Clínica do Leite
ESALQ/USP
Temos realizado o curso MDA 2 vezes ao ano, quando comparecem, em cada turma, cerca de 35 a 40 produtores e profissionais ligados à pecuária de leite. Logo na primeira aula fazemos uma reflexão sobre o que mais incomoda ou desejam os participantes em sua vida profissional. Invariavelmente a resposta é: - ter mais sucesso no negócio e menos problemas com os funcionários. Durante as 5 reuniões mensais do curso nos dedicamos a entender estes problemas e traçamos os passos a serem seguidos para solucioná-los. Ao final, após 100 horas de conversas, os participantes tem uma visão muito clara do que querem para seus negócios, suas vidas e o que devem fazer para atingir os objetivos. Vou, aqui, procurar resumir estas 100 horas em alguns pontos que considero fundamentais na solução destes dois problemas.
Estes dois pontos, na realidade, estão conectados – o sucesso em um negócio depende de se atrair e reter bons funcionários. O sucesso de um negócio pode ser medido através de sua sobrevivência. Um negócio de sucesso perdura por longo tempo, mesmo após a saída do seu iniciador. Todo negócio é feito por pessoas para pessoas. Ele será tão mais competitivo quanto mais competentes forem as pessoas que trabalham no mesmo. Se as pessoas forem mais competentes entenderão melhor as necessidades dos interessados (clientes, acionistas, sociedade) e produzirão produtos e serviços de maneira mais eficaz, o que leva à sobrevivência e ao sucesso.
Mas como conseguir isto?
A primeira vista pode-se imaginar que a resposta à questão esteja ligada ao tamanho do negócio ou ao volume de leite produzido pelas vacas ou mesmo ainda à imponência das instalações, ou seja, a disponibilidade de meios adequados. Nada disto é verdade. Temos visto pessoas extremamente felizes e de sucesso em negócios pequenos. Aliás, é mais fácil encontrarmos estas pessoas em negócios menores do que em maiores, mas há exceções.
O que então faz a diferença? Será que é possível termos formas de atingirmos maior sucesso?
Sim é possível!
Realizamos um trabalho recentemente em 68 fazendas produtoras de leite do estado de Minas Gerais separando-as em dois grupos. Um deles possuía mais de 700 mil células somáticas no leite do tanque e o outro menos de 200 mil. Entrevistamos os produtores, os ordenhadores e fizemos um diagnóstico detalhado das condições de ordenha e dos animais. O resultado final foi que a diferença na quantidade de células somáticas do tanque não estava no uso das técnicas e ferramentas de controle de mastite como, por exemplo, uso de luvas para ordenha, desinfetantes antes e após a ordenha, equipamento de ordenha, tipo e frequencia de uso de antibióticos para o tratamento da mastite clínica e na secagem, mas estava, sim, nas pessoas, o que chamamos de “Fator Humano”. Nas fazendas de baixas células somáticas os produtores tinham na atividade de produção de leite seu principal negócio, eram orgulhosos do mesmo, gostavam do que faziam, compreendiam melhor as necessidades de seus ordenhadores e davam melhores condições para executarem suas tarefas.
Outros pesquisadores já observaram este tipo de situação. Na Holanda, a pesquisadora Jolanda Jansen realizou trabalho parecido e observou que 38% da diferença dos valores de CCS entre fazendas se devia ao que ela chamou de “Atitude” do produtor (suas crenças, pensamentos e comportamentos frente à mastite). Em outras áreas de negócios tem sido observado resultados semelhantes. Um trabalho realizado com 207 indústrias americanas durante 11 anos mostrou que aquelas que tinham a “Cultura” certa tiveram crescimento de 682% na receita e de 282% no engajamento dos funcionários, enquanto que as com “Cultura” errada tiveram crescimento de 166% e de 36% na receita e engajamento dos funcionários, respectivamente. Como cultura certa os pesquisadores listaram: apreciação da diversidade, tratamento justo dos empregados, oportunidades iguais, respeito pelos empregados, orgulho e entusiamo pelo serviço realizado, forte comunicação à respeito dos assuntos da organização, liderança responsável, apreciação de iniciativas de mudanças úteis, investimento em aprendizado, ou seja, mais uma vez o tal “Fator Humano” aparecendo.
