Falta Extensão Rural para o setor leiteiro
Fundada em 26 de outubro de 1976, a Embrapa Gado de Leite completou 35 anos em 2011, quando se realizou uma cerimônia com autoridades ligada ao setor leiteiro nacional. Durante as comemorações o ex-ministro da agricultura Alyson Paulinelli discorreu sobre a importância do café para o financiamento da indústria brasileira. Relembrou a grande migração da população rural para urbana nas décadas de 1950 em diante. Enfatizou que o Brasil rural não conseguia alimentar o Brasil urbano nas décadas de 1960 e 1970 e importava de 20 a 30% do que consumia. Cerca de 50% dos lácteos vinham do exterior.
Um tema levantado por Paulinelli e enfatizado por Eliseu Alves (o segundo presidente da Embrapa) foi a necessidade de valorizar e incentivar a extensão rural no país, uma vez que há muitas tecnologias simples e importantes à disposição dos produtores e que não são implementadas. Se postas em prática, muitos dos problemas tecnológicos atuais poderiam ser resolvidos. Uma extensão rural eficiente poderia ajudar o produtor a melhorar os indicadores técnicos e financeiros da propriedade.
Este tema não é novo, conforme pesquisa realizada pelo MilkPoint no ano 2000. Naquela ocasião o portal recebeu de 89 pessoas a opinião sobre quais eram os maiores limitantes para o crescimento da produtividade de leite no país, conforme Tabela 1. A pesquisa mostrou que, depois da melhoria do preço do leite, a extensão rural era o item de maior importância para incrementar a produtividade nas propriedades de leite. Uma pergunta vem em seguida: se não é um assunto novo e é de conhecimento de pessoas integrantes da cadeia do leite, porque a extensão não é incentivada no país? Para compreender esta questão, é preciso recorrer a alguns fatos históricos.
Preparo dos técnicos e funções das instituições do setor agropecuário
A partir da década de 1970 o "gigante pela própria natureza" começou a se desenhar como o país do futuro na agricultura. Aquele que estava "deitado eternamente em berço explêndido" - e expropriava os recursos naturais para fazer agricultura - começava a acordar. Para isso foram enviados para o exterior pesquisadores e recém graduados em ciências agrárias. Formou-se um grande contingente de Ph.Ds. A função deles naquele momento era copiar no curto prazo o que fosse aplicável, mas especialmente adaptar o que havia no hemisfério norte e aprender como se faz pesquisa agropecuária no médio e longo prazos. Muitas destas pessoas vieram para compor o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) e ensino, seja contratadas pela recém-criada Embrapa, seja pelas instituições de pesquisa agropecuária estadual. Na distribuição de funções idealizada, a Embrapa deveria se dedicar à pesquisa aplicada, a Embrater à extensão rural e as universidades à pesquisa básica. A extensão rural deveria funcionar como uma ponte entre pesquisadores e setor produtivo. Deveria gerenciar demandas para a pesquisa, integrar pesquisa com setor produtivo e retornar respostas das demandas para o setor, como ilustra a Figura 1. Posteriormente, na mesma década de 70, foi criada a Conpater (Decreto no 74.154, de 06/06/1974) para coordenar formalmente a Embrater e Embrapa (Olinger, 1996). O que faltou para que este trabalho articulado não acontecesse na prática? No Brasil a função da Conpater nunca foi cumprida. A decisão foi de cima para baixo, e a Embrapa e Embrater tinham mais força política do que a Conpater (Olinger, 1996). Por outro lado, tanto dirigentes de extensão, quanto parte dos extensionistas não foram preparados para a função desenhada. Por seu lado, a pesquisa também não estava aparelhada para aceitar a extensão como um segmento que lhe apontasse o que fazer.
