No Brasil a ovinocultura vive um momento de crescente expansão e seguindo esta tendência, diversas universidades e institutos de pesquisas vêm desenvolvendo projetos na área. Entretanto, apesar de atualmente a carne ser o principal enfoque, tem-se observado um crescente interesse pela exploração da produção de leite, área carente de pesquisa e desenvolvimento de processos produtivos, principalmente pelo valor agregado que seus derivados possuem no mercado.
Considerando que o país importa queijos de leite de ovelha, ao gerar conhecimento e difundi-lo ao meio criatório brasileiro, podemos agregar valor ao sistema de criação e viabilizar a ovinocultura em pequenas e médias propriedades rurais espalhadas pelo Brasil. Sabendo que a capacidade de produzir leite dos ovinos, pelas características peculiares do próprio leite e da espécie, é menor do que de vacas, búfalas e algumas cabras, temos enquanto especialistas, que adquirir conhecimento e desenvolver técnicas que otimizem ao máximo a produção de leite.
Os países europeus, além de tradicionais na exploração comercial da ovinocultura, seja para corte, seja para leite, há cerca de cinco décadas se organizaram e elegeram uma ou duas raças com características potencialmente leiteiras e passíveis de melhoramento. É por isso que hoje, têm-se poucas raças realmente leiteiras e com nacionalidades distintas.
A produção de leite na Europa foi também uma estratégia para fixação dos produtores rurais em suas terras, diminuindo assim, o êxodo rural europeu, juntamente com o registro de denominação de origem para alguns queijos ovinos, valorizando-os ainda mais e capitalizando os produtores, que na sua grande maioria utilizam mão-de-obra familiar.
Abaixo é apresentado o mapa da região mediterrânea, região que concentra os maiores produtores de leite ovino. Em amarelo, os países produtores mais importantes. Apesar da França ser mundialmente conhecida pelos diversos tipos de queijos de leites bovino, caprino e ovino, com um dos queijos ovinos mais conhecidos do mundo (Roquefort), o país maior produtor de leite ovino é a Itália, com a maior bacia leiteira na região da Sardenha.
Mapa da região do Mar Mediterrâneo - bacia leiteira ovina no mundo.
Amarelo: Principais países produtores de leite;
Verde: Países produtores de leite (menor expressão).
Hoje, além dos países europeus, alguns do Oriente Médio, como Israel, também apresentam uma produção considerável de leite, seguidos pelos Estados Unidos e Canadá que iniciaram estudos e produção comercial de leite há pouco mais de 10 anos, e graças a forte atuação da extensão universitária junto aos criadores, os Estados Unidos já contam com mais de 100 produtores, principalmente no norte do estado de Wisconsin, bacia leiteira americana de leite bovino (THOMAS, 1998).
No Brasil, os primeiros registros encontrados da atividade leiteira foi em 1992, com a importação dos primeiros exemplares da raça Lacaune por empresários gaúchos e somente 12 anos depois, iniciaram-se os primeiros experimentos totalmente direcionados para a produção comercial de leite, pela FMVZ-UNESP-Botucatu, gerando conhecimento científico em condições brasileiras, ou seja, em clima tropical e com o decorrer dos anos, a geração de mão-de-obra especializada. Hoje, o Brasil conta com apenas 2 laticínios de leite ovino com serviço de inspeção federal (SIF) e alguns outros poucos e pequenos produtores de queijo ovino.
O leite de ovelha possui algumas características peculiares importantes e que podem fazer muita diferença do ponto de vista econômico caso não sejam consideradas, e a intenção é discuti-las ao longo de alguns artigos. Como exemplo: os sistemas produção de leite, a importância da morfologia do úbere, as características importantes de algumas raças, a importância da alimentação nos ovinos leiteiros, como o manejo dos cordeiros pode influenciar na produção e no retorno econômico da atividade, o comportamento das ovelhas na ordenha e os mecanismos fisiológicos que agem neste momento, entre outros.
