alterações nas características nutricionais, funcionais e sensoriais dos produtos lácteos advindas pelo tratamento térmico, novas tecnologias vêm sendo estudadas para aplicação no processamento de leite e derivados.
O plasma a frio é uma tecnologia emergente de processamento não-térmico de alimentos, sendo considerado o quarto estado da matéria. É definido como um gás ionizado constituído por partículas que incluem fótons, elétrons, íons positivos e negativos, átomos, radicais livres e moléculas excitadas ou não excitadas, apresentando múltiplas interações. Sua carga média total é muito pequena, podendo ser considerada macroscopicamente neutra.
Por meio do aquecimento do gás carreador, através de um campo elétrico, o plasma é gerado (por pressão reduzida, pressão atmosférica ou temperatura ambiente), tornando este processo prático, barato e adequado para a descontaminação de produtos, ganhando, portanto, destaque na produção de leites e derivados. A composição do gás carreador é o próprio ar ou gases como oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono, argônio, hélio ou uma mistura de gases.
Os tipos de plasma não-térmico mais comuns à pressão atmosférica são: jato de plasma, descarga em barreira dielétrica, descarga corona e descarga em micro-ondas. O jato de plasma configura-se na produção de pequenas "chamas de plasma" que são tipicamente geradas na faixa de radiofrequência. Na descarga em barreira dielétrica (DBD), o plasma é gerado entre dois eletrodos que são separados por uma barreira dielétrica (isolante que, sob a atuação de um campo elétrico exterior acima do limite de sua rigidez dielétrica, permite o fluxo da corrente elétrica). A descarga corona origina-se próxima ao eletrodo afunilado, onde o campo elétrico é grande o suficiente para acelerar os elétrons produzidos aleatoriamente ao nível de energia de ionização dos átomos ou moléculas do gás circundante.
Diferentemente dos tipos já citados, as descargas de micro-ondas são emitidas por um magnetron, geralmente a 2,45 GHz, e ao chegarem à câmara de processo, alcança elétrons presentes no gás que absorvem as micro-ondas, levando a um aumento da energia cinética e consequentemente as reações de ionização por colisões inelásticas.
A composição química do plasma gerado é geralmente dividida em três grupos: fótons ultravioletas (UV), partículas carregadas e espécies reativas (como superóxido, radicais hidroxilo, óxido nítrico, ozônio e outros). Entre essas substâncias, as espécies reativas ao oxigênio (ROS) produzidas pelo plasma têm sido amplamente relatadas como tendo um papel crítico na inativação dos micro-organismos.
As ROS produzidas pelo plasma a frio contêm radicais livres, altamente reativos, que podem interagir com a superfície do alimento, sendo aplicável na inativação de uma ampla gama de micro-organismos, incluindo esporos e vírus e de enzimas, além de serem utilizadas como alternativa para a esterilização de superfícies. A ação das ROS no micro-organismo resulta na oxidação na superfície externa das células microbianas, agindo sobre a dupla camada de ácidos graxos insaturados da membrana celular, nos aminoácidos e ácidos nucleicos de células e esporos, levando à morte celular.
A eficiência da inativação microbiana do plasma a frio nos produtos lácteos depende das características do plasma (composição e pressão, vazão ou fluxo do gás), a potência utilizada, o tempo de exposição e a distância do micro-organismo em relação à descarga emitida. Deve ser levado em consideração ainda a carga inicial microbiana presente no produto lácteo e o tipo de micro-organismo. Em leite cru observaram a redução significativa de 54% de Escherichia coli após o tratamento de plasma a frio por descarga corona (9 kV), utilizando ar como gás, por 3 minutos.
Em queijo, podemos observar após 2 minutos de exposição ao plasma a frio (DBD, utilizando gás hélio) a 75, 100 e 125 W, que as células viáveis de Listeria monocytogenes foram reduzidas em 1,70, 2,78 e 5,82 log, respectivamente. E mais do que 8 log de redução a 150 W. Estudo realizado com queijo cheddar relata a diminuição de E. coli O157:H7, Salmonella Typhimurium e L. monocytogenes após a exposição ao plasma a frio DBD, com gás atmosférico contendo oxigênio e nitrogênio, durante 10 minutos na ordem de 3,2 log, 2,1 log, 5,8 log, respectivamente.
As ações do plasma sobre as enzimas endógenas do leite são semelhantes com o que ocorrem nos micro-organismos. As enzimas são inativadas através da reação de oxidação sobre os peptídeos que muda a conformação da proteína, diminuindo, portanto a atividade enzimática. Um estudo recente avaliou o efeito do plasma a frio na atividade residual e estrutural da fosfatase alcalina, enzima comumente utilizada para avaliar a ocorrência da pasteurização do leite. O tratamento do plasma DBD foi realizado a 40, 50 e 60 kV em ar atmosférico, variando de 15 segundos a 5 minutos, à temperatura ambiente. Os resultados demonstram que independentemente da tensão utilizada, após 3 minutos de tratamento, a atividade da enzima foi inferior a 10%.
Por outro lado, como qualquer tecnologia não térmica, existem algumas limitações no processamento de plasma a frio em leite, pois as espécies ativas formadas durante a descarga do plasma podem iniciar a peroxidação lipídica e produzir hidroperóxido, que pode ser convertido em produtos de oxidação secundária tais como, aldeídos. Em um estudo sobre as mudanças bioquímicas do leite após o tratamento de plasma a frio, relataram o aumento de 7,30 µg para 20,79 µg do teor de aldeído, após 20 minutos de exposição a descarga de corona plasmática (9 kV, utilizando ar como gás).
De forma geral, novas pesquisas na avaliação dos efeitos do plasma a frio em relação à qualidade do leite e derivados devem ser realizadas. Entretanto, pode-se considerar uma tecnologia com potencial de ser aplicado, tendo em vista eficácia dos resultados disponíveis. Nesse contexto, a aplicação do plasma a frio se constitui como uma alternativa possível ao tratamento térmico convencional que é comumente utilizado nas unidades processadoras de produtos lácteos.
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