E como suportar a expansão da produção? Para os próximos anos espera-se crescimento na demanda por alimentos na esteira do crescimento populacional, melhorias de renda e urbanização. Estudo da OCDE-FAO indicou que em 2006 havia no mundo cerca de 6,53 bilhões de habitantes, sendo esperados 7,27 bilhões de habitantes para 2016. No caso da renda, o crescimento anual médio projetado entre 2007 e 2016 é de 3,05%, o que supera o crescimento verificado nos últimos dez anos, de 2,86% ao ano. As maiores taxas de crescimento da renda devem ocorrer nas regiões mais populosas, como África, Ásia, América Latina e Caribe. Além disso, sabe-se que os países de renda mais baixa apresentam consumo de proteína animal relativamente menor que os desenvolvidos, ou seja, o crescimento de renda deverá impulsionar o consumo de produtos de origem animal nos países em desenvolvimento, justamente os mais populosos.
Um exemplo desse movimento refere-se ao caso da China. Em 2000 o consumo per capita de grãos naquele país era de 82 kg, recuando para 77 kg em 2005. Por outro lado, o consumo de carne suína passou de 16,7 kg para 20,2 kg. O de carne bovina de 3,3 kg para 3,7 kg. No caso do leite, o consumo per capita saltou de 9,9 kg para 17,9 kg no mesmo período.
E quem tem possibilidade de expandir a oferta? Ao nível atual de preços internacionais, vários países. No entanto, no patamar histórico de preços o Brasil certamente é um importante player.
Um dos fatores mais importantes e que influencia na capacidade de produção de alimentos de um país é o potencial de terra arável (terra com possibilidade de cultivo, excluindo áreas de florestas e reservas). A tecnologia também faz diferença, ou seja, à medida que a tecnologia se torna mais avançada, pode-se obter maior volume de produção por meio de um determinado conjunto de insumos. No entanto, conforme a teoria econômica quando um fator de produção vai ficando mais escasso seu preço tende a subir. A competição pelo uso da terra por diferentes atividades, em especial a expansão da agroenergia, tende a incrementar seu valor afetando os custos de produção de leite. Isso, por sua vez leva a um processo de intensificação da atividade. Países com maior abundância de terras disponíveis, menor custo de produção total ou custo de suplementação alimentar tendem a ser mais competitivos.
Disponibilidade de terra
A Terra tem uma superfície de 13.041 milhões de hectares (ha) dos quais 5.017 milhões são áreas agrícolas. A superfície agrícola possui 69,5% em pastagens e 30,5% em agricultura. Os quatorze países de maior produção de leite em 2006 (EUA, Índia, China, Rússia, Alemanha, Brasil, França, Reino Unido, Nova Zelândia, Ucrânia, Polônia, Itália, Holanda e Austrália), que responderam por 64% da oferta de leite, detêm aproximadamente 5.900 milhões de ha em área total de terra, sendo 1/4 considerado área potencial arável. Todavia, alguns países com grandes extensões de terra, como Austrália e Rússia, enfrentam problemas de degradação e contaminação do solo. Já países como Polônia, Ucrânia, Alemanha, França e Reino Unido apresentam mais da metade de seus territórios aptos a agricultura. No Brasil, cerca de 46% do território tem potencial arável. Em termos absolutos o Brasil é o detentor de maior área de terras potenciais aráveis, quase quatrocentos milhões de ha conforme Figura 1.
No que tange as áreas com pastagens e áreas não utilizadas o Brasil possui cerca de 330 milhões de ha, ou seja, três vezes superior à existente nos Estados Unidos e Rússia, nove vezes superior a da Austrália e muito superior à dos demais países. Portanto, o Brasil possui boas vantagens comparativas para a expansão da agricultura e da pecuária de leite sem provocar grandes pressões em preços de terras e de alimentos/ração. Além disso, alguns dos países produtores de leite enfrentam dificuldades quanto a incorporação de tecnologias, clima e aumento progressivo da população. Os Estados Unidos, por exemplo, encontra dificuldade em ampliar sua produção via produtividade, pois a tecnologia existente já foi incorporada. A Índia e a Rússia, com grandes extensões, enfrentam limitações climáticas e geográficas. A China precisa alimentar um grande contingente de população, além da necessidade de investimentos em preparação de solos. Isso sem falar nas limitações quanto ao uso sustentável de água. Por fim, o preço da terra no Brasil é bem inferior ao de outros países. Na Nova Zelândia o hectare custa mais de 15 mil dólares e na Alemanha mais de 11 mil dólares.
