Por Aluízio Lindenberg Thomé
Li e reli os três artigos da seção Conjuntura de Mercado, do Paulo do Carmo Martins - "O futuro é leite em excesso", "Construindo o excesso de leite" e "Leite em excesso é bom", (clique aqui para ver) - inclusive os comentários e réplicas do Marcello Moura Campos Filho, que muito enriqueceram o debate. Li também todas as cartas relacionadas. A primeira carta, do primeiro artigo, escrita pelo professor Jobson, doutorando em Viçosa, foi premonitória. Seguem meus comentários, espero que possam de alguma forma contribuir para esse debate.
Não acredito muito em redução do tamanho do Estado. O ciclo vicioso do baixo crescimento econômico x aumento das políticas de proteção social, aliado a um governo que pratica claramente uma política de ocupação de espaços da iniciativa privada como recurso para ampliar seu poder de manipulação eleitoral impede isso. Ao contrário, existe uma corrente de pensamento que acredita que o tamanho do estado brasileiro aumentará em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) nos próximos anos. E a mudança de metodologia na medição do PIB não significa que o mesmo começou a aumentar mais agora, apenas que os números estão sendo lidos de forma diferente.
Programas governamentais de fornecimento de leite também geram aumento de gastos, se não houver economia em outros setores. O programa de aquisição de leite do Nordeste, o Sr. Paulo do Carmo Martins bem mencionou, tem sido um grande propulsor da manutenção de emprego e renda, comprando leite de agricultores familiares e assentados, e com isso estimulando também o aumento da produção leiteira, inclusive via financiamentos subsidiados para aquisição de matrizes, investimentos em infra-estrutura e irrigação, etc... Nada de mal nisso, são apenas constatações que reforçam a tese de Martins. Então em relação ao "consumo de governo", realmente o grande caminho é o das lideranças de produtores locais procurarem influir nas compras da merenda escolar. Essa intervenção não gera risco de aumento de gastos ou aumento de produção. Apenas de consumo. Ponto!
Quanto ao "consumo das famílias", espero ansioso o deslanche do Fundo de Marketing Institucional. Existem muitas dificuldades aqui, que terão que ser transpostas com muita paciência, persistência e competência das lideranças envolvidas. Só um exemplo: no início da década de noventa tive a oportunidade de participar no prédio da Bolsa de Mercadorias, no Rio de Janeiro, de uma reunião da ABIQ (Associação Brasileira das Indústrias de Queijo), que teve como objetivo a produção de marketing institucional. Mas apenas fabricantes de queijo, na época já pressionados pela explosão do leite Longa Vida e dos Iogurtes em geral, participaram. Não havia ainda a idéia da Cadeia Produtiva. Estávamos desfocados, éramos Don Quixotes lutando contra o moinho errado! Ao invés de pensarmos no consumidor de lácteos, restringimo-nos ao consumidor de queijos!
Acontece que era e é ainda muito cara, caríssima, a produção de uma campanha que realmente possa interferir no aumento de consumo de forma continuada (e aqui não falamos em mudanças de hábito, o que é muito mais difícil). Não é coisa para apenas uma parcela da Cadeia. Resultado da experiência: foram criadas duas peças de marketing até muito boas, mas que foram veiculadas umas poucas vezes e se não me engano, em duas redes de televisão menos importantes (na época, muito menos importantes), onde o perfil do público certamente não era o que pretendíamos atingir. E ficamos por aí.
E o marketing institucional hoje, não será feito apenas em "outdoors" ou em comerciais de TV, mas deverá estar inserido na fala dos artistas na novela, na mesa do café da manhã, no ato pedir um copo de leite na academia de ginástica, nos programas de entrevistas, talvez até via Internet ou no Celular, enfim, explorando as infinitas possibilidades que a cada dia surgem com o advento de novas tecnologias.
