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Levantando a idéia de um seguro contra a inadimplência de laticínios

POR MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

ESPAÇO ABERTO

EM 27/05/2004

7 MIN DE LEITURA

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A crise da Parmalat, ocorrida no final do ano passado em plena safra, trouxe nervosismo ao mercado e contribuiu para redução dos preços pagos pelo leite. Hoje, 5 meses depois, ainda carrega incertezas relativas ao pagamento de produtores e cooperativas que ainda não receberam os valores de sua produção de leite de dezembro e janeiro.

O setor leiteiro e o governo, em meio à crise, discutiram diversas possibilidades com o intuito de amenizar o prejuízo dos mais de dez mil fornecedores da empresa, além de cooperativas e laticínios de menor porte que também dependiam da empresa italiana para adquirir seu produto. A título de exemplo, falou-se na possibilidade do governo assumir a dívida com os produtores e autoridades como o presidente do BNDES e o ministro da agricultura se envolveram pessoalmente nas discussões.

Pouco se comentou, porém, sobre soluções de longo prazo para evitar que casos semelhantes, ainda que em menor magnitude, possam novamente causar danos à cadeia leiteira e colocar em risco a saúde financeira de milhares de produtores de leite.

Sem dúvida, episódios como o vivenciado nesse início de ano em nada contribuem para o crescimento da atividade leiteira. Pelo contrário, mostram a fragilidade de uma cadeia que ainda não prima pela maturidade na relação entre os elos, mas que vem evoluindo tecnologicamente e começa a participar do mercado mundial como exportadora. Em outras palavras se, por um lado, o setor mostra dinamismo e potencial, por outro ainda carece de bases sólidas para que o dinamismo se mantenha e o potencial seja transformado em realidade.

No intuito de contribuir para que o setor desfrute de um ambiente de negócios mais estável, é fundamental que volte a discutir a possibilidade de inadimplência de laticínios e alternativas para amenizar os efeitos dessa ocorrência que, se não ocorrem com freqüência, geram efeitos bastante negativos quando ocorrem, dependendo da intensidade.

Alguns estados dos EUA, por exemplo, possuem um espécie de seguro para os produtores de leite, utilizado caso o pagamento do leite não venha. Além disso, o governo realiza auditorias periódicas nas empresas, visando conhecer a sua situação financeira e evitar que produtores sejam surpreendidos.

Em Wisconsin, toda empresa captadora de leite deve ter uma licença junto ao Departamento de Agricultura, Comércio e Proteção do Consumidor e paga uma taxa mensal calculada em função da quantidade captada. O sistema prevê também a contribuição a um fundo, baseada na situação financeira das empresas, que devem enviar relatórios quadrimestrais contendo seus fundamentos econômicos. As que atingirem ativo/passivo (liquidez) acima de 1,25 e dívidas/ativo não maiores do que 2 para 1 não precisam contribuir. Aquelas que não atingirem esses valores, pagam uma taxa anual ou quadrimestral. Se o fundo atingir US$ 4 milhões, o departamento responsável creditará 50% do excesso à taxa mensal relativa à licença para captação de leite das empresas participantes do fundo.

É possível também contribuir voluntariamente, atitude tomada por 10 a 20% dos laticínios de Wisconsin. Isso ocorre porque, a partir do terceiro ano de pagamento, as taxas vão se reduzindo, além de ser atreladas à situação financeira da empresa. Se, por acaso, houver uma mudança no status financeiro do laticínio nesse período e a empresa não estiver contribuindo para o fundo, terá de começar a pagar nas taxas máximas. Os produtores de leite, por outro lado, não podem requerer indenização de empresas que não estejam participando do fundo. Vender o leite para uma empresa que não participa do fundo, em última análise, não é uma alternativa interessante e, pela lógica econômica, só se justificaria sob preços mais altos ou pela falta de opções.

A Califórnia, maior estado produtor de leite dos EUA, tem um sistema diferente. Lá, também há um fundo (The Milk Producers Security Trust Fund), porém coloca mais responsabilidade a cargo do produtor de leite. Para que um produtor possa acessar o fundo em caso de inadimplência, deverá haver um contrato de fornecimento com o laticínio junto ao Departamento de Agricultura da Califórnia e cabe ao produtor exigí-lo. Também, o preço considerado para o reembolso do leite não inclui bônus por volume e qualidade, além do que os primeiros US$ 200.000 não são cobertos pelo fundo (vale lembrar que a Califórnia tem em sua maioria grandes produtores), funcionando como a franquia de um seguro. Isso faz com que o produtor procure de fato saber se está negociando com uma empresa em boa saúde financeira.