Figura 1 - Área agrícola, pastagens e áreas não utilizadas em países selecionados
Custo de produção
O Brasil se destaca entre os países com menor custo de produção no mundo, ao lado da Índia, China e Ucrânia. Com custos ligeiramente acima aparecem Estados Unidos, Austrália, Polônia e Nova Zelândia. Por fim, no grupo de países com custos mais elevados, acima de US$ 0,35/litro, encontram-se vários países Europeus. Em alguns casos, a produção de leite chega a ser a atividade secundária, sendo mais importante ter a vaca no campo, segurar a família no meio rural, usar o animal como atração em turismo rural, etc.
Um outro fator competitivo para o Brasil esta relacionado ao baixo custo de suplementação alimentar do rebanho. Isso ocorre, entre outros motivos, porque o país pratica um sistema de exploração à base de pastagens. Assim, o custo marginal de expansão da produção de leite no Brasil é relativamente menor que o de outros produtores mundiais como a Austrália, Nova Zelândia e França, que possuem sistemas mais otimizados e ração mais cara. A Figura 2 ilustra a competitividade no custo de suplementação além da disponibilidade de terras. Países como França, Nova Zelândia e China já não possuem tanta área disponível e incorrem em altos custos de suplementação do rebanho.
Figura 2 - Disponibilidade de terras e custo de suplementação (2005) em países selecionados (2005)
Produtividade
O aumento de produção de leite no Brasil ocorreu principalmente devido ao aumento da produtividade média. Entre 1990 e 2006 enquanto o número de vacas ordenhadas subiu 11,5%, a produção de leite aumentou nada menos que 77%. Ainda assim, o país ocupa uma posição mundial ruim no âmbito da produtividade, que é quase três vezes inferior a da Nova Zelândia e sete vezes menor que a dos Estados Unidos conforme Figura 3. Entre os maiores produtores mundiais o Brasil está à frente somente da Índia, em produtividade por vaca. Tal situação ilustra também o potencial de expansão da produtividade no Brasil, na esteira de melhoramento genético do rebanho, maior profissionalização na gestão das fazendas, melhorias no manejo e na nutrição das vacas.
Figura 3 - Produtividade média em países selecionados (ton/vaca)
Portanto, verifica-se que o Brasil possui vantagens competitivas na disponibilidade de terras para expansão da agricultura e pastagens, baixo custo de suplementação do rebanho e possibilidade de incorporação de tecnologias para incremento da produtividade. Por isso, o mundo olha para o Brasil agro e muitos investidores estão migrando para as terras tupiniquins.
Todavia, apesar da disponibilidade de terras para se arar futuramente exige-se grandes investimentos em infra-estrutura, especialmente estradas, além de energia elétrica. Estive visitando o Estado do Pará, cuja produção de leite cresceu próximo de 8% ao ano nos últimos 16 anos. As condições climáticas são muito favoráveis à pecuária leiteira, mas existem sérias dificuldades na captação, o que penaliza toda a cadeia produtiva. A qualidade também é um grande desafio, sobretudo com a entrada em vigor da IN-51, já que em várias bacias leiteiras ainda inexiste energia elétrica. Por fim, trabalhar em prol do desenvolvimento da pecuária leiteira e do desenvolvimento regional é obrigação de todos mas com responsabilidade socio-ambiental. Esse é o maior desafio. Quem sabe em breve citaremos o Brasil como a terra do Samba, Futebol, Leite e Florestas. Num próximo artigo abordaremos também a questão da disponibilidade de água.