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Darwin revisitado

POR MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

ESPAÇO ABERTO

EM 06/04/2009

7 MIN DE LEITURA

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Pode parecer surpreendente a dimensão das comemorações em torno dos 200 anos de Charles Darwin e dos 150 anos da Origem das Espécies, sua obra-prima. Exposições, livros, programas de TV, reedição de suas obras, discussões, à primeira vista tudo soa ampliado se comparado às homenagens relativas a outros cientistas, descobertas e teorias que ajudaram a compreender a física, a química, a biologia, a vida.

Claro que Darwin tem enorme importância. Há quem diga, talvez com propriedade, que a teoria da evolução é a ideia mais genial que alguém já teve, colocada à frente das contribuições de Einstein e Newton. Richard Dawkins ("O Gene Egoísta") questiona o fato dela não ter sido proposta séculos antes, dada a sua simplicidade, o que a valoriza ainda mais. Suas aplicações se estendem a diversos campos, da biologia à medicina, passando pela psicologia e até pela computação. É uma proposição simples, convincente e poderosa.

Mas a ênfase nas comemorações dessas datas vai além da simples lembrança de grandes feitos e de ideias que mudaram nossa concepção a respeito da história humana. Há, no ar, um resgate dos princípios por trás das ideias que embasaram a origem das espécies e a evolução, uma ânsia renovada por explicar e fazerem-se entendidas as premissas que nortearam a grande descoberta de Darwin.

É como se houvesse uma oportuna coincidência entre a comemoração dessas datas e a aplicabilidade das idéias e dos conceitos, que estariam encontrando agora um ambiente propício para serem discutidas e analisadas, talvez sob um novo contexto. Nada é tão poderoso quanto uma ideia cujo momento finalmente tenha chegado. Talvez as ideias de Darwin tenham encontrado uma segunda vida nesse início de milênio, em que a vulnerabilidade humana e o precário equilíbrio ambiental vêm sendo reafirmados todos os dias, expressos nas mudanças climáticas e no uso crescente de recursos, em uma equação que não tem como ser resolvida se algo de muito significativo não mudar.

Mas, afinal, em que ponto nossa realidade encontra Darwin? A Teoria da Evolução baseia em alguns aspectos essenciais. Primeiro, que as espécies são não imutáveis; pelo contrário, sofrem ação de mutações aleatórias, ocorridas em indivíduos, e que são transmitidas à prole. Segundo, nascem mais indivíduos do que o meio é capaz de suportar, de forma que há competição entre eles (um insight que Darwin teve lendo a obra de Malthus); assim, as mutações que de fato resultam em vantagens adaptativas a determinadas condições ambientais e/ou em vantagens reprodutivas tendem a predominar, ao passo que outras que conferem desvantagens tendem, ao longo de várias gerações, a ser eliminadas. As espécies que hoje aqui estão, sem exceção, são as vencedoras do processo de seleção natural que age há milhões de anos sob todas as formas de vida. Se o ambiente mudar, as características que conferem às espécies de hoje vantagens adaptativas podem, dependendo da mudança, ser prejudiciais, estimulando o desenvolvimento de outras espécies com características mais favoráveis ao novo ambiente.



Ao mostrar que o homo sapiens não era produto da criação divina, do design perfeito, mas sim o resultado de mutações aleatórias adaptadas ao ambiente como qualquer outra forma de vida, Darwin colocou o homem em seu devido lugar; éramos, afinal, parte de uma engrenagem que abrangia todas as formas de vida. Em maior ou menor grau, tínhamos parentesco com elas, em especial com os macacos, com quem dividíamos um ancestral comum. Éramos, na verdade, um tipo de macaco. Um choque de humildade que, no início desde século, estamos novamente presenciando à medida que o ambiente é alterado pela ação humana, com consequências ainda em sua maioria desconhecidas no que se refere ao equilíbrio vital (isso sem falar na crise econômica no centro do capitalismo, mais um ingrediente para o choque de humildade).


A famosa árvore genealógica de Darwin. "Eu acho", anotou ele.

Sustentabilidade talvez seja um dos termos mais repetidos na mídia, ainda que não saibamos exatamente o que significa e como praticá-lo. Sem dúvida existe um oportunismo de mercado, mas é inegável que a consciência ambiental vem crescendo. Os efeitos das mudanças climáticas e a percepção de que os recursos naturais não são infinitos nos são lembrados com freqüência cada vez maior. Como conciliar o aumento de mais 2,3 bilhões de pessoas no mundo até 2050, dada essa nova conjuntura ambiental para a qual caminhamos, em maior ou menor velocidade? Como conciliar o aumento da renda média nos países emergentes, resultando em maior consumo e uma convergência a hábitos e padrões ocidentais?

