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Estruturando programas de educação e extensão rural: planejando ações educativas para o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (Parte 2/4)

POR ALEXANDRE OLIVAL

ESPAÇO ABERTO

EM 25/01/2007

10 MIN DE LEITURA

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No artigo anterior, discutimos a relação entre os programas de modernização da produção rural no Brasil, com destaque para o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose, e o modelo de sociedade em que vivemos. Avaliamos que tais programas não priorizam as ações de educação e são estritamente técnicos, não se preocupando em discutir com a população as reais causas dos problemas de saúde mas apenas na disseminação de padrões específicos de comportamento, como, por exemplo, a vacinação, a realização de exames ou o abate de animais doentes.

De fato, avaliamos que em uma sociedade extremamente desigual como a brasileira, na qual uma parcela significa da população não tem acesso aos recursos necessários para a superação das suas limitações econômicas e sociais, estes programas acabam se tornando mecanismos de perpetuação das desigualdades.

Neste artigo iremos apresentar as bases nas quais foi estruturado o programa de educação sobre tuberculose animal e humana no município de Carlinda, MT. Assim, o artigo está dividido 2 partes: inicialmente uma justificativa do porquê da escolha do rádio como o veículo de comunicação, considerando o contexto específico da pesquisa, e as bases teóricas utilizadas para a estruturação do programa propriamente dito. Nos próximos artigos apresentaremos um diagnóstico de situação do município de Carlinda antes da implantação do programa e, no último artigo da série, os resultados e impactos de sua aplicação.

1. Estratégia de envolvimento da população e comunicação: por que falar em rádio?

Não é novidade falar que o rádio é um dos principais meios de comunicação não só no Brasil, mas no mundo todo. Algumas características específicas de sua linguagem o tornam um meio especial, particularmente para as populações rurais. Assim, a grande penetração no meio rural e o seu baixo custo, tanto de produção quanto de veiculação de programas são características importantes a serem consideradas quando planejamos programas de extensão rural.

Em contrapartida, se o rádio está presente em praticamente 100% dos estabelecimentos rurais, ele se apresenta geralmente como um grande "pano de fundo" para as atividades do cotidiano, ou seja, dificilmente aparece como elemento principal no nosso dia a dia (vamos lembrar de quando dirigimos e escutamos rádio - o elemento principal é a estrada e o rádio é o "coadjuvante". O mesmo vale para o ordenhador e seu inseparável radinho de pilha). Assim, os programas necessitam de estratégias para que, diante de todos os estímulos existentes, o ouvinte capte, ao menos por alguns segundos, a mensagem comunicada.

O rádio trabalha exclusivamente com estímulos auditivos, o que limita sua capacidade de auxiliar na mudança de comportamento. Deve-se considerar, entretanto, que ao escutar os programas de rádios, os ouvintes formam verdadeiras "imagens mentais" dos conteúdos.

Este é um ponto importante e merece ser destacado: ao contrário dos meios impressos (cartazes, folders, cartilhas etc.) ou mesmo audiovisuais como a televisão, que apresentam as mensagens praticamente acabadas, o rádio necessita de uma participação ativa do ouvinte para "acabar" a mensagem - é justamente imaginando a cena em sua mente que as pessoas participam desta construção final. Alguns pesquisadores chamam o rádio "do mais visual dos meios de comunicação" (quem nunca ficou imaginando como seria a imagem do locutor ou da locutora que conversa conosco todos os dias...).

Esta especificidade do rádio facilita o entendimento de mensagens. Isso porque os ouvintes podem adaptar as informações a sua realidade. Este é um ponto importante e que merece ser aprofundando: quando, por exemplo, uma empresa elabora um folder sobre equipamentos de ordenha e coloca imagens de vacas holandesas, sadias e vivendo em um ambiente considerado "ideal", além de divulgar um modelo de produção específico, pode estar gerando uma barreira de comunicação com os agricultores que não possuem ou não concordam com este modelo.

Observa-se assim que impressos e os meios audiovisuais tendem a apresentar uma mensagem "fechada", "acabada". No rádio isso não ocorre. São os ouvintes que construirão a imagem da vaca, do seu estado de saúde e do seu ambiente de vivência.

Mas por outro lado, esta característica também pode provocar dúvidas com respeito a conceitos. Basta imaginarmos um programa de educação que fale, por exemplo, sobre "higiene e limpeza de ordenha". Não teríamos problemas em mostrar o que queremos dizer com "uma ordenha limpa" quando utilizamos cartazes ou vídeos, mas quando utilizados o rádio, será o próprio ouvinte quem deverá construir em sua mente a imagem do que é uma ordenha limpa.

