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A qualidade do nosso leite e a pureza do nosso café

POR CARLOS HENRIQUE JORGE BRANDO

E GEORGIANA SÁVIA BRITO AIRES

ESPAÇO ABERTO

EM 14/11/2007

6 MIN DE LEITURA

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As notícias recentes sobre a contaminação do leite nos remetem ao ano de 1988 quando uma pesquisa encomendada pela indústria de torrefação constatou que 30% das marcas de café então no mercado continham impurezas, assim corroborando a percepção dos consumidores de que todos os cafés eram iguais e de baixa qualidade. Foram estas constatações que levaram a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) a empreender ações promocionais e educacionais ininterruptas desde 1989, iniciando-se com o conceito de pureza - sanidade do produto - e hoje abordando a própria qualidade sensorial do café. O resultado foi que neste período o país aumentou 160% seu consumo e aspira a ser o maior consumidor mundial de café antes de 2011.

O atual debate sobre o leite está centrado no que se convencionou chamar de "pureza" no caso do café e que está identificado pela palavra "qualidade" no vocabulário do leite. Em ambos os casos não se está referindo à qualidade sensorial do produto  aroma, sabor, doçura, etc  mas sim a parâmetros mais básicos e relevantes que podem afetar a saúde do consumidor: ausência de outros produtos, alimentícios ou contaminantes, no café e a garantia de padrões físico-químicos e biológicos mínimos no caso do leite. Assim sendo, a experiência do café encerra lições importantes que podem ser aproveitadas pelo leite.

O Selo de Pureza da ABIC nasceu de uma iniciativa da própria indústria, que criou um programa de auto-regulamentação, atitude extremamente simpática aos olhos do consumidor. Tal programa conferiu grande credibilidade a seus proponentes em um momento em que a indústria do café saía de um período de controle de preços, utilização de matéria-prima barata e conseqüente imagem debilitada. Pelo mesmo desgaste passa hoje a indústria do leite e a saída pode ser análoga: buscar a auto-regulamentação como alternativa ou complemento ao poder fiscalizador do estado, em um processo que pode recuperar rapidamente a credibilidade do setor, alavancar aumentos substanciais de consumo e trazer grandes ganhos para toda a cadeia produtiva.

Uma vez garantida a sanidade do produto, poderá a indústria a médio prazo embarcar em um programa que privilegie as características sensoriais do leite com vistas a educar o consumidor, agregar valor, segmentar o mercado e "descomoditizar" o produto, a exemplo do que está hoje buscando o Programa de Qualidade do Café (PQC) da ABIC, um programa voluntário de certificação.

Além do caráter voluntário e de auto-regulamentação dos programas de café, outra característica deles que deve ser aproveitada pelo leite é a do monitoramento dos programas por auditorias independentes e freqüentes. No caso do Selo de Pureza são coletadas amostras aleatoriamente no varejo por auditores externos que submetem o produto coletado a análises em laboratórios independentes. No caso do Selo de Qualidade há também auditorias das práticas industriais e análises sensoriais das amostras por painéis de degustadores de laboratórios credenciados, com o objetivo de tipificar o café como Tradicional, Superior ou Gourmet.

É evidente que embora afins e freqüentemente consumidos misturados, o leite e o café são produtos diferentes, provenientes de cadeias produtivas muito diferentes. Entretanto, devidamente adaptadas, as experiências e lições do café podem ser adequadamente aplicadas ao leite.

Há duas áreas importantes para a certificação em que o leite diverge do café. O leite in natura é altamente perecível enquanto o grão de café pode ser armazenado por longo tempo. A maneira como o leite é manipulado e mantido entre a produção e a industrialização é mais determinante de sua sanidade alimentar e tem maior impacto em sua qualidade sensorial do que no caso do café. Estas divergências não invalidam a utilização da experiência do café com selos de pureza e qualidade; ao contrário a recomendam mais fortemente, com as devidas adaptações, pois seus benefícios serão ainda maiores para o consumidor, a saúde pública e a indústria.

