No Brasil a diferença entre produção e consumo tende a se agravar pela carência de investimentos na
qualidade do leite e em melhoria na produtividade, além de problemas no processo de atendimento da demanda de produtos lácteos e a interação entre a cadeia de suprimentos, fornecedores, indústria (laticínio), distribuidor e varejo, de forma a produzir o volume necessário no tempo e local certo.
Nesse contexto, está sendo realizado na região de Ituiutaba/MG, um projeto de extensão – PEIC (Projeto de Extensão Integração UFU/Comunidade), como apoio aos produtores rurais na busca de melhorias na gestão da ordenha, tendo como participantes alunos do curso de engenharia de produção e dois médicos veterinários da região como voluntários. O projeto auxilia atualmente dois produtores familiares para a padronização dos processos de produção de leite.
Ao longo das negociações e implantação de procedimentos de
Boas Práticas na Ordenha, foram relacionadas três oportunidades de melhorias: Prevenção a Tripanossomíase, Melhoria no volume de água consumida pelo rebanho e Limpeza dos equipamentos de desinfecção dos tetos no pré e pós ordenha.
O MilkPoint entrevistou Cynara Mendonça Moreira Tinoco, professora do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do projeto. Abaixo, leia a entrevista na íntegra:
MilkPoint - Fale sobre a ideia de ser realizado pelo PEIC (Projeto de Extensão Integração UFU/Comunidade) um projeto com os produtores rurais de Ituiutaba e região na busca de melhorias na gestão de ordenha. Houve uma demanda ou um fator especial para que o projeto entrasse em ação?
Cynara: “O PEIC (projeto de extensão UFU/Comunidade) busca a integração da Academia com a sociedade. Sou professora da Engenharia de Produção/UFU/Ituiutaba e trabalho com ferramentas de Gestão da Qualidade para melhoria de processos, e estou fazendo doutorado em otimização logística na Cadeia de Lácteos com foco na produção de queijo. Para a indústria do queijo, a matéria prima leite precisa chegar em ótimas condições tanto quanto a indicadores de qualidade, CPP (Contagem Padrão em Placas) e CCS (Contagem de Células Somáticas), como em relação ao percentual de proteína e gordura. O projeto, com o início em jan/2015, tem o intuito de mapear essa cadeia, os procedimentos adotados e as necessidades de melhorias, como um começo para a mudança de cultura do agronegócio do leite”.
MilkPoint - Quais foram os principais procedimentos relacionados às oportunidades de melhorias?
Cynara: “Foram apresentadas quatro propostas de alterações de processo para as propriedades:
a) Realizar o pré e pós dipping com o intuito de obter melhor eficiência no controle de mastite, preenchendo todo o teto com o produto do pré dipping por 30 segundos, secando com toalha de papel descartável. Após a ordenha, efetuar pós dipping, com aplicação do produto por 30 segundos, com limpeza de todos os equipamentos posteriormente. A Figura 1 apresenta a aplicação incorreta do pós dipping (tintura amarela), devendo o mesmo preencher todo o teto e neste caso ocupou apenas metade.
Figura 1 - Aplicação incorreta do pós dipping.

b) Aplicação de injeção nas vacas com seringas individualizadas, como prevenção a tripanossomíase bem como a transmissão de outras doenças como a mastite. Como exemplo, para a aplicação de ocitocina para ejeção do leite, quando se utiliza a mesma seringa em todas as vacas, foi sugerida a compra do conjunto (seringa e agulha) descartável ou que permitam esterilização.
c) Estudo da rentabilidade dos produtos utilizados para limpeza dos equipamentos (custo do produto x consumo), bem como a comparação do resultado econômico com eficiência do uso, redução ou eliminação de colônias nas paredes das tubulações da ordenhadeira e no tanque de refrigeração do leite.
d) Utilização da caneca do fundo preto. A retirada dos três primeiros jatos de leite de cada teto das vacas para verificação de mastite clínica gera como benefício a redução das bactérias encontradas no leite. É uma forma de eliminar o leite mais contaminado, pois, este leite "limpa" os canais dos tetos (MAROSTEGA, 2013).MilkPoint - Os produtores se mostraram abertos para adotar as melhorias no processo de ordenha e consequente qualidade do leite produzido? Qual foi o principal desafio do grupo de pesquisa ao longo do projeto?