Várias raças de ovinos dos trópicos e subtrópicos, (leiteiras ou não), apresentam produção de leite diária variando de 0,06 a 3,50 litros (GATENBY, 1986; BOCQUIER & CAJA, 1999; COWAN et al., 1981). Fatores como raça, ambiente, método de mensuração da produção de leite, idade da ovelha, estágio da lactação, número de cordeiros amamentados, técnicas de ordenha, estado sanitário e infecções de úbere, manejo do rebanho e nível nutricional durante a gestação e lactação são responsáveis por variações na produção e na qualidade do leite de ovelhas (LABUSSIÈRE, 1988; PEETERS et al., 1992; BENCINI & PULINA, 1997).
A produção de leite depende do número e atividade de secreção das células epiteliais da glândula mamária (ZAMIRI et al., 2001). Após o parto, semelhante ao que acontece com vacas leiteiras, as ovelhas iniciam uma fase ascendente de produção, involução dos órgãos reprodutivos, recuperação da capacidade de ingestão e do escore corporal e mudanças fisiológicas relacionadas com a produção de leite e cuidados com a prole (dependendo do manejo), refletindo principalmente nas exigências nutricionais e saúde do sistema imunológico destas matrizes. O número de células mamárias secretoras de leite diminui conforme a glândula mamária começa a regredir e estas mudanças são associadas com a redução na produção de leite (KNIGHT, 1989).
O potencial produtivo leiteiro das ovelhas, além do fator genético, nutricional e obviamente sanitário, está também relacionado com o manejo. A freqüência de ordenha depende do tamanho do úbere e do potencial de produção. Ovelhas de úberes menores precisam ser ordenhadas mais vezes do que ovelhas de úberes maiores, assim como ovelhas com alta produção de leite precisam ter o seu úbere esvaziado mais vezes para "liberar espaço" para a entrada de mais leite.
IZADIFARD & ZAMIRI (1997), verificaram em ovelhas Mehraban e Ghezel, que durante o período de amamentação, as que criaram cordeiros machos produziram 30% mais leite do que as que criaram fêmeas e após a desmama, o comprimento da lactação tendeu a ser maior (182,5 vs 166,7 dias) para as mães de filhotes machos (4,0 kg PV) do que fêmeas (2,8 kg PV). Segundo MARNET & NEGRÃO (2000) cordeiros gêmeos mamam por mais tempo (5,5 vs 3,5 min) e suas mães produzem mais leite (764 ± 113 vs 551 ± 86 ml) quando comparados com ovelhas com apenas um cordeiro.
Ovelhas de primeira cria produzem menos leite do que ovelhas mais velhas, e a produção máxima é geralmente alcançada na terceira ou quarta lactação, sendo que, após essa fase, a tendência é ocorrer uma redução da produção de leite por lactação (BENCINI & PULINA, 1997). No trabalho realizado por HASSAN (1995), raças nativas do Egito não diferiram significativamente na produção de leite com relação à idade, mas notou-se uma tendência de ovelhas com 3 e 4 anos, apresentarem maiores produções e persistência de lactação. Além da idade da ovelha, a produção e a composição do leite podem estar relacionadas com o estágio da lactação.
Segundo DePETERS & CANT (1992), a composição do leite pode ser afetada por fatores tanto nutricionais (composição da dieta) quanto não nutricionais (sistema de produção, comportamento, clima, sanidade, entre outros), e geralmente o aumento da produção de leite é inversamente proporcional com a concentração dos seus constituintes (HENDERSON & PEAKER, 1987).
Abaixo, quadro comparativo dos teores de proteína e gordura de diversas raças de ovelhas.
Quadro 1.Composição do leite de ovelhas de diferentes raças
Em todo o mundo, a maior parte do leite de ovelha produzido é transformado em queijos, mas há também a possibilidade de produtos como manteigas, iogurtes, doce de leite, leite condensado e sorvetes, o que nos permite enxergar um mercado de produtos diferenciados para consumidores que se preocupam com a qualidade dos alimentos que consomem e com a sua saúde.
