Levantamento realizado pelo Prof. Sebastião Teixeira Gomes (Diagnóstico da Produção de Leite no Estado de Goiás, 2005), mostra que apenas 45 cabeças de um total de 97 animais existentes, em média, em cada uma das 500 propriedades analisadas em Goiás eram vacas, ou seja, apenas 46% do rebanho estava apto a produzir. Mas, a situação era ainda pior considerando-se a quantidade de animais em produção nesses rebanhos: do total de 45 vacas somente 26 (26,8% do rebanho) estavam em lactação e poderiam efetivamente contribuir com a geração de receitas na fazenda; os problemas apresentados pelas demais vacas eram relacionados à reprodução e a falta de especialização dos animais, fato que as impede de ter uma lactação prolongada.
Em Minas Gerais, diagnóstico realizado no mesmo ano e pelo mesmo autor em 1.000 propriedades distribuídas por todo o Estado apresentava um rebanho total médio também de 97 cabeças (coincidentemente igual ao total de cabeças das propriedades de Goiás) composto por somente 34,3 vacas (35,3% do rebanho), sendo que, em média, apenas 22,7 vacas (23,4% do rebanho) estavam em produção no decorrer do ano.
Grande parte dos produtores desconhece o impacto negativo que a composição inadequada do rebanho tem sobre a renda da propriedade leiteira. Um rebanho adequadamente estruturado deve possuir em torno de 64 % da sua composição em vacas, e o restante, 36%, deve ser composto por bezerras e novilhas. Do total de vacas do rebanho, no mínimo 83% deveriam estar em lactação, mantendo assim 53% de vacas em lactação em sua composição (83% de vacas em lactação x 64% de vacas no rebanho). Se fosse realizado um processo de estruturação de rebanho nas propriedades avaliadas nos estudos citados, do total de 97 cabeças ao menos 62 deveriam ser vacas (97 cabeças x 64% de vacas) e, dessas, 51 deveriam estar lactação (62 cabeças x 83% de vacas em lactação), ou seja, 24 e 27 vacas em lactação a mais que o diagnosticado em Goiás e Minas Gerais, respectivamente.
Com mais vacas em lactação, estas propriedades produziriam também mais leite. Em Goiás, considerando-se a média diagnosticada de 8,17 litros por vaca em lactação, a propriedade que optasse pela estruturação do rebanho nos moldes apresentados teria 51 vacas em lactação produzindo um total de 416 litros/dia, contra os 245 litros produzidos na situação encontrada pelo levantamento, isto é, 70% a mais de leite produzido a um custo certamente mais baixo, devido ao menor número de bezerras e novilhas mantidas na propriedade. Em Minas Gerais, o impacto da estruturação seria maior ainda, pois com média de produção por vaca em lactação de 8,10 litros, a nova estrutura de rebanho nas propriedades do Estado, que passariam a ter 51 vacas em lactação, permitiria a produção diária de 413 litros/dia, contra a produção diagnosticada de 184 litros, ou seja, aumento de 124%.
A maior participação de bezerras e novilhas na estrutura aumenta o ritmo de crescimento do rebanho, porém aumenta os custos do sistema em um ambiente de menor geração de renda, pela menor participação das vacas no processo produtivo. O excesso de animais em crescimento, tanto fêmeas como machos (grande parte das propriedades leiteiras ainda fazem a recria dos machos!), é justificado pelo produtor como se isso representasse uma espécie de poupança para os momentos de dificuldades enfrentados pela atividade, porém este argumento deixa de fazer sentido pelo fato de que só se faz poupança quando existe alguma sobra de capital, situação relatada por poucos produtores com rebanhos desestruturados. No caso da recria de machos leiteiros, seu resultado econômico é muito baixo, normalmente estes animais custam mais que um bezerro nelore quando computamos todos os seus gastos, principalmente aqueles relacionados ao consumo de leite do nascimento até o momento da desmama. Além disso, os machos oriundos de vacas leiteiras, mesmo os mestiços, apresentam um baixo desempenho zootécnico quando comparados a animais especializados na produção de carne. Com poucos animais gerando receita (baixo número de vacas em lactação pela desestruturação do rebanho, além de problemas reprodutivos e vacas com baixa persistência de lactação) a fazenda tem dificuldades de gerar renda para o custeio operacional de suas atividades e, por isso, não consegue criar adequadamente o excesso de animais em crescimento.
Os produtores que optam pela venda de parte ou de todos os animais em crescimento, buscando a estruturação adequada do rebanho, possuem dois benefícios imediatos. O primeiro deles é a rápida redução do custo de produção em função de um número menor de animais que geram despesas, o que acaba por facilitar também a questão gerencial do negócio, que passa a contar com uma atividade a menos no dia-a-dia da propriedade. O segundo benefício é o fato do produtor poder fazer caixa rapidamente, garantindo capital para estruturar a fazenda com as vacas já existentes ou ainda adquirir outras, o que aumentaria a quantidade de leite vendido e, por consequência, a renda gerada pelo negócio.
A maioria dos produtores passa por uma série de dificuldades financeiras na propriedade sem se dar conta dos motivos, o que os impede de tomar as providências necessárias para solucionar os problemas. São muito comuns fazendas leiteiras com grande crescimento patrimonial anual, porém com muitas dificuldades de fluxo de caixa. Na maior parte desses casos, o problema está relacionado à desestruturação do rebanho que, ao mesmo tempo que promove o aumento do número de animais, eleva custos operacionais da fazenda e impede uma maior geração de renda em função de existirem categorias improdutivas onde poderiam estar vacas em produção. O problema pode se agravar a ponto da propriedade abandonar a atividade, como no exemplo que veremos a seguir.
Alguns anos atrás foi anunciada a liquidação do rebanho uma fazenda produtora de leite, e o folder que anunciava o leilão da fazenda ofertava:
Por essas informações, foi possível desenhar a estrutura produtiva da fazenda:
De imediato, é possível perceber a desestruturação do rebanho, representada, principalmente, pela baixa porcentagem de vacas em sua composição, 41%, quando o ideal seria a propriedade manter ao menos 64%. Com isso, a porcentagem de bezerras e novilhas extrapolava a quantidade adequada (59% ao invés de 36%). A produção de leite nesta situação não ultrapassava os 4.500 litros/dia.
Vamos analisar agora como ficaria a situação desta fazenda caso fosse feito um trabalho de ajuste nas categorias animais, de maneira a aproximar o rebanho de uma estrutura de composição ideal.
Após o processo de estruturação do rebanho, com aumento da participação de vacas (64%), a fazenda passaria a trabalhar com um total de 358 vacas, neste caso 128 a mais que na situação anterior, o que impactaria em um aumento de 109 vacas em lactação no decorrer do ano (304 vacas em lactação contra 195 da situação inicial). Mantendo-se a média de produção do rebanho em 23 litros/vaca, a fazenda passaria a produzir, após a estruturação, 6.992 litros/dia (304 vacas em lactação x 23 litros/dia), frente os 4.485 litros/dia produzidos anteriormente, representando um aumento de 2.507 litros (55,9 %). Mas, os benefícios não parariam por aí, a fazenda teria também uma redução em suas despesas em função do menor número de animais em crescimento. Se consideramos um custo de R$ 3,00/dia para recriar adequadamente um animal em crescimento, teríamos a seguinte situação:
Nota-se que, após a estruturação do rebanho, as despesas com a recria diminuiriam de R$ 0,22/litro para R$ 0,086/litro, representando uma redução de R$ 0,134/litro no custo do leite produzido na fazenda. Em relação aos valores desembolsados, após a estruturação do rebanho as despesas diárias com a recria seriam diminuídas em R$ 384,00/dia (diferença entre os R$ 990,00 de gasto diário da estrutura encontrada e os R$ 606,00 de gasto da estrutura ideal), promovendo uma economia anual de R$ 140.160,00 (R$ 606,00 x 365 dias). O acréscimo de produção de leite diário de 2.507 litros permitiria que mais 915.055 litros fossem vendidos anualmente pela fazenda, o que garantiria, hoje, uma renda mínima de R$ 900.000,00 a mais que o obtido com a fazenda antes do processo de estruturação.
"Somando-se o menor valor desembolsado com a recria e o acrescido com a maior venda de leite, a estruturação do rebanho permitiria que mais de R$ 1.140.000,00 de receita estivesse disponível anualmente para a atividade e, neste caso, o produtor provavelmente não teria liquidado seu rebanho."
Caso o produtor opte por uma mudança mais radical de seu sistema de produção, desfazendo-se de todos os animais em crescimento e, assim, mantendo a estrutura de rebanho de uma fazenda neozelandesa na sua propriedade, será necessário adquirir animais no mercado sempre que precisar repor ou aumentar o rebanho. Em uma situação como a nossa, na qual a produção de leite ainda busca especialização, não é tão simples encontrar animais ou rebanhos que possam ser adquiridos e que ofereçam ao comprador garantia de qualidade, sanidade e procedência a preços compatíveis com a rentabilidade do negócio. Uma saída seria a criação de centros de recria de animais, fazendas especializadas na produção de matrizes leiteiras para o mercado. Essas fazendas teriam a incumbência de adquirir as bezerras junto aos produtores que não tivessem o interesse de manter a recria na propriedade e se responsabilizariam por recriá-los de modo zootecnicamente adequado, garantindo principalmente a sanidade dos animais, questão de fundamental importância para os produtores que buscam o incremento do rebanho com animais vindos de fora da propriedade. A fazenda de recria também é uma excelente oportunidade de negócio para o produtor que busca uma atividade ligada ao leite que não seja a produção, ou para empresas da área que desejam fomentar o desenvolvimento de seus fornecedores, retirando das propriedades animais em crescimento improdutivos e disponibilizando vacas aptas para colaborar com o aumento do volume de leite produzido nas fazendas.
O sucesso da atividade leiteira depende, em muitas situações, da estratégia que adotamos para superar os momentos de dificuldades. O produtor não tem, necessariamente, que manter um rebanho estruturado na fazenda, principalmente em períodos nos quais se busca a expansão do rebanho, mas ele tem que estar ciente das implicações econômicas que tal estratégia traz sobre a atividade e sobre os riscos que corre quando opta por priorizar o futuro, representado pelos animais em crescimento, em detrimento das necessidades, normalmente urgentes, do presente. Em uma atividade tão complexa como a produção de leite, para se manter firme é preciso estrutura!