Manter a qualidade do leite deve ser uma preocupação tanto do produtor quanto da indústria, pois é justamente neste trajeto que o leite recebe as principais contaminações, que acabam levando à perda de qualidade e até mesmo à sua deterioração. Neste sentido, a indústria pode começar pela implantação de um programa de orientação e educação do produtor, associando a este o pagamento por qualidade, o que traz ganhos para todos os envolvidos na cadeia, ou seja, produtor, indústria e consumidor.

Cabem ao produtor os cuidados iniciais, que vão desde o controle sanitário para garantia da saúde do animal, passando por uma ordenha higiênica, uma alimentação planejada em quantidade e qualidade realizada após a ordenha e terminando com o resfriamento do leite à temperatura de 4°C ou menos em tanques de refrigeração. Para a indústria, fica a responsabilidade de retirar o leite da fazenda em no máximo dois dias e transportá-lo em caminhões tanques isotérmicos até o local de processamento, onde deverão ser feitas análises para verificação de qualidade, para em seguida ser submetido ao tratamento térmico adequado.

A aplicação e a manutenção dos cuidados acima se refletem na melhoria da sanidade do leite e impactam diretamente na sua qualidade sensorial. Um produto que apresenta carga microbiana inicial baixa, ausência de odores e/ou gostos estranhos absorvidos do ambiente ou pela ingestão de alimentos de má qualidade, bem como a aplicação de tratamento térmico não abusivo, resultará em um leite com menos defeitos de sabor, alta qualidade sensorial e maior vida de prateleira. A exemplo do que acontece hoje com o café, o leite poderá ser avaliado sensorialmente por degustadores treinados, obtendo uma pontuação e classificação. O resultado de todas essas ações poderá estimular o aumento do consumo interno e também das exportações de leite e seus derivados.

Como cerca de 75% do leite fluído consumido no país é longa vida (UHT), ficando os demais 25% com o leite pasteurizado, o foco imediato de um programa de certificação de qualidade deve ser exatamente o leite mais demandado pelo mercado, inclusive porque é o produto que foi objeto da recente divulgação de fraudes. A certificação do leite longa vida poderia depois ser estendida aos outros produtos quando e se oportuno. No curto prazo deve ser evitada uma certificação abrangente, de todos os tipos de leite, pois dificultaria sua implantação e diluiria esforços.

A importância do leite na alimentação do brasileiro e a magnitude dos riscos expostos pelas fraudes recentes tornam imperativas ações nessa área para proteger a saúde do consumidor. A indústria do leite longa vida tem duas opções: continuar a ser fiscalizada pelo estado, como já o é hoje, quiçá assumindo o papel de vilã da história, ou iniciar um programa de auto-regulamentação, assim se posicionando como grande defensora do consumidor.

As indústrias que produzem leite longa vida não são muitas e estão reunidas numa associação forte, o que deveras facilita a concepção e implantação de um programa de auto-regulamentação. Por outro lado, a legislação federal hoje existente é boa e fornece o suporte necessário para uma certificação independente, que não só reforçaria os esforços governamentais nessa área como demonstraria a vontade da indústria em proteger os interesses do consumidor.

As características da cadeia produtiva do leite permitem antever que, num programa de auto-regulamentação, a abordagem dos conceitos de sanidade alimentar e qualidade sensorial poderá ser simultânea ou evoluir rapidamente do primeiro para o segundo, ao contrário do café onde se levou quase 15 anos para passar do conceito de sanidade alimentar (selo de pureza) para qualidade sensorial (selo de qualidade). São muitas as vantagens da abordagem dos dois conceitos simultaneamente ou em rápida sucessão. Para os produtores e a indústria abrem-se possibilidades de segmentação de mercado, agregação de valor e "descomoditização" do produto. O governo ganha um aliado forte em sua atividade fiscalizadora e se beneficia também da agregação de valor e diversificação do negócio. Já o consumidor ganha uma dupla garantia de qualidade, do governo e da indústria, passa a conhecer melhor as características nutricionais e sensoriais do leite longa vida e, no curto ou médio prazo, tem novas opções deste tipo de leite disponíveis no mercado.

Um programa de auto-regulamentação da indústria do leite longa vida será certamente uma iniciativa "ganha-ganha" se bem concebido e implementado. Para aqueles que perguntam quem pagará a conta, vale lembrar que no caso do café cada Real investido pela indústria no programa de pureza gerou a médio prazo cerca de quarenta Reais de vendas anuais adicionais, valor este que se repete a cada ano.

