A pecuária leiteira brasileira é muito heterogênea em termos de vacas e de produtores, e predominam vacas de baixa produção e produtores de baixa capacitação, com pouca assistência técnica.
Na busca do produtor ideal, vou partir da estimativa de que temos 1,3 milhões de produtores que, com cerca de 20 milhões de vacas, produzem algo próximo de 30 bilhões de litros por ano, o que representa uma produção média por vaca de 1.500 litros por lactação.
Vou usar de um exercício que fiz no meu artigo "Sistemas de produção: uma outra visão", para chegar a fazer uma colocação que acho importante para o futuro de nossa pecuária leiteira.
Imaginemos por um momento que hoje todos esses produtores trabalhassem em sistema de confinamento, mantendo 20 milhões de vacas de média de 40 litros. A nossa produção seria de 240 bilhões de litros e, considerando o mercado nacional e internacional, todos os produtores brasileiros estariam quebrados, pois com essa oferta o leite não valeria nada. Naturalmente que esse exercício de imaginação é uma utopia, mas serve para evidenciar que, se no futuro vamos tender para sistemas de confinamento, com vacas de altíssima produção, teremos que ter uma drástica redução no número de produtores e no número de vacas, o que exige como contrapartida um drástico aumento na produtividade das vacas e na capacitação dos produtores para poderem assegurar as condições de produção e a sanidade desses animais.
Imaginemos agora que no futuro próximo, com o crescimento do consumo interno do País, a demanda interna chegue a 60 bilhões de litros de leite, e que os nossos produtores trabalhassem predominantemente com pasto para fornecer o volumoso necessário para vacas com média de 1.500 litros por lactação. Precisaríamos de 40 milhões de vacas, ou seja, dobrar o rebanho leiteiro e as áreas de pastagens ocupadas pela pecuária leiteira. Evidentemente que esse exercício de imaginação também é uma utopia, pois é um absurdo em termos ambientais, mas serve para mostrar que, se no futuro, mesmo que continuemos trabalhando predominantemente com pasto para fornecer volumoso às vacas leiteiras, mesmo mantendo os 1,3 milhões de produtores, teremos que ter uma significativa redução do número de vacas leiteiras, do aumento da produtividade desses animais e da capacitação dos produtores.
Esses exercícios mostram com clareza que para o futuro teremos que ter uma redução do número de vacas leiteiras e aumento da produtividade desses animais, o que exige naturalmente aumento da capacitação dos produtores, bem como é razoável supor que será necessária uma redução do número de produtores.
Artigos recentemente publicados no Milkpoint ensejaram uma discussão sobre sistemas de produção e sobre a vaca ideal. Do ponto de vista do produtor a vaca ideal é a que ele pode ter e o sistema de produção ideal é o que lhe permite produzir mais por menos, dentro da sua capacitação técnica e realidade econômico-financeira.
Sobre a ótica da pecuária leiteira, produtor ideal é o que trabalha com vacas leiteiras e sistema de produção compatíveis com sua capacitação técnica e realidade econômica-financeira, que lhe permitam fazer da produção de leite uma atividade sustentável.
Mas como seria o produtor de leite ideal sob a ótica do governo ou da indústria?
Penso que sob a ótica do governo o perfil do produtor ideal seria delineado em função de aspectos como assegurar o abastecimento para atender ao consumo interno e a segurança alimentar, de possibilitar sobras exportáveis, da geração de postos de trabalho e renda. Acredito que sob a ótica da indústria, no delineamento do perfil do produtor ideal, os aspectos mais importantes seriam o atendimento quantitativo/qualitativo das necessidades de produção e de logística de captação, assegurando um custo competitivo à indústria.
São fundamentais definições do governo sobre extensão rural para capacitação dos produtores e sobre disponibilidade, valores, prazos e juros dos financiamentos para investimento e custeio, bem como da indústria, explicitando o que deseja em termos de volume, qualidade e localização de seus fornecedores.
Por isso, na busca do produtor ideal, é importante a participação da indústria, dos produtores, dos técnicos e de entidades do governo, para que possamos aprofundar a discussão sobre a questão do número de produtores de leite e do tamanho e a produtividade do rebanho leiteiro nacional, bem como dos sistemas de produção de leite e do uso de pastagens e de confinamento, e que essa discussão possa se traduzir na política e planejamento do setor leiteiro, em definições importantes para o desenvolvimento e sustentabilidade econômica e social da pecuária nacional.
A partir dessas definições é que na nossa pecuária leiteira, em busca do produtor ideal, serão caracterizados as vacas e sistemas de produção que predominarão no futuro, e que definirão a evolução do número de produtores e das vacas leiteiras no País.