Tim Bond, do Barclays Capital, diz que a elevação do consumo de energia da Índia e da China aos padrões ocidentais, em base per capita, está fora de questão. Sozinhas, consumiriam 160 milhões de barris de petróleo por dia, contra 85 milhões que o mundo todo consome hoje. As reservas de energia conhecidas seriam exauridas em 15 anos. As emissões de CO2 triplicariam, a temperatura subiria 5°C, haveria colapso social, econômico e ambiental. Mesmo aumentos moderados não parecem cabíveis.

Ainda: como produziremos alimentos diante das mudanças climáticas e como lidaremos com a escassez crescente de água? Estas são algumas questões essenciais e que nos remetem a Darwin: o ambiente está mudando, um novo equilíbrio se faz necessário; as premissas sob as quais nos desenvolvemos como civilização precisarão ser revistas. Ainda não sabemos aonde e como ir, mas sabemos que precisamos ir. É um começo.

Isso envolve uma enorme ruptura. Sérgio Besserman Vianna diz que "o apogeu do modo de produção capitalista e do fetichismo da mercadoria nos afastou da qualidade das coisas, deixando-nos envoltos na névoa cinza das quantidades. O tempo exclusivo das quantidades sempre pode ser menor, cada vez menor. Tudo o que é sólido, desmancha no ar. Superar esse paradoxo vai exigir rupturas. Rupturas na extensão da consciência histórica, na relação da natureza com o planeta, no modo de produzir e consumir".

Ralph Waldo Emerson escreveu que "quando se patina sobre gelo fino, a segurança está na velocidade". No mundo de hoje, o importante é seguir rapidamente; o que ficou para trás não importa, é descartável como o gelo fino que se quebra quando passamos. Da mesma forma, o futuro resume-se a permanecer de pé, nos próximos metros. Não há espaço para olhar muito adiante.



Mudaremos esse paradigma? Jared Diamond, na conclusão de Colapso - Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, diz-se um otimista cauteloso: de um lado, reconhece a seriedade dos problemas que enfrentaremos; de outro, lembra que há soluções existentes ("o futuro está em nossas mãos; estamos lidando com problemas que nós mesmos criamos", diz ele), a consciência ambiental cresce em todo mundo e a interdependência do mundo moderno globalizado, onde a informação flui rapidamente, são os motivos de esperança. "Esta é uma oportunidade (de mudança e de escolhas) que nenhuma sociedade do passado desfrutou nesse grau. Minha esperança é a de que muita gente escolha tirar proveito dessa oportunidade para fazer diferença", finaliza.

O Prof. Ricardo Abramovay, da FEA/USP, mostra que as escolhas já estão sendo feitas. Ele diz que "é notável o avanço de vários países da OCDE na formulação deste problema. Os termos decisivos são descasamento ou desligamento (decoupling, delinking): eles sinalizam para a quebra do vínculo entre crescimento econômico e uso dos recursos. Isso supõe o estabelecimento de uma contabilidade dos fluxos de insumos e detritos que se encontram não somente nos processos produtivos, mas também no consumo. Além da famosa (e muito criticada) pegada ecológica, existe hoje um conjunto amplo de indicadores e de institutos de pesquisa voltados a conhecer de perto as bases materiais e energéticas em que repousam o funcionamento da sociedade".

O desafio é considerável. Os efeitos das mudanças climáticas e do uso de recursos que um dia acabarão transcendem as gerações; como conciliar o imediatismo do consumo e a valorização do momento com a necessidade de deixar um mundo melhor para as gerações futuras? A sustentabilidade remete a um futuro que, até então, não nos tem importado. A questão temporal, aliada a própria ruptura nos padrões comportamentais, demanda uma ação de cima para baixo, a partir das lideranças, ainda que a consciência ambiental venha crescendo mundo afora. Marcos legais e mecanismos de mercado precisam ser aperfeiçoados para nos colocar na direção correta.

A teoria de Darwin nos lembra que não somos tão especiais assim, nem tão invulneráveis, como ocorre com qualquer outra espécie. A competição por recursos é uma realidade crescente, assim como a mudança no ambiente, nesse caso produzida por nossa própria ação. Nesse sentido, o seu enaltecimento, 200 anos depois, pode significar a compreensão e o reconhecimento de que algo precisa ser feito para que as condições em que nos desenvolvemos enquanto civilização não sejam drasticamente alteradas em um futuro próximo. Parece, enfim, que estamos redescobrindo Darwin. A sua releitura chegou em boa hora.