De acordo com a história de vida de cada ouvinte haverá diferenças significativas neste processo (para alguém com formação técnica, o conceito de limpeza pode estar diretamente relacionado a desinfecção, por exemplo, enquanto para outras pessoas pode estar associado e uma simples lavagem com água e sabão ou outros procedimentos). É por isso que os programas de rádio devem fornecer o maior número possível de elementos para ajudar o ouvinte a formar esta imagem mental, de maneira a não comprometer o comportamento desejado.

Diversos pesquisadores avaliaram diferentes estratégias de utilização do rádio dentro de programas de educação. Pivaral et al. (2002) destaca:

- Utilização de rádio "fóruns": considerando que é no debate e na discussão que mudamos nosso comportamento, alguns pesquisadores promoveram os chamados "rádio fóruns", ou seja, audições de programas educativos de rádio em grupos com a monitoria de um técnico ou educador. As pesquisas têm mostrado que neste tipo de formato os programas conseguem trabalhar até com as crenças mais solidificadas nas pessoas. O ponto negativo ficaria a cargo dos custos, principalmente pela necessidade de alocar um técnico. Além disso, o rádio perderia sua capacidade de grande abrangência pois haveria a necessidade de reunir as pessoas em locais específicos para a veiculação das mensagens.

- Trabalho com as rádios comunitárias: as rádios comunitárias representam mecanismos populares de comunicação. Assim, alguns pesquisadores capacitaram os próprios moradores das áreas rurais para a realização dos programas de rádio. O ponto positivo é que os programas acabam tendo a "cara" da população local, aumentando assim a probabilidade de mudança de comportamento. O ponto negativo está por conta dos conflitos que podem existir em virtude da legalização destas rádios.

Na pesquisa realizada em Carlinda, MT, optamos por construir o programa em conjunto com a população mas veiculá-lo de forma tradicional nas rádios comerciais, sem a formação de grupos de discussão. A idéia era discutir com o grupo de agricultores familiares como construir os programas, que tipo de informações e como adapta-las para uma linguagem radiofônica, avaliando qual a real capacidade destes programas em contribuir para a mudança de comportamento.

2. Construindo a proposta de educação

Para a construção das mensagens, é fundamental estudar e identificar uma teoria de comportamento em saúde. Diversas teorias procuram explicar o comportamento de "risco" ou de "prevenção" das pessoas em relação a saúde. Estas teorias acabam reduzindo toda a complexidade do comportamento a algumas poucas variáveis mas são importantes referências para a estruturação destes programas. Mais do que receitas que devem ser seguidas "ao pé da letra", representam indicativos de variáveis que devem ser fortalecidas ou mesmo desviadas.

Usualmente utiliza-se o enfoque econômico para estruturar as mensagens educativas ("vacine seu rebanho para prevenir gastos ou lucrar mais"). Quando utilizamos este raciocínio partimos da premissa que as pessoas irão mudar seu comportamento na medida em que perceberem maiores lucros, sendo que o termo lucro está associado, pelo menos em um primeiro momento, a "ganhar mais dinheiro". Quando não obtemos êxito na campanha educativa geralmente associamos a uma falha no entendimento das pessoas na mensagem veiculada.

Considerando todas as discussões feitas no artigo anterior e a necessidade de construção de um modelo de sociedade que não esteja unicamente baseado na acumulação de capital, a pesquisa trabalhou com um outro referencial. Para a construção das mensagens, optou-se por utilizar a chamada "teoria social cognitiva", estruturada por Bandura (2004).

Esta teoria foi escolhida por mesclar elementos individuais e elementos coletivos para determinar o comportamento das pessoas, conforme pode ser visualizado na Figura 1. De forma resumida, a teoria trabalha a partir da constatação que o comportamento das pessoas possui um componente coletivo (fatores socioculturais), que pressiona as pessoas para agirem de uma forma determinada, mas também de um componente individual e racional (existiria sempre uma opção a ser feita e caberia as pessoas fazer ou não esta opção). Assim, não basta a pessoa "querer mudar seu comportamento", mas ela precisa ter as condições para isso. O próprio "querer mudar" já seria uma condicionante social.

De acordo com a teoria social cognitiva, quatro variáveis fundamentais estariam diretamente relacionadas ao comportamento de risco ou de prevenção as doenças. São eles:

a) Percepção da auto-eficácia da mudança e da possibilidade do próprio indivíduo em modificar seus hábitos. Esta variável pode ser compreendida como sendo o julgamento do sujeito sobre a sua habilidade para desempenhar com sucesso um padrão específico de comportamento. Desempenha um papel chave dentro do processo de mudança de comportamento uma vez que é o elemento motivador e desencadeante do novo comportamento.