Por outro lado, todos os laticínios têm de pagar cerca de US$ 0,11 para cada 100 kg de leite das Classe I, II e III para o fundo. Caso o montante acumulado seja 110% maior do que a valor referente à captação mensal de qualquer empresa captadora, as contribuições são suspensas até que haja a necessidade de reposição. Um aspecto importante é que apenas o leite produzido e processado na Califórnia está sujeito ao fundo. Assim, produtores de outros estados cujo leite é processado na Califórnia (e vice-versa) não estão cobertos.

Desde 1997, por 3 ocasiões o fundo foi utilizado, sendo a maior delas atingindo US$ 3,7 milhões, quando da falência da empresa Suprema Foods em 2002.

Na Pennsylvania, os processadores podem optar por comprar um título referente a um valor que corresponde a 75% do período de 40 dias de maior desembolso em captação de leite do ano anterior, ou 30% deste valor, porém contribuindo com US$ 0,044 para cada 100 kg sobre todo o leite captado, para um fundo de segurança. Dos 100 processadores de leite da Pennsylvania, apenas 12 optam pela segunda opção. Nesse Estado, cada processador tem sua própria conta e, caso algum produtor precise utilizar o fundo, apenas o montante disponível na conta do laticínio para o qual comercializa poderá ser utilizado. Em 20 anos de operação, nunca houve necessidade de utilizar o seguro, mas mesmo assim as autoridades acreditam ser fundamental mantê-lo funcionando e procuram novas formas de proteção do produtor.

As cooperativas merecem uma análise específica, uma vez que os produtores são também os processadores de leite. Na Califórnia, por considerar que os produtores são os beneficiários da cooperativa, a lei não prevê ressarcimento aos membros no caso de inadimplência da cooperativa. Cabe aos produtores se inteirar da situação financeira de sua cooperativa e, com isso, evitar surpresas que, diga-se de passagem, tem ocorrido com alguma freqüência no meio agropecuário por aqui. Porém, na Califórnia, caso a cooperativa venha a sofrer pela inadimplência de outros laticínios (como foi o caso das cooperativas de Goiás e Rio de Janeiro no caso da Parmalat), terá direito ao uso do fundo, sendo tratada como produtora de leite.

Não há, no entanto, unanimidade nos Estados Unidos a respeito da necessidade desses seguros. Alguns estados não o possuem, sob a argumentação de que são utilizados muito raramente e, portanto, seriam desnecessários. Outros argumentam que não há razão para que a relação comercial entre produtores e laticínios seja regida por leis especiais.

No Brasil, considerando a importância econômica e social da produção de leite, gerando mais de 3,5 milhões de empregos diretos, aliada à desregulamentação verificada a partir de 1991, quando o governo deixou de controlar as relações de mercado, a existência de alternativas como essa parece muito interessante. A ampla repercussão dos efeitos da crise da Parmalat na mídia e a imediata preocupação gerada nas lideranças do setor e na alta esfera governamental sugerem ser prioridade evitar que casos como esse se repitam.

Em um momento no qual ganha espaço a temática que envolve maior estabilidade e diminuição dos riscos de mercado envolvidos na produção e industrialização de leite, tendo como exemplo a inclusão do leite na PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos), as exportações como ferramenta estabilizadora de preços em momentos de excesso de leite e as discussões sobre operações com lácteos na Bolsa de Mercadorias e Futuros, discutir a viabilidade de seguros para produtores e cooperativas que comercializam o leite para outros laticínios (modalidade que vem crescendo) parece ser pertinente e oportuno. Pode-se supor que, caso dispositivos dessa natureza existissem no final do ano passado, os preços não teriam caído aos patamares que caíram, gerando desestímulo a produção no período seguinte, resultando em rápida e drástica recuperação dos preços pagos pela matéria-prima.

Um melhor ambiente de negócios, gerando maior estabilidade e previsibilidade, deve ser, portanto, de interesse de todos na cadeia do leite. Está aí uma sugestão de pauta para a Câmara Setorial do Leite, que se afigura como o fórum ideal para discussões dessa natureza.

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Marcelo Pereira de Carvalho é coordenador do MilkPoint, que busca conhecer as tendências de produção e mercado de leite no Brasil e no mundo, com objetivo de aumentar a rentabilidade no curto prazo e a sustentabilidade da atividade no longo prazo.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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