De acordo com dados do Sebrae de São Paulo, oriundos do trabalho intitulado “10 anos de Monitoramento da Sobrevivência e Mortalidade das Empresas”, entre os anos de 2000 e 2005, 27% dos negócios fecharam as portas com menos de um ano de vida e 62% encerraram suas atividades antes dos cinco anos. As empresas analisadas, neste caso, eram micro e pequenas empresas urbanas (apenas 0,4% das empresas analisadas eram do ramo agropecuário). Levantamento parecido, feito pelo IBGE em 2010, analisando empresas de todos os tamanhos, mostrou que 48,2% dos negócios criados em 2007 não existiam mais em 2010, ou seja, não sobreviveram após 3 anos de vida.
No setor rural, o produtor certamente permanece por mais tempo no negócio, e mesmo quando muda de atividade, normalmente continua na fazenda. A questão é que, saindo ou não da atividade, grande parte dos produtores não consegue evoluir a ponto de transformar sua fazenda em um negócio organizado e rentável, que possa garantir sua sustentabilidade futura. Técnicos que fazem o acompanhamento de fazendas leiteiras conhecem de perto a realidade das propriedades que abandonam o negócio, difícil é entender o porquê de tanta gente deixar a atividade sem antes procurar por ajuda. No levantamento do Sebrae, as empresas que buscaram algum tipo de consultoria relacionada ao seu negócio tiveram muito mais chances de se manter vivas e de crescer. As chances das empresas permanecerem no negócio no primeiro ano de vida aumentaram 62%, e até o quinto ano aumentaram 67% quando elas receberam algum tipo de consultoria.
A atividade leiteira tem exigido cada vez maiores investimentos em capital imobilizado, principalmente em regiões de terras valorizadas. Além disso, a necessidade de investimentos em máquinas, equipamentos e animais especializados tem dificultado a repentina mudança de uma atividade para outra. O produtor que hoje opta por sair do leite tem prejuízos maiores por não conseguir reaver o capital investido no negócio, especialmente em sistemas que necessitam de grandes investimentos em instalações que, normalmente, não são utilizadas para outras atividades. Esta afirmação vai de encontro ao que diz o IBGE ao analisar a taxa de sobrevivência das empresa a partir de dados do Cadastro Central de Empresas (Cempre): “As empresas maiores, com maior capital imobilizado, tendem a permanecer mais tempo no mercado, pois os custos de saída costumam ser elevados, dentre outros fatores. Existe uma relação direta entre o porte das empresas e a taxa de sobrevivência”. Diante da dificuldade de, simplesmente, fechar as portas ou mudar de ramo, as propriedades com maior capital imobilizado são pressionadas a buscar ganhos de eficiência pela aplicação de conceitos tecnológicos e gerenciais que garantam a evolução e a rentabilidade da atividade frente as demais opções de negócios, sob pena de amargarem grandes prejuízos, principalmente quando a saída do negócio deixa de ser apenas uma opção e passa a ser o único caminho.
Buscando entender melhor o comportamento da propriedade leiteira no decorrer dos anos e os impactos causados pelo incremento da assistência técnica no processo gerencial e produtivo da fazenda, analisaremos o caso de uma propriedade produtora de leite desde 1983. A Fazenda Arsêgo está localizada no município de Xanxerê, no Oeste do Estado de Santa Catarina, região com tradição na produção de aves e suínos, e também de expressivo crescimento da produção leiteira nos últimos anos. A propriedade chega aos 31 anos de produção com vigor renovado, conseguindo bom desempenho financeiro, mesmo em um local de terras cada vez mais valorizadas (valor do hectare superior a R$ 50.0000,00), fator que impõe uma grande pressão por rentabilidade no negócio.
