No radar anterior discutimos sobre os métodos de monitoramento da eficiência dos protocolos de colostragem, seja através da estimativa da qualidade do colostro ou na avaliação de transferência de imunidade passiva. Embora ainda seja uma prática negligenciada por muitos produtores, os resultados em campo mostram claramente que somente animais saudáveis respondem a programas de alimentação mais intensivos, os quais ganharam espaço recentemente.
Num breve histórico da evolução dos programas de aleitamento, antes de 1950 era comum o fornecimento de 8L de leite por dia, quando então se iniciou a pesquisa com frequência e volume de fornecimento. Estes estudos levaram ao desenvolvimento da prática de desaleitamento precoce, com vistas na redução de custo de produção. Depois de poucos anos já era disseminada a ideia de fornecimento de volumes restritos de leite, com o objetivo de estimular o consumo de concentrado e consequentemente o desenvolvimento ruminal, possibilitando o desaleitamento de bezerros em idades mais jovens. Nesta época também foram desenvolvidos os primeiros sucedâneos, que com problemas em suas formulações, se beneficiaram desta recomendação de fornecimento restrito. Assim, o manejo alimentar para o desaleitamento precoce passou a ser largamente empregado por seus benefícios no consumo de concentrado, na redução do custo de produção e na facilidade de manejo. No entanto, com a redução no volume de fornecimento da dieta líquida, são obtidos animais saudáveis ao desaleitamento, mas os mesmos apresentam menor peso corporal. Embora o menor fornecimento de dieta líquida estimule o consumo de alimento sólido, nem sempre esta compensação ocorre a contento para que o desempenho seja semelhante aquele observado com o fornecimento de maior volume de dieta líquida.
No sistema de aleitamento convencional, com o fornecimento de 4L de dieta líquida por dia, o consumo de energia é bastante baixo, o que faz com que após o atendimento das exigências de manutenção do animal, sobre muito pouco para que ele ganhe peso. Quando o consumo de concentrado participa de forma significativa no consumo de alimento total, esta situação pode ser diferente. Podem ser observadas taxas de ganho de peso satisfatórias quando o aleitamento convencional está associado a boas formulações de concentrado inicial e o consumo de alimento sólido é maximizado. No entanto, dados recentes da literatura mostram que bezerras com maiores taxas de ganho de peso durante o aleitamento se tornam vacas com maiores produções de leite por lactação. Este fato põe em cheque a vantagem econômica do aleitamento convencional. Se por um lado estamos economizando durante o aleitamento, por outro estamos deixando de ganhar mais durante a vida produtiva do animal. Assim, surgiram diversos programas alimentares com fornecimento de maiores volumes de dieta líquida, tendo como objetivo o desaleitamento de animais mais pesados e com potencial de produção futuro de leite aumentado.
Existem basicamente três tipos de programas intensivos de aleitamento: 1) ad libitum: fornecimento a vontade de dieta líquida; 2) intensivo: fornecimento de até 20% do peso do animal; e 3) programado ou step-down: com fornecimento de volumes variáveis, sendo normalmente menor na semana(s) que antecede(m) o desaleitamento. Com o fornecimento de maiores volumes muitas vezes o manejo alimentar tem que ser alterado com o fornecimento de maior número de refeições ou adoção de sistema de aleitamento automático ou fornecimento em containeres.
São inegáveis os efeitos positivos do maior fornecimento de dieta líquida no ganho de peso dos animais quando esta é de boa qualidade. No entanto, o consumo de concentrado pelo animal é negativamente afetado, o que dificulta o processo de desaleitamento, podendo reduzir o ganho de peso na fase subsequente. Neste aspecto, a adoção do programa de aleitamento programado, com fornecimento de maiores volumes no início seguido de redução para estimular o consumo de concentrado, tem trazido melhores resultados. Em sistemas intensivos, a adoção do desaleitamento abrupto reduz fortemente o ganho de peso dos animais no pós-desaleitamento, uma vez que o animal não está preparado fisiologicamanet para assumir a dieta de um ruminante adulto. Este fato faz com que muitas vezes o investimento com maiores volume de dieta líquida seja perdido. Por outro lado, o processo de desaleitamento não pode ser iniciado muito cedo, uma vez que o consumo de concentrado não será suficiente para manter o adequado consumo de energia e consequentemente o desempenho dos animais. Aparentemente, o consumo de concentrado depende de fatores outros que não somente o consumo de dieta líquida, o que faz com que a janela de desaleitamento destes animais seja menor.
Entender os fatores que afetam o consumo de concentrado em diferentes sistemas de produção é de extrema importância para que sejam feitos ajustes nos programas de alimentação de bezerras. Em trabalho conduzido no Depto. de Zootecnia da ESALQ, observou-se que animais que apresentam baixo consumo de concentrado na quinta semana não se beneficiam do desaleitamento gradual. Mesmo com a redução no fornecimento de dieta líquida, alguns animais não respondem com aumento necessário no consumo de concentrado de forma a manter o ganho de peso. Assim, quando o consumo é baixo, reduzir o fornecimento de concentrado resulta em menor consumo de energia, reduzindo o ganho de peso. Aspectos além do volume de dieta líquida fornecida, como o vigor dos animais, que de alguma forma está associado com a colostragem, além de tipo de alojamento, fornecimento ou não de forragem e tamanho de partícula do concentrado são determinantes do consumo de concentrado. Entender estes fatores é essencial para se obter bons desempenhos, independentemente do manejo alimentar adotado.
No sistema de aleitamento intensivo, quando se permite que o animal apresente maiores taxas de ganho de peso, são necessários maiores de proteína bruta na dieta líquida, de forma que a composição do ganho não seja prejudicada. Assim, enquanto no sistema de aleitamento convencional a dieta líquida deve apresentar teores de proteína bruta (PB) entre 20-22% e de gordura entre 15-20%, nos sistemas de aleitamento intensivo os teores de PB devem ser superiores a 25%, não havendo necessidade de alteração no teor de gordura. A consistência dos dados de literatura no aumento do potencial de produção de leite destes animais com o aleitamento intensivo é observada com animais que receberam sucedâneos contendo mais que 25% de PB. Além disso, os dados mostram que o teor de proteína, a sua qualidade e a sua digestibilidade, juntamente com o consumo de energia são críticos para gerar esta resposta de aumento no potencial de produção. De qualquer modo, as taxas de crescimento nesta fase respondem por 22% da variação na produção de leite na primeira lactação (Soberon et al. 2012). Infelizmente este tipo de sucedâneo ainda não está disponível no Brasil (Tabela 1), de forma que é possível que mesmo com o fornecimento de maiores volumes de dieta líquida não estejamos observando os efeitos benéficos no aumento do potencial de produção.
Tabela 1. Composição em nutrientes de sucedâneos comercializados no Brasil (Silva, 2014)
Por outