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O manejo de vacas leiteiras no período de transição é tema bastante desafiador para técnicos e produtores de leite. E quanto mais produtivo é o rebanho, maior o desafio. No período pré-parto a preocupação maior é dar conforto às vacas e oferecer uma dieta que proporcione ingestão máxima de nutrientes, considerando que nessa fase o consumo voluntário começa a cair e instala-se o balanço negativo de nutrientes, em que a quantidade de nutrientes ingerida passa a não atender totalmente a demanda por energia e proteína, e as vacas precisam recorrer às reservas corporais.
Muita atenção é dada ao balanço energético negativo, mas o balanço proteico negativo no período de transição pode ser igualmente importante e danoso. Se nessa fase as vacas passarem por deficiência de proteína metabolizável (PM), terão que degradar fontes proteicas armazenadas nos músculos e outros tecidos corporais para poder atender à demanda por aminoácidos (AA). As estimativas de pesquisas específicas sobre o tema apontam que durante os 7 a 10 primeiros dias da lactação, vacas leiteiras de alta produção podem ter de mobilizar até 1000g (1 kg) de proteína dos tecidos corporais diariamente para atender a demanda da glândula mamária por AA e glicose.
Apesar de a mobilização proteica ser necessária para compensar o suprimento insuficiente de energia e proteína vindos da dieta, se a mobilização for excessiva, o risco de ocorrência de distúrbios metabólicos e prejuízo ao sistema imune será maior, bem como o risco de limitação ao desempenho produtivo e reprodutivo. No entanto, os efeitos do balanço proteico negativo podem não ser apenas devido à menor disponibilidade de proteína metabolizável por conta da menor ingestão, pode haver um efeito da qualidade da PM, especialmente seu balanço de AA.
Recentemente uma série de estudos desenvolvidos na Universidade de Illinois nos EUA se dedicou a avaliar os benefícios da adição de metionina à dieta das vacas em transição, com resultados bastante interessantes. A metionina tem várias funções biológicas importantes, como seu papel na síntese de lipoproteínas pelo fígado, substrato para reações antioxidantes, e participação no sistema imune. Dentre estes, talvez o papel mais importante a nível hepático seja atuar como agente lipotrópico, estimulando a síntese de VLDL, a principal lipoproteína utilizada por ruminantes para transporte de lipídios pela corrente sanguínea. Quanto maior a quantidade de VLDL disponível no fígado, maior será a capacidade desse órgão de exportar gorduras, de forma que sua deposição no fígado seja reduzida, o que pode minimizar a ocorrência de alguns distúrbios metabólicos, como a esteatose hepática (Síndrome do Fígado Gorduroso). Outro papel importante da Met é como substrato para síntese de glutationa, que é o principal agente antioxidante natural produzido pelo fígado, e é esperado que se houver maior disponibilidade de glutationa no organismo, o sistema imune será favorecido.
Apesar de já haver uma base de dados sólida sobre o papel da Met no organismo animal, ainda há um número limitado de estudos avaliando a eficácia da suplementação desse AA para vacas no período de transição. O trabalho de Osório et al (2013) avaliou a utilização da 2 fontes de Met como suplemento alimentar para vacas leiteiras, desde 3 semanas antes do parto até 30 dias em lactação. 45 vacas secas foram utilizadas no experimento. Entre 50 e 21 dias antes da data prevista para o parto (DPP) todas receberam a mesma dieta (para vacas em período seco inicial). Entre 21 dias da DPP e a data do parto todas passaram a receber a mesma dieta basal (para vacas em pré-parto), sendo que um grupo recebeu suplementação extra de MetaSmart® (0,19% da MS), outro grupo recebeu suplementação extra da Smartamine® (0,07% da MS) e o terceiro grupo foi mantido na dieta basal. Após o parto a dieta basal passou a ser uma formulação típica para vacas em lactação, mantendo-se os mesmos grupos e respectivas suplementações extras com as diferentes fontes de Met.
As diferentes dietas experimentais foram formuladas para apresentarem diferentes relações Lisina:Metionina na PM, entre as dietas basais e as suplementadas com Met. A meta era conseguir valores em torno de 2,9:1 (Lis:Met), o que é considerado ideal para desempenho de vacas leiteiras, segundo diversos trabalhos de pesquisa realizados na área (Chen, et al., 2011; Ordway et al., 2009; Rulquin, et al., 2006). A tabela 1 mostra os resultados principais observados no estudo em questão:
De maneira geral, a suplementação com Met resultou em maior CMS pós-parto, notadamente após a primeira semana de lactação, segundo observação dos autores. Observou-se também efeito positivo da suplementação com Met sobre a produção de leite e teor de proteína do leite. Esses resultados confirmam a importância de proporcionar teor ótimo de Met para fazer o ajuste fino do perfil de AAE na PM para vacas em início de lactação. Os valores observados para CMS e produção de leite foram responsáveis por um efeito pronunciado da suplementação com Met sobre a eficiência alimentar (kg de leite corrigido para gordura/kg CMS). Além dos efeitos sobre o desempenho produtivo, os autores também relatarem menor incidência de distúrbios metabólicos pós-parto nas vacas que receberam a suplementação com Met. Possivelmente isso esteja intimamente associado ao maior CMS apresentado pelas vacas suplementadas.