Devido às características do leite de ovelha, com alto teor de gordura, o rendimento para a produção de queijos é muito superior aos leites de vaca e cabras (cerca de 5 litros de leite/kg de queijo), o que reflete positivamente para a indústria e também para o produtor que poderá exigir um preço diferenciado por este leite. O leite ovino é um produto que pode ter valor agregado quando transformado em queijo ou outros derivados, contribuindo para o aumento da receita do produtor rural (OCHOA-CORDERO et al., 2002).
Rico em cálcio, fósforo, algumas vitaminas (A, B12), ácidos graxos polinsaturados e outros minerais, o leite de ovelhas, assim como seus derivados são uma excelente fonte dietética de nutrientes.
Bibliografia consultada
BENCINI, R., PULINA, G. The quality of sheep milk: a Review. Wool Technology and Sheep Breeding, v.45, n.3, p.182 - 220, 1997.
BOCQUIER, F.; CAJA, G. Effects of nutrition on ewes' milk quality. 1999. Pages 1-15 in Proc. 5th Great Lakes Dairy Sheep Symp., Univ. Wisc.-Madison, Dept. Anim. Sci. and Univ. of Vermont, Cntr. Sustainable Agric. 1999.
COWAN R.T.; ROBINSON J.J.; MC HATTIE I.; PENNIE K. Effects of protein concentration in the diet on milk yield change in body composition and the efficiency of utilization of body tissue for milk production in ewes. Animal Production. v.33, p. 111-120, 1981.
DePETERS, E.J., CANT, J.P. Nutritional factors influencing the nitrogen composition of bovine milk: a review. Journal of Dairy Science , v.75, p.2043-2070, 1992.
GATENBY, R.M. Sheep Production in the Tropics and Sub-tropics. Longman. London, p.202-216, 1986.
HASSAN, H.A. Effects of crossing and environmental factors on production and some constituents of milk in Ossimi and Saidi sheep and their crosses with Chios. Small Ruminant Research, v.18, p.165-172, 1995.
HENDERSON, A.J., PEAKER, M. Effects of removing milk from the mammary ducts and alveoli, or of diluting stored milk , on the rate of milk secretion in the goat. Experimental Physiology, v.72, p.13-19, 1987.
IZADIFARD, J., ZAMIRI, M. J. Lactation performance of two iranian fat-tailed sheep breeds. Small Ruminant Research, v.24, p.69-76, 1997.
KNIGHT, C.H Constraints on frequent or continuous lactation. Proceedings of the Nutrition Society, v.48, p.45-51, 1989.
LABUSSIÈRE, J. Review of physiological and anatomical factors influencing the milking ability of ewes and the organization of milking. Livestock Production Science, v.18, p.253-274, 1988.
MARNET , P. G., NEGRÃO, J. A. The effect of a mixed-manegement system on the release of oxytocin, prolactin, and cortisol in ewe during suckling and machine milking. Reproduction Nutrition Development, v.40, p.271-281, 2000.
OCHOA-CORDERO, M. A., HERNÁNDEZ, G. T., ALFARO, A. E. O., ROQUE, L. V., MANDEVILLE, P. B. Milk yield and composition of Rambouillet ewes under intensive management. Small Ruminant Research, v.43, p. 269 - 274, 2002.
PEETERS, R., BUYS, N., ROBIJNS, L., VANMONTFORT, D. e ISTERDAEL, J.V. Milk yield and milk composition of Flemish Milksheep, Suffolk and Texel ewes and their crossbreds. Small Ruminant Research, v.7, p.279-288, 1992.
THOMAS, D. L. Dairy sheep basics for beginners. 1998. Pages 70-77 in Proc. 4th Great Lakes Dairy Sheep Symp., Univ. Wisc.-Madison, Dept. Anim. Sci.
ZAMIRI, M. J, QOTBI, A., IZADIFARD, J. Effect of oxytocin on milk yield and lactation length in sheep, Small Ruminant Research, v.40, p.179-185, 2001.