Cynara – “Quando começamos a interagir com os produtores, apresentamos as melhorias com o intuito de facilitar o trabalho, propondo aumento na produtividade e redução dos custos para que eles aceitassem a nossa proposta, evidenciando com dados estatísticos a importância do projeto para a cadeia como um todo. Os produtores se mostraram abertos, mas com dificuldades na alteração dos procedimentos. Foram necessários 6 meses de estudo e acompanhamento, para que os procedimentos sugeridos pelo grupo e pelos produtores fossem implementados. Após a fase de implementação a equipe realiza semanalmente observações e o controle dos padrões estabelecidos como melhoria contínua do processo”.
MilkPoint - Com a adoção das Boas Práticas na Ordenha, os produtores notaram algumas vantagens na produção como um todo? Como por exemplo: qualidade do produto final, melhor aceitação no mercado, valor de venda, entre outros.
Cynara – “A adoção das Boas Práticas na Ordenha gerou nas propriedades redução dos indicadores CPP e CCS em 90% e 84% respectivamente, além disso, aumentou em 5% o índice de proteína e gordura resultando na melhoria da qualidade e rendimento do leite utilizado pelas indústrias na produção de derivados de leite. Ademais, o projeto proporcionou aos produtores conhecimento de fatores que possam interferir na qualidade e rendimento do leite e quais medidas devem ser tomadas para prevenir e corrigir. Os produtores foram concientizados dos procedimentos necessários quanto as Boas Práticas na Ordenha e que o processo de ordenha deve ter um maior controle, como a organização dos lotes de ordenha e a manutenção das áreas de descanso, de forma a evitar doenças e sua proliferação.
Figura 2 - Local de descanso com lama e fezes.
Como sugestão, também mostramos aos produtores os custos adicionais por não melhorarem o processo de ordenha, e os resultados financeiros pela melhoria na qualidade do leite, como redução dos indicadores de CPP e CSS, aumento do índice de proteína e gordura, além de mostrar que se o produto possui qualidade, aumenta o poder de venda do produtor”.
MilkPoint - Quantos produtores foram assistidos pelo projeto e qual foi/será a duração do mesmo?
Cynara – “O projeto auxilia atualmente dois produtores familiares para a padronização dos processos de produção de leite desde fevereiro de 2015. Agora estamos avaliando a expansão dos procedimentos das boas práticas na ordenha em um assentamento rural, para que possamos aplicar os conhecimentos e os padrões desenvolvidos de acordo com a realidade dos mesmos”.
MilkPoint - Qual foi o montante investido para a aplicação das Boas Práticas na Ordenha?
Cynara – “A UFU contribui com bolsa para 2 componentes do projeto e um prestador de serviço, no caso, o veterinário, que acompanha as mudanças estabelecidas nos procedimentos. E o restante dos gastos para visitas as propriedades e reuniões com outros apoiadores do projeto são realizadas como voluntariado”.
MilkPoint - Deixem um recado para os produtores de leite que estão em busca de melhorias na sua produção.
Cynara – “A melhoria da qualidade na produção gera maior confiabilidade do produto, melhor produtividade e ganho financeiro. Um rebanho saudável resulta em rendimentos positivos para os produtores, além de gerar menor custo no processo e melhorias na gestão da fazenda, criando vantagem competitiva. Os produtores devem estar atentos as Boas Práticas de Ordenha para definir e executar um conjunto de planos operacionais de modo a maximizar os resultados do negócio e melhor atender os clientes. Lembre-se: um produto de qualidade é fundamental para melhorar o seu poder de venda”.
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