Os resultados desse estudo mostram que a suplementação com qualquer uma das fontes de Met testadas, desde que os níveis de Lisina permitam alcançar relação Lis:Met em torno de 2,9:1, podem melhorar o desempenho produtivo de vacas leiteiras no período de transição. Pelo menos em parte, esse efeito pode ser resultado do maior CMS apresentado pelas vacas que receberam metionina. Este estudo também envolveu uma avaliação do metabolismo das vacas nesse período, bem como uma avaliação da expressão de alguns genes ligados à resposta inflamatória ao stress do periparto. Esses trabalhos acabam de serem publicados no Journal of Dairy Science (Osorio et al. 2014a, 2014b).
O primeiro deles avaliou a variação na concentração de alguns biomarcadores de resposta inflamatória e stress oxidativo no sangue e fígado das vacas, e os animais suplementados com metionina apresentaram nos primeiros dias da lactação maior concentração sanguínea de albumina, que é um indicador de melhor função hepática e maior concentração de carnitina fosfatidilcolina no fígado, o que indica maior capacidade de β-oxidação de ácidos graxos e síntese de VLDL, processos metabólicos importantes para melhorar o metabolismo de gorduras, de forma que as vacas nessa condição tendem a apresentar menor incidência de alguns problemas típicos do pós-parto imediato como cetose e esteatose hepática. Além disso, a concentração hepática de glutationa, um importante anti-oxidante, também foi significativamente maior nas vacas suplementadas com metionina, o que reforça o melhor status metabólico das vacas suplementadas com o aminoácido.
O segundo estudo mostrou que a suplementação com Met afetou positivamente a expressão de genes ligados ao metabolismo de metionina e glutationa, resposta inflamatória, stress oxidativo e processos de metilação de DNA. De maneira geral os resultados mostraram uma melhor condição metabólica das vacas que receberam metionina, de forma que esses animais sofreram menos os efeitos do stress associado ao período de transição, especialmente no que se refere ao funcionamento do fígado e combate ao stress oxidativo. Animais que conseguem manter a função hepática em melhor nível conseguem lidar melhor com a mobilização excessiva de gordura no período de transição, e tendem a apresentar menor incidência de cetose. Os dados do primeiro estudo, mostrando aumento no CMS no pós-parto imediato corroboram essa tese.
Obviamente esse tema demanda mais estudos, mas os resultados apresentados nessa série de estudos lançam uma nova luz sobre o manejo de vacas em transição. Pelo que encontraram os autores dos trabalhos, a suplementação com metionina pode ser uma ferramenta poderosa para melhorar o desempenho de vacas leiteiras, especialmente as de produção elevada.
Referências:
Chen, Z. H., G. A. Broderick, N. D. Luchini, B. K. Sloan, and E. Devillard. 2011. Effect of feeding different sources of rumen-protected methionine on milk production and N-utilization in lactating dairy cows. J. Dairy Sci. 94:1978–1988.
NRC. 2001. Nutrient Requirements of Dairy Cattle. 7th ed. Natl. Acad. Press, Washington, DC.
Ordway, R. S., S. E. Boucher, N. L. Whitehouse, C. G. Schwab, and B. K. Sloan. 2009. Effects of providing two forms of supplemental methionine to periparturient Holstein dairy cows on feed intake and lactational performance. J. Dairy Sci. 92:5154–5166.
Osorio, J. S., Ji, P., Drackley, J. K., Luchini, D., Loor, J. J. 2013. Supplemental Smartamine M or MetaSmart during the transition period benefits postpartal cow performance and blood neutrophil function. J. Dairy Sci. 96 :6248–6263.
Osorio, J. S., Trevisi, E.; Ji, P., Drackley, J. K., Luchini, D., Bertoni, G.; Loor, J. J., 2014. Biomarkers of inflammation, metabolism, and oxidative stress in blood, liver, and milk reveal a better immunometabolic status in peripartal cows supplemented with Smartamine M or MetaSmart. J. Dairy Sci. 97 :7437-7450.
Osorio, J. S., Ji, P., Drackley, J. K., Luchini, D., Loor, J. J., 2014. Smartamine M and MetaSmart supplementation during the peripartal period alter hepatic expression of gene networks in 1-carbon metabolism, inflammation, oxidative stress, and the growth hormone–insulin-like growth factor 1 axis pathways. J. Dairy Sci. 97 :7451-7464.
Rulquin, H., B. Graulet, L. Delaby, and J. C. Robert. 2006. Effect of different forms of methionine on lactational performance of dairy cows. J. Dairy Sci. 89:4387–4394.