CARLOS HENRIQUE JORGE BRANDO

Engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP; pós-graduação à nível de doutorado em economia e negócios no Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA; sócio da P&A Marketing Internacional, empresa de consultoria e marketing na área de café

GEORGIANA SÁVIA BRITO AIRES

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ADIMAR LEONEL SOUTO

MINAS GERAIS - REVENDA DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS

EM 11/12/2007

Tudo isto que está acontecendo com o leite provavelmente acontece na maioria dos outros segmentos, pois é uma forma de satisfazer a ganância e sensação de lucro fácil, esquecendo-se que leite é um alimento vital para a saúde humana e consumido em grande percentual por crianças e pessoas debilitadas.

Entendo que o melhor a fazer, embora não seja fácil, é um trabalho de conscientização, iniciando-se com o produtor e finalizando na indústria, mostrando que aquele produto mal produzido ou adulterado poderá estar sendo consumido pelo próprio produtor ou por alguns de seus entes queridos em algum lugar do planeta, e que com certeza aquele lucro obtido de forma "fácil" se tornará muito caro com o desfecho de nossa própria falta de responsabilidade.

ADIMAR SOUTO
ESTÊVÃO DOMINGOS DE OLIVEIRA

CAÇU - GOIÁS

EM 27/11/2007

Até que enfim parece que a cadeia produtiva do leite brasileiro está acordando para a realidade...
L. AGUIAR

ARAXÁ - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 23/11/2007

Acho que um selo de qualidade para o leite seria um golpe de marketing que até poderia ajudar na exportação. Mas existem atitudes muito mais simples para melhorar a qualidade do leite, como a melhoria das estradas rurais, o que evitaria que o leite demorasse muito a chegar à indústria, não teria sua acidez aumentada e não haveria a necessidade de usarem soda.

O produtor não tem como colocar nada no leite que produz, pois os laticínios fazem análises antes da coleta e pelo menos a cada quinze dias são feitas análises mais completas em laboratório oficial. Se for feito uma fiscalização nas indústrias, como é feito nas fazendas, seria quase impossível haver fraudes.

Quanto ao sabor, acho que o consumidor não está muito preocupado com esse detalhe. Nos anos sessenta, eu sempre tomava leite cru na fazenda. O gosto era outro, mas as pastagens eram naturais de capim Jaraguá e gordura. Não se usava produtos químicos no combate a parasitas e o gado era de raça azebuada e produziam em média três litros de leite por dia. Hoje as coisas mudaram.

O gado tem sangue de raças européias e produz leite magro e em grande quantidade. As pastagens são artificiais e adubadas e se produz a base de ração e hormônios, o que não acontecia antes. Quanto ao café, fico na dúvida quanto à qualidade do consumido no mercado interno. Existe um grande comércio de casca melosa e café não aceito para exportação. Acho que o produto que consumimos é de muito baixa qualidade e os melhores são exportados. Quem já consumiu café produzido em terras férteis sem adubo e agrotóxico sabe disso.

Lucas Ferreira de Aguiar.
CLEBER MEDEIROS BARRETO

UMIRIM - CEARÁ

EM 14/11/2007

Perfeita a analogia "café com leite", e com autoridade de uma parceria que vem de muito tempo. Quem é que no Brasil não conhece o popular PINGADO tomado nas primeiras horas do dia no corre corre dos grandes centros.
Como citado, são muitos os exemplos ocorridos com o CAFÉ, que no mínimo daria indícios para a mente mais desprovida de maldade que o caminho existe. Resta-nos saber (decisão da indústria) se na histórica e atual conjuntura vale a pena ($$) COMPRAR leite de qualidade de poucos produtores ou se é mais econômico navegar num mar de bilhões de litros de leite podre, numa aparente calmaria (produtores desorganizados) imposta de forma medíocre pela indústria, o que se evidencia no oportunismo (ind.oligopsônica) praticado. Entendo que isto é uma questão encerrada. Como falamos aqui pelo Nordeste: Agora ou vai ou racha!!!

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