Mencionei entre parênteses no outro parágrafo, que não estamos falando de mudanças de hábito. E não estamos mesmo. A maioria dos brasileiros bebe leite até o advento de sua idade adulta. O envelhecimento da população chega também com a constatação cada vez mais provada cientificamente sobre a necessidade e importância do consumo de lácteos na idade adulta como forma de prevenção da osteoporose entre outros males. O que temos a fazer é convencer aos próximos novos adultos, durante os próximos 18 anos do período em questão, a não parar de tomar leite! Simples, não?
Se associarmos isso a uma ação incisiva no consumo de lácteos na merenda escolar, inclusive nas cantinas das escolas particulares, como já foi mencionado em carta publicada no artigo "Leite em excesso", teremos dado a partida em nosso Moto Contínuo. Ah! E que a regulamentação de rotulagem dos produtos venha a beneficiar e a incentivar realmente àqueles alimentícios e não puni-los com frases idiotas e preconceituosas.
Ainda sobre o consumo das famílias, é importante registrar que muito mais do que novidades no âmbito dos produtos lácteos nas gôndolas, está crescendo percentualmente o espaços de produtos advindos da industrialização da soja, há uma grande explosão de marcas de novos produtos com frutas, inclusive misturados à soja, refrigerantes com frutas, etc... Então, atenção com isso também. Mas aqui a soja enfrenta uma dificuldade maior para atingir o consumidor: a mudança de hábito. Me lembro quando criança, meu pai tentou introduzir soja na alimentação dos funcionários solteiros que naquele tempo tinham sua alimentação fornecida pela "casa-grande". A rejeição foi total, pois soja era comida de porco! E os funcionários nem provaram da comida, jogaram tudo fora! Então, ponto para o leite novamente!
Sobre o consumo das empresas, normalmente o esforço de pesquisa no Brasil é função governamental e depende novamente de decisão sobre gastos públicos. É evidente e todos sabemos disso, que muito dinheiro é desperdiçado em gastos desnecessários, etc... etc... e a realocação de parcela dessa grana para a pesquisa seria muito bem vinda. Não conheço no Brasil trabalho de pesquisa produzido pela iniciativa privada nesse setor. Conheci na Nova Zelândia o centro de pesquisa da Fonterra. São centenas de pesquisadores, estagiários, doutores, pinçados no mundo inteiro, do Brasil à China, trabalhando 24 horas em desenvolvimento de produtos! Aqui, perdemos feio!
Sobre as exportações, não penso que seja motivo de grande preocupação da Cadeia. É claro que esse espaço tem que ser ocupado cada vez mais, e com mais competência e qualidade pelas cooperativas e indústrias de capital brasileiro, mas os principais jogadores dessa partida não jogam para o time. Aumento de exportação e mercado interno referenciado pelo externo tem gerado grandes lucros aos exportadores das cadeias produtivas agropecuárias, mas não aos produtores no início da linha.
E aumento de exportação não significa necessariamente aumento de escoamento da produção primária nacional. Com o mercado globalizado, as transnacionais importam e reexportam produtos de qualquer de suas bases internacionais, ao sabor das melhores oportunidades comerciais. Um aumento percentual menor no consumo interno trará muito mais benefícios à Cadeia do que um grande aumento percentual nas exportações.
Finalizando, ao falarmos em Cadeia Produtiva, não podemos esquecer do elo rebelde dessa corrente, o setor que mais se beneficia de todo o esforço, seja de produção ou de marketing, mas que nada contribui, ao contrário, tem sido uma grande pedra lascada no calcanhar de todos nós: o comércio varejista. Mas aí já outra história...
Parabéns a todos que participaram dessa bela série de debates nos artigos da seção Conjuntura de Mercado, e parabéns ao MilkPoint por proporcionar a todos nós essa grande oportunidade de pensar.
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1Aluízio Lindenberg Thomé é produtor de leite da Fazenda Santa Rita, em Carangola (MG).