1. Os quatro grupos genéticos comparados estavam em diferentes fazendas, e, portanto, as diferenças no seu desempenho podem ser devidas tanto à genética quanto a outros fatores, como local, clima, fertilidade do solo, topografia, manejo, práticas sanitárias, instalações, escolaridade do dono, qualidade dos trabalhadores, e por aí afora. Não é válido comparar genótipo A em fazenda ruim, de 3 litros de leite, com genótipo B em fazenda melhor, de 8 litros. Pelo que se sabe, inclusive de outros levantamentos, as fazendas maiores, que utilizam mais insumos, geralmente tem gado mais "holandesado" enquanto que as menores têm gado mais "azebuado". Assim, o leite de uma 7/8 em fazenda de 500 litros poderá ser mais bem pago, pela bonificação por volume, que o leite de uma ¼ em fazenda de 50 litros, e isto não tem nada a ver com a genética. A única comparação válida seria ter todos os genótipos representados em todas as fazendas.
2. O grau de sangue não fornece uma boa descrição da genética, pois a heterose é ignorada, uma vez que se colocam no mesmo grupo animais mestiços, filhos de touros puros, e bimestiços, filhos de touros mestiços, que, portanto, apresentam maior segregação gênica e menor heterose. Misturar estes cruzamentos pode levar a conclusões completamente equivocadas.
3. Neste tipo de dados, também não se tem certeza da raça, de forma que o que no trabalho se classifica como "zebu" tanto pode ser Gir, Nelore ou qualquer outra coisa, sendo que mestiças destas diferentes raças não têm o mesmo desempenho, e, da mesma forma, nas fazendas mineiras há muitas outras raças européias além do Holandês, inclusive muitos animais cuja composição genética só Deus conhece, e não há garantia de que estes diferentes genótipos não estejam também mascarando ou interferindo nas diferenças no desempenho entre os grupos comparados.
Por outra parte, é bem sabido, e está bem documentado, com resultados de pesquisas, que a genética mais apropriada para as fazendas que usam mais insumos não é a mais apropriada nas fazendas com menos insumos, já que, enquanto as primeiras admitem gado mais refinado, as últimas requerem gado mais rústico, porém este fato não foi considerado no estudo apresentado, onde todas as fazendas foram analisadas juntas.
Quando estas ressalvas foram evitadas, no experimento de cruzamentos conduzido pela EMBRAPA, com apóio da FAO, alguns anos atrás, objetivando avaliar estratégias de cruzamentos para as condições de produção prevalecentes na Região Sudeste, os resultados foram completamente diferentes dos agora apresentados pelo Prof. Gomes, e isto, creio, deve ser considerado nesta oportunidade.
Naquele experimento foram produzidas 527 novilhas, de seis graus de sangue Holandês VB/Guzerá, as quais foram distribuídas a 67 fazendas cooperadoras, localizadas nas principais bacias leiteiras da Região Sudeste, para acompanhamento posterior, até os 12 anos de idade, com controle leiteiro e zootécnico mensal, inclusive do consumo de concentrados. Todas as fazendas receberam representantes de todos os seis genótipos e foram tomadas precauções para evitar confundimentos, como formar grupos contemporâneos das novilhas que iam a cada fazenda cooperadora, nascidas num intervalo de três meses, de forma que os seis genótipos representados em cada lote estiveram nas mesmas condições, desde que nasceram até o fim do experimento. Também se tomou a precaução de utilizar os mesmos reprodutores na formação dos quatro grupos oriundos de pai Holandês, e de fazer rodízio das mães ½ das novilhas ¼ e 3/4.
Na análise, agrupamos as fazendas em duas classes de manejo, segundo seu perfil de alimentação, pastagens, sanidade, etc., e verificamos a necessidade de se estudar os cruzamentos por separado, uma vez que os resultados eram diferentes para cada classe de fazenda.
Como o espaço é curto, coloco aqui apenas alguns resultados (Tabela 1), que por outra parte são bem conhecidos e divulgados, e maiores informações podem ser obtidas na bibliografia abaixo relacionada. Para encurtar a história, em ambos os tipos de fazenda as F1 foram mais lucrativas, caindo o desempenho econômico à medida que o genótipo se "holandesava" ou se "azebuava", e caindo também no caso das bimestiças. Entretanto, a superioridade das F1 era menor nas fazendas de maior produção, mostrando que é necessário considerar o cruzamento mais apropriado para cada tipo de fazenda por separado.