Com isso vemos que a pista para o sucesso está justamente nas pessoas, no “Fator Humano”. Podemos caracterizar e explicar este “Fator Humano” da seguinte forma:
1. É preciso ter uma razão mais nobre para as pessoas fazerem o que fazem. Simplesmente resultado financeiro não é o que fará com que as pessoas se engajem no negócio. Elas precisam ter um motivo para acordarem cedo para trabalhar e estarem completamente energizadas. Fazer o que gosta é importante, mas se o que você gosta de fazer possui um apelo emocional, que é importante para os outros, você encontrou a base do sucesso no negócio. Porquê você produz leite? Foi porque herdou a fazenda? É por causa da receita mensal? É porque não tem outra coisa para fazer? Se estes forem o caso, o seu negócio não vai sobreviver. Se você, no entanto, está na produção de leite porque a considera uma atividade desafiadora, gosta do trabalho em equipe, gosta de animais e porque sente orgulho por alto desempenho, então, o leite é um bom negócio para você.
2. É preciso ser um líder. Um líder é um indivíduo que está mais interessado no bem estar dos seus subordinados do que no seu próprio. Um exemplo de líder são aquelas pessoas que numa situação de perigo não exitam em arriscar suas próprias vidas em favor do outro. Vemos este tipo de situação mais claramente quando soldados, em uma guerra, se vêem frente ao inimigo e um de seus parceiros é ferido. Alguns soldados se arriscam para retirar este ferido do campo de batalha em detrimento de suas proprias vidas. Seria possível um produtor de leite arriscar seu próprio negócio para “salvar” seus funcionários? Numa situação financeira desfavorável será que o produtor venderia parte de suas terras antes de demitir seus empregados? Como pedir aos funcionários que se dediquem de corpo e alma ao trabalho se nós não fazemos o mesmo com eles? É claro que só podemos nos dar para quem merece, mas existe muita gente que merece – é uma questão de oferecer primeiro antes de cobrar. Com isto se formam times imbatíveis.
3. É preciso saber se comunicar. As pessoas precisam saber para onde o negócio caminha. Qual é sua “Visão” para daqui a 5 – 10 – 20 anos para o negócio. O quanto você está comprometido com o negócio. Esta Visão precisa ser lembrada constantemente e renovada pelo menos 1 vez ao ano quando se propõe os planos para o próximo ano. Além disso, no dia a dia, deve-se comportar de maneira que as pessoas sintam que são respeitadas, que são importantes para o negócio. As pessoas devem participar das decisões do que deve ser feito dentro da área e nível de influência das mesmas. Por exemplo, um ordenhador deve participar da decisão de passar de duas para três ordenhas no dia. Se assim não acontecer, dificilmente se engajará na nova rotina. O produtor precisa dar o exemplo e por a mão na massa.
4. É preciso estar sempre querendo melhorar. O produtor não pode se conformar com os resultados atuais. Desafios é que atraem boas pessoas. É preciso querer melhorar a reprodução, a mastite, a produção dos animais, etc. Não se pode conformar com a morte de nenhum animal. É como o que foi feito na prefeitura de Nova York no combate ao crime – tolerância zero. Esta cultura de qualidade e de bons resultados acaba contaminando a todos e leva ao sucesso.
Imagine, agora, uma fazenda onde estas 4 condições se reúnem - o propósito do proprietário para o negócio é nobre e ele age de maneira que as pessoas se sentem parte de um time vencedor, respeitando e admirando seus empregados e procurando sempre melhorar. Com certeza será uma fazenda de sucesso. O bom desta estória é que estas características do “Fator Humano” podem ser aprendidas. Depende só de você.