PS: Sugiro o livro "Charles Darwin - Em um futuro não tão distante", organizado por Maria Isabel Landim e Cristiano Rangel Moreira, do Instituto Sangari, que analisa a obra e a vida de Darwin, além das implicações atuais.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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LEANDRO CAMARA

CATANDUVA - SÃO PAULO - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

EM 12/04/2009

MilkPoint como sempre, enriquecendo nossa cultura.
Parabéns pelo artigo Dr. Marcelo.
Abraços.
JOABE JOBSON DE OLIVEIRA PIMENTEL

TEIXEIRA DE FREITAS - BAHIA

EM 10/04/2009

Fico satisfeito por pessoas de frente de meio de comunicação com credibilidade tenham o discernimento de pensar com grande amplitude. Produzir não é tão difícil. Produzir de maneira sustentável é uma arte que precisa ser desenvolvida. É com visão de 360° que se poderão desenvolver os verdadeiros sistemas de produção. A harmonia com o meio ambiente em vez do lucro máximo tão enaltecido pelos economistas (ou pseudo-economistas). Obrigado e um abraço.
CLEBER MEDEIROS BARRETO

UMIRIM - CEARÁ

EM 07/04/2009

Valeu Marcelo... O leite filosófico está de volta.
Num país que, infelizmente, poucos têm acesso a boa leitura, muito nos orgulha poder participar desse espaço literalmente aberto. Se metade dos professores de nossas academias participassem de fóruns como este, teríamos com toda certeza mais massa crítica incutida em nossos descendentes, que automaticamente buscariam o prazer do uso habitual do método científico.

Aqui no Brasil, o hábito da leitura é sinônimo de "status", embora os que conseguem acesso a esta, em sua maioria tenha predileções pelo gênero "O mais estranho possível". Tal gênero dá muito o que falar numa sessão (preconceitos a parte) de salão de beleza lotado. Se de outra forma fosse, talvez pudéssemos navegar num ambiente mais seguro, com visões menos distorcidas da realidade.

Quando o bom velhinho Chico Xavier partiu dessa para melhor, coincidentemente, o considerado maior divulgador de ciências da atualidade se foi na mesma carona. Estou me referindo ao Sthephen Jay Gold, biólogo americano.

Mas vamos ao que interessa. Estava foleando uma revista semanal, quando me deparei na seção de cartas uma atormentada leitora lamentando, ao tempo em que protestava do total descaso com que a renomada revista tratou da partida do tal do chico, destinando "apenas" uma folha e meia de holofotes. Tinha o exemplar da revista daquela data da morte dos dois homens em questão. E sabia que para o cara que mais procurou trazer luz, depois de Carl Sagan as nossas pobres mentes, a referida revista tinha destinado um cantinho milimétrico noticiando a perda de um biólogo qualquer para grande maioria dos brasileiros.

Algumas obras do autor: A VIDA É BELA, QUANDO AS GALINHAS CRIAREM DENTES, LANCE DE DADOS, PILARES DO TEMPO: CIÊNCIA E RELIGIÃO.
RICHARD JAMES WALTER ROBERTSON

RIO VERDE DE MATO GROSSO - MATO GROSSO DO SUL

EM 07/04/2009

Excelente artigo, Marcelo.

A imagem do planeta Terra nos faz tomar consciência de nossa responsabilidade: Aliar bem estar social (e animal), viabilidade econômica e sustentabilidade ecológica. Na verdade, estes três pilares básicos da sustentabilidade de uma propriedade seriam, teoricamente, a solução para grande parte dos problemas da humanidade. Infelizmente, além do lucro, existe a ganância. Este é o câncer que nos assola.

Ainda vai chegar o dia (se já não estiver passando da hora...) em que alguns vão ter de abrir mão de um pouco de tudo que podem ganhar ou produzir, sob pena de comprometer nossa sobrevivência. Entendo que tanto a destruição quanto a consciência ecológica fazem parte de uma grande evolução do ser humano.
Se por um lado existem os que destroem, existem os que se preocupam em preservar. Acredito que tudo isso tenha um propósito divino. Para tristeza geral, todos pagam o preço.

Sou dos que acreditam muito em nosso Brasil como salvador da humanidade, não só do ponto de vista produtivo como do ecológico. Espero mesmo que as nações desenvolvidas possam - desinteressadamente - nos auxiliar a preservar este rico país. Precisamos valorizar veículos como este na formação de líderes que possam tornar isso realidade.

Parabéns.
PAULO FERNANDO ANDRADE CORREA DA SILVA

VALENÇA - RIO DE JANEIRO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 06/04/2009

Marcelo.

Você sabe, você escreve, você esclarece, você ajuda! Parabéns pela ousadia de ir muito além da cadeia produtiva do leite, e, ainda assim, estar falando dela.

Abraço.
Paulo Fernando.

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