Sugestões para a articulação P&D x Extensão x Produtor
Acreditamos que a melhoria da articulação entre os tres segmentos passa pela mudança de postura destas três esferas. O produtor rural e suas organizações precisariam estar integrados e discutindo em que pesquisa aplicada e extensão públicas devem trabalhar com setor produtivo como servidores que são do governo, governo movido pelo dinheiro público. Neste caso os atores são estimulados a pensar, identificar seus problemas e o que querem da extensão e pesquisa. O educador brasileiro Paulo Freire defendia a valorização do indivíduo, no caso o produtor, como uma pessoa portadora de conhecimentos e para o qual as novas informações são instrumentos para a conquista de autonomia e liberdade. É necessário que o setor produtivo esteja organizado para influenciar o trabalho em que ele é o principal beneficiário. A organização social é uma das formas de buscar estes benefícios. Não é um trabalho de curto prazo e exige também mudança de postura e de atitude das instituições públicas envolvidas. Ou seja, se faz necessário mudar a cultura atual enraizada que valoriza mais a oferta de informações e conhecimentos escritos, muitas vezes os escritos em língua estrangeira.
Por parte dos pesquisadores, o modelo de fazer "pesquisa aplicada" deve ser reforçado, ou seja, a pesquisa se inicia e termina no problema real encontrado nos sistemas de produção. O pesquisador precisa mudar a sua postura de "produtor, monte o seu quebra-cabeças a partir da minha tecnologia" para "eu entendi o quebra-cabeças do produtor e posso adaptar a tecnologia ou desenvolver uma nova para esta situação". Esta postura deve acontecer com integração entre pesquisador, extensionista, setor produtivo e a educação. Sem profissionais formados com essa postura participativa muito do que foi proposto cai por terra e a situação atual se mantém. Este modo de proceder deveria ocorrer desde a idealização da pesquisa até o teste para verificar sua aplicabilidade nas propriedades rurais. Esta abordagem aumentaria as chances de utilização das soluções encontradas.
Como parte da solução, deveriam ser desenvolvidos mecanismos de comunicação dialógicos (presenciais e à distância) que promovessem maior contato com as realidades rurais, principalmente no que diz respeito à área de pesquisa. Neste sentido, os novos meios de comunicação trazidos pela internet podem ajudar. Como por exemplo, os sites de instituições de pesquisa e mesmo da extensão deveriam proporcionar a participação efetiva de seus públicos por meio de interações do tipo: "Como podemos te ajudar?". Os interessados poderiam expor suas ideias e questionamentos que seriam remetidos a pessoas preparadas as quais trabalhariam para discussão e identificação de demandas. Mesmo que o acesso inicial de produtores rurais não seja satisfatório, pode ser uma alternativa interessante, principalmente para extensionistas distantes da Embrapa Gado de Leite e outras das bases físicas das instituições.
Retomando o tema do início do artigo, - valorização da extensão rural, - algumas iniciativas estão em curso e não podem ser desprezadas, como as desenvolvidas dentro do Ministério do Desenvolvimento Agrário em organizar, ampliar e fortalecer a extensão, o que foi exposto com a nova PNATER (Política Nacional de Ater). Apesar dos esforços realizados dentro da Câmara dos Deputados, o presidente da Asbraer (Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural), Júlio Zoé de Brito, apresenta dados desanimadores. Segundo ele, "este ano [2011], havia uma previsão de R$ 150 milhões para o segmento, no entanto, apenas R$ 9,7 milhões foram assegurados". Ele defende a criação de uma instituição em nível federal para coordenação do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural, atuando como interlocutor junto às empresas estaduais. Percebe-se que o caminho para a melhoria do conhecimento no campo (e o conseqüente aumento da produtividade) não é simples e nem fácil. Mas como diz o compositor mineiro Beto Guedes, "vamos precisar de todo mundo". Muito esforço, persistência e muitas mudanças de atitude em várias esferas da agropecuária nacional.
Referências
FREIRE, P. Extensão ou Comunicação? Editora Paz na Terra, 10ª edição, São Paulo, 1992
MILKPOINT 2000, O que mais vem limitando a melhoria dos índices técnicos de produção de leite no Brasil? , www.milkpoint.com.br, acessado em 10 de novembro de 2000.
OLINGER, G. 1996, Ascensão e decadência da extensão rural no Brasil, Epagri, Florianópolis, Brazil.
Watts, L.H. 1989, ´The Organisational Setting for Agricultural Extension´, in FAO (ed.), Agricultural Extension: A reference manual, FAO, Roma, pp. 20-1.