VISTA AÉREA DA FAZENDA ARSÊGO - XANXERÊ/SC
A propriedade é assistida pelo Eng. Agrônomo Caciano Mafioletti, da Cooperideal, desde 2009, e apesar da condução familiar, é considerada de grande porte para os padrões da região onde está localizada. Até o ano de 2010, quando as anotações econômicas e zootécnicas passaram a ser realizadas de maneira sistemática, a produção de leite na propriedade crescia a uma taxa média de 22,4% ao ano, tendo iniciado sua atividade no ano de 1983 com 10 litros/dia e atingido 2.870 litros/dia em média no ano de 2010. Entre os anos de 2010 e 2013, período de acompanhamento técnico da propriedade, apesar da média de produção diária ter subido para 4.114 litros, o ritmo de crescimento da produção foi de 9,45%, menor, portanto, que o observado no período dos 28 anos anteriores ao trabalho técnico, indicando que nem sempre acompanhamento técnico é garantia de aumento na taxa de crescimento da produção, e que isso depende da condição inicial da propriedade, dos objetivos e das estratégias definidas para cada situação.
VACAS EM PASTEJO - FAZENDA ARSÊGO - XANXERÊ/SC
Apesar do ritmo de crescimento da produção ter diminuído no período pós assistência técnica, os ganhos econômicos aumentaram. No ano de 2010, a fazenda teve um fluxo de caixa anual de R$ 301.139,27 para uma produção anual de 1.046.447 litros, ou seja, o produtor teve como sobra 28,7 centavos de real por cada litro de leite produzido. No período de influência do trabalho de assistência técnica, o fluxo de caixa evoluiu de R$ 301.139,27, em 2010, para R$ 728.431,29, em 2013. O índice “Fluxo de caixa/litro”, que em 2010 era de 27,8, foi para 48,4 centavos de real em 2013, um aumento de 68,6% no valor do ganho da fazenda após três anos. Em 2013, o acréscimo no valor do fluxo de caixa da fazenda em relação a 2010 foi de R$ 427.292,02. As palavras do Prof. Vidal Pedroso de Faria evidenciam a importância do fluxo de caixa para a atividade leiteira: “fluxo de caixa é um índice que revela de que maneira o dinheiro é aplicado e quando existe falta de conhecimento do significado de gasto produtivo, gasta-se sem racionalidade em custeio e investimentos e não se obtém alteração no dinheiro que sobra seja na forma de margem bruta ou fluxo de caixa. Muitas vezes os gastos irracionais estão relacionados com aplicação de ‘tecnologia de ponta’ sem retorno em curto prazo. Um bom fluxo de caixa é o sonho de todo produtor porque viabiliza o processo produtivo sob o ponto de vista operacional e, em minha opinião de não economista, é o fundamento para a sustentabilidade da atividade porque permite enfrentar períodos de ‘vacas magras’. Vale lembrar que o fluxo de caixa representa o valor que efetivamente fica no bolso do produtor, sendo calculado pela diferença entre o valor de todas as receitas (venda de leite, venda de animais etc) e todos as desembolsos (pagamento de despesas de custeio e pagamento de investimentos) da atividade na fazenda.
VACAS NA ÁREA DE ALIMENTAÇÃO - FAZENDA ARSÊGO - XANXERÊ/SC
Em 2010, a fazenda recebeu pelo leite vendido, em média, R$ 0,82/litro. Já em 2013, o preço médio foi maior, R$ 1,05/litro, um crescimento médio de 8,6% ao ano no período. O custo operacional para a produção de um litro de leite na fazenda neste período subiu 4% ao ano (de R$ 0,49 em 2010 para R$ 0,55 em 2013. Neste custo, não está incluso o valor da mão de obra do produtor que, por ser definida por ele mesmo, poderia distorcer a taxa de crescimento de custos no período), influenciado pela alta nos preços dos insumos frente a uma inflação média de 6,04%. Se desconsiderarmos os aumentos de custos e de preços no período, ou seja, analisarmos a situação do negócio em 2013 com os mesmos custos operacionais e preços por litro de 2010, teremos um crescimento médio anual de 12,4% no fluxo de caixa, frente aos 24,7 % de crescimento quando se considera a evolução de custos e preços. Tal resultado indica que aproximadamente 50% da alta do fluxo de caixa está relacionada à melhoria do desempenho da fazenda, e outros 50% relacionados à melhoria de preços frente aos custos no período. Caso não houvesse melhoria nos índices do negócio, o benefício da melhoria dos preços cairia pela metade, ou poderia até ser anulado em caso de aumento excessivo de gastos. Outro ponto a ser considerado é a receita oriunda da venda de animais, que poderia ter impulsionado o aumento de renda na fazenda, porém isso não aconteceu, caindo de 10,1% em 2010 para 4,4% em 2013, indicando que a fazenda não dependia da venda de animais para aumentar seu fluxo de caixa.
Por ser um dos fatores com impacto sobre o valor de fluxo de caixa, as despesas com investimentos e, principalmente, seu direcionamento, afetam de maneira significativa o resultado econômico do negócio. Quando o investimento é feito de maneira racional, no sentido de eliminar gargalos, e no momento certo, o dinheiro aplicado contribui diretamente para uma maior geração de renda. Porém, quando é feito sem critérios específicos, em instalações e maquinário superdimensionados ou pouco utilizados, acabam por aumentar as despesas da fazenda com manutenções e depreciações, além de aumentar o valor do capital empatado na atividade. Na Fazenda Arsêgo, o total de investimentos realizados na atividade em 2010 (R$ 125.212,97) representaram 19,7% do total de despesas da fazenda no ano, destes, 64% (R$ 80.500,00) foram investidos na compra de animais (investimentos produtivos), preparando a propriedade para o aumento de produção e de renda nos anos seguintes. Em 2013, com a propriedade estruturada e a produção próxima ao limite da área (foram atingidos picos de produção de mais de 5.500 litros/dia), o nível de investimento necessário foi menor, somente 6% do total de despesas (R$ 49.114,83). Em 2010, foram necessários R$ 0,12 de investimento para cada litro produzido, em 2013 apenas R$ 0,03 por litro. A eficiência na realização dos gastos é um dos motivos que explicam a melhoria do fluxo de caixa da fazenda. Em relação à renda total da fazenda, em 2010, os investimentos representaram 13,3%, e somente 3% em 2013 (85% destes em instalações, necessárias em função do aumento do rebanho), maior sobra, portanto, para o bolso do produtor, explicando por outra ótica o aumento no fluxo de caixa do negócio.
Como visto, 64% do total dos investimentos realizados em 2010 foram destinados à compra de animais, e buscaremos entender quais as implicações desta estratégia sobre os índices da atividade. Como não houve aumento da área utilizada para a produção de leite no período 2010-2013, a aquisição de novos animais impactou diretamente o índice “Vacas em Lactação por hectare (VL/ha)” na fazenda. A estrutura do rebanho (participação de cada categoria animal na composição do rebanho), a reprodução e a persistência de lactação das vacas (fatores que interferem na % de vacas em lactação da fazenda) e a eficiência no uso da terra (capacidade de suporte da propriedade em função de sua produção de forragem), definem o índice “VL/ha”. O valor obtido por este índice, quando multiplicado pela produção média das vacas em lactação do rebanho resulta na produtividade do sistema. Em 2010, a fazenda teve, em média, 2,11 vacas em lactação/ha com uma média de 21,0 litros/vaca em lactação, atingindo uma produtividade de 16.173 litros/ha/ano (2,11 VL/ha x 21,0 litros/vaca x 365 dias); em 2013 foram 2,9 vacas em lactação/ha com uma média de 21,6 litros/vaca em lactação, assim a produtividade obtida foi de 22.863 litros/ha/ano (2,9 VL/ha x 21,6 litros/vaca x 365 dias). O ganho de produtividade obtido em 2013, em relação a 2010, foi de 6.690 litros/ha/ano ou de 434.850 litros/ano se considerarmos os 65 hectares da fazenda. Considerando que não houve mudança na estrutura do rebanho (a porcentagem de vacas em sua composição entre os anos de 2010 e 2013 foi praticamente a mesma, 57 e 56%), a porcentagem de vacas em lactação no rebanho não se alterou no período (89,1% em 2010 e 89,0% em 2013) e a produção por vaca em lactação mudou pouco (de 21,0 litros/vaca em 2010 para 21,6 litros/vaca em 2013), nos sobra analisar a capacidade de suporte da propriedade, o último fator com impacto sobre o crescimento da produtividade. A eficiência no uso da terra, que em 2010 permitia que se mantivesse 2,11 vacas em lactação/ha (137,1 VL / 65 ha), foi melhorada e, em 2013, a fazenda manteve 2,9 vacas em lactação/ha (188,6 VL / 65 ha), aumento de 51,3 vacas em lactação (37,5 %) nos 65 hectares da propriedade em relação a 2010, traduzido em mais leite e maior receita para o negócio. Este enfoque dado pelo trabalho é reforçado pelas palavras de um dos proprietários da fazenda, o produtor Laudir Arsêgo, ao opinar sobre o principal impacto do trabalho técnico na propriedade: “com a assistência técnica tivemos o aumento de animais com a mesma área de terra, desta forma aumentando a produção com qualidade e facilitando o manejo”.