O estudo do Prof. Gomes indica que os rebanhos com grau de sangue médio 7/8 foram lucrativos em nível de produção de 8,6 kg de leite por vaca total, mas não prova que esse fosse o melhor cruzamento nesse tipo de fazenda. Por coincidência, no nosso experimento, a produção das 7/8 foi muito semelhante, 7,9 kg por dia de intervalo de partos (ambas as medidas são praticamente a mesma coisa), porém, ao contrário que no trabalho do Prof. Gomes, as F1 apresentaram 18,5% maior lucratividade que as 7/8 e as ¾ 10,6% mais, como pode ser visto na Tabela 1. Isto ilustra o ponto de que a comparação de genótipos deve ser feita nas mesmas fazendas.
Voltando aos nossos resultados, a superioridade das F1 decorria delas produzirem quase tanto quanto as mais holandesadas, porém sendo quase tão resistentes aos parasitas quanto as azebuadas. Sabe-se da literatura que elas são também quase tão tolerantes ao calor quanto as zebu e bem mais do que as ¾ e 7/8. As vacas F1 têm requerimentos de mantença semelhantes ou menores que as zebu. Nas fazendas do nosso experimento, elas conseguiam manter melhor condição corporal, o que está associado a maior fertilidade. Enquanto uma alta proporção das vacas 7/8 e >31/31 morreram, a mortalidade das F1 foi baixa e só um pouco maior que a das ¼ (Tabela 1), porém as ¼ eram mais descartadas e vendidas para abate. O impressionante fato de que 62% das F1 foi vendida para continuar produzindo, após sair do experimento, com 12 anos de idade, apóia os outros resultados obtidos.
O estudo do Prof. Gomes se refere a apenas um ano, e não considera, portanto, as flutuações de preços. É claro que o laticínio vai querer o produtor mais engessado, com gado mais exigente e instalações caras, mas quando vem apagão ou qualquer outro desastre e cai o preço do leite, o produtor se defende melhor com gado que admite passar para uma ordenha só ou apenas criar o bezerro, e essas flutuações também não podem ser ignoradas.
Eu gostaria de fazer um apelo para que os resultados sejam analisados com cuidado, com ponderação, sem paixão, e sem se fazer extrapolações a condições outras que as dos estudos. Por exemplo, note-se que em todas as fazendas de nosso experimento se ordenhava com bezerro ao pé; assim escolhemos, por ser esta prática adotada pela imensa maioria dos produtores. Hoje sabemos, por nossos experimentos e os de outros, que isto é mais econômico, para a maioria, mas pode não sê-lo para outros, e no sistema de ordenha mecânica sem bezerro tem havido alguns insucessos com as F1, que não estão bem equacionados. Também, o fato das F1 serem mais adaptadas para produção lucrativa na maioria das fazendas da Região Sudeste, não quer dizer que dispensam boas pastagens, suplementos e sanidade, nem que sejam a única e universal solução genética. Outros cruzamentos poderão ser mais práticos em determinadas circunstâncias, justificando a perda de heterose. Mas, para a maioria dos produtores, que não controlam a reprodução do rebanho, o esquema de F1 é uma forma simples e prática de se aproveitar a tremenda heterose dos híbridos de Bos taurus x B. indicus, e por esse motivo vem sendo cada vez mais adotado, não apenas no Brasil, mas, na sua esteira, na Colômbia, Venezuela e países da África. Na Nova Zelândia, em 2001, visitei uma fazenda que produzia anualmente 2000 novilhas F1 de Sahiwal para exportar a países tropicais. Enquanto as F1 continuarem a valer duas a três vezes a arroba de boi gordo e enquanto os criadores de Holandês continuarem a inseminar com Gir, seguirei pensando ser esse o caminho certo.
Bibliografia
1) LEMOS, A.M., TEODORO, R.L., MADALENA, F.E. Estratégias de cruzamentos entre raças leiteiras. Informe Agropecuário v. 16, n. 177, p. 19-22, 1992. 2) MADALENA, F.E., TEODORO, R.L., LEMOS, A.M., MONTEIRO,
J.B.N., BARBOSA, R.T. Evaluation of strategies for crossbreeding of dairy cattle in Brazil. Journal of DairyScience, v. 73 p. 1887-1901. 1990. 3) MADALENA, F. E. La Utilizacion Sostenible de Hembras F1 en la Produccion del Ganado Lechero Tropical. ROMA : FAO, 1993, 98p. 4) MADALENA, F. E. Por que F1? In: Anais do 5o Encontro de Produtores de Gado Leiteiro F1. BHTE: FEPMVZ Editora, 2004. p.1 - 21