Podemos nos perguntar como anda o julgamento dos moradores das áreas mais pobres sobre a sua capacidade de modificar a sua situação. Quanto mais "descrentes" nesta capacidade, mais difícil será a mudança de comportamento. É interessante notar ainda que muitas vezes fazemos uma leitura desta situação como sendo "falta de motivação" ou mesmo um certo "conformismo". Na verdade é fundamental compreender a raízes desta descrença, geralmente associada a fracassos anteriores ou falta de acesso aos recursos que possibilitariam a melhoria de vida.

b) Conhecimento dos riscos associados à doença e dos benefícios desencadeados pela mudança de comportamento. Este aspecto atua na criação da predisposição do organismo para a mudança de comportamento, sendo o conhecimento do custo/ benefício desta mudança, ou seja, as vantagens ou benefícios em relação ao comportamento inicial, considerando não apenas os aspectos econômicos.

Este aspecto está diretamente relacionado ao julgamento individual do risco e com as crenças pessoais em relação ao controle da doença. Estas crenças são determinadas pela estrutura social na qual a população faz parte bem com sua formação cultural. Compreender estes aspectos é fundamental para estruturar os programas de educação em saúde.

c) Expectativas dos custos e benefícios do novo comportamento. Estas expectativas envolvem: aprovação social, cumprimento das satisfações pessoais, metas e objetivos de curto e longo prazo. Neste contexto, pouco importa se o novo comportamento cumpre ou não o objetivo de resolver o problema de saúde; o importante é a expectativa individual da vantagem da adoção deste comportamento em comparação aos objetivos de vida de cada um.

Este talvez seja um dos pontos mais críticos nas campanhas educativas de saúde. Isso porque enquanto a população mais rica tem uma vida baseada na lógica da "fartura", as populações mais pobres trabalham em uma lógica da "escassez". Isto faz com que seja extremamente difícil aceitar a idéia de longo prazo e de prevenção geralmente utilizadas nestas campanhas ("vacine seu rebanho para que a vaca no futuro não aborte"). É preciso compreender que as populações carentes têm uma visão de mundo pautado no "aqui e agora", tendo em vista as dificuldades para a garantia dos recursos mínimos para a sua sobrevivência a curto prazo.

c) Percepção das facilidades e dos impedimentos para a adoção do novo comportamento. Quanto maiores forem as facilidades e menores as dificuldades percebidas, maior será a chance do novo comportamento ser adotado. Deve-se destacar que este item não se refere às dificuldades realmente existentes, mas sim a percepção de tais dificuldades.

Os programas educativos precisam ser criativos o suficiente para auxiliar as populações mais pobres e que geralmente não tem acesso aos recursos, a encontrar as soluções para a superação dos impedimentos para a mudança de comportamento. A organização comunitária, o associativismo, a solidariedade geralmente são elementos utilizados para isso pois fazem parte da vida cotidiana destas pessoas.

Abaixo é apresentado um pequeno resumo das bases conceituais nas quais foram estruturados e avaliados os programas de rádio sobre tuberculose bovina na pesquisa realizada:

a) Enfoque não apenas técnico, mas assumir a desigualdade como fator determinante para a ocorrência de doenças nos animais e, principalmente, pessoas, trabalhando desde uma perspectiva emancipadora e com foco nas camadas mais vulneráveis do meio rural, no caso específico, os agricultores familiares e assentados da reforma agrária.

b) Trabalhar a partir do enfoque da teoria social cognitiva por entender que o comportamento de saúde não se deve unicamente a aspectos individuais, mas também a estrutura social na qual as pessoais estão inseridas.

c) Ter como foco principal o rádio, principalmente pela sua capacidade de chegar a localidades distantes e ainda ser considerado dentro do meio rural um dos principais meios de informação.

No próximo artigo apresentaremos a descrição dos produtores rurais de Carlinda a luz dos pontos mencionados na teoria social cognitiva e uma amostra dos programas elaborados.

Figura 1. Modelo esquemático das variáveis que podem influenciar na mudança de comportamento. Fonte: Bandura, 2004.


Bibliografia

BANDURA, A. Health promotion by social cognitive means. Health, Education and Behavior, v. 31, n. 2, p. 143-164, 2004.

Pivaral, C. E. C.; Mayari, C. L. N.; Trueba, J. M. A.; Perez, G. J. G.; Lopez, M. G. V.; Figueroa, i. V.; Rodriguez. M. G. A. Evaluación de dos estrategias de educación nutricional vía radio en Guadalajara, México. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 5, p. 1289-1294, 2002.

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