O processo de intensificação no uso da terra, representado pela maior produção de forragem, se deu pela utilização em pastejo de plantas tropicais e subtropicais de alto potencial produtivo, pelo pastejo de plantas de inverno em sobressemeadura nas áreas de plantas tropicais e subtropicais, pelo pastejo de plantas de inverno semeadas nas áreas de agricultura e pela melhoria na produtividade do milho utilizado para silagem. Atualmente, a propriedade trabalha, no período do verão, com o pastejo intensivo de 12,8 hectares de Tifton 85 fertirrigados, 2 hectares de Tifton 85, em sequeiro, e mais 8 hectares de Capim Pioneiro, também em sequeiro e manejado intensivamente. No período do inverno, os animais continuam pastejando as áreas utilizadas no verão, porém agora sobressemeadas com plantas como aveia e azevém, ou seja, as áreas são pastejadas o ano todo. A necessidade extra de forragem para o período de inverno é suprida pelo fornecimento de silagem de milho. Em períodos de calor excessivo ou de muito barro, em momentos de concentração de chuvas, os animais também recebem suplementação com silagem de milho, mesmo no período do verão. Na área fertirrigada, os dejetos orgânicos são direcionados do galpão de alimentação e da sala de ordenha para um biodigestor, processados, diluídos em dois reservatórios de água e aplicados na área de pastejo, em um sistema de fertirrigação por aspersão. O uso da fertirrigação diminui os gastos com adubação nitrogenada, além de garantir a estabilidade do sistema de pastejo durante o ano, pois mesmo com volume anual adequado de chuva, sua distribuição é cada vez pior na região, sendo poucos dias de chuvas pesadas e muitos dias secos. O rebanho da fazenda é composto por 80% de animais da raça Holandesa e 20% de animais da raça Jersey, que ajudam na melhoria do teor de sólidos e, por consequência, em bonificações no preço do leite.
VACAS EM PASTEJO DE INVERNO - FAZENDA ARSÊGO - XANXERÊ/SC
A propriedade está próxima de atingir seu limite em relação ao número de animais em lactação mantidos no sistema, principalmente pela dificuldade de manejo do rebanho em período de excesso de chuvas. O desafio agora é buscar melhor desempenho animal por meio de melhorias no conforto do rebanho, porém sem alterações que venham a demandar grandes investimentos que possam elevar demasiadamente o custo de produção da fazenda, mantendo sempre uma boa margem de ganho em relação ao preço recebido pelo leite vendido, fator que garantirá a sobrevivência do negócio mesmo em momentos de preços baixos.
FAMÍLIA ARSÊGO
Não é simples o gerenciamento de uma atividade como a produção de leite, que exige dedicação e preparo de todos os envolvidos no processo, porém, como visto, pode ser uma excelente opção de negócio. A permanência da fazenda produtora de leite na atividade no longo prazo dependerá de sua intensidade na busca pelo progresso, pela melhoria constante e evolução diária, que garantirá que seja e permaneça competitiva no decorrer dos anos. A definição e o respeito aos valores centrais e individuais de cada fazenda, que deverão ir muito além de somente a busca pelo ganho financeiro, estabelecerão a cultura de trabalho, responsável por atrair e nortear a atuação das pessoas envolvidas com a atividade na propriedade, definindo sua capacidade de superar os momentos de dificuldades, que certamente virão. O produtor precisa se preparar para isso o mais rápido possível, e essa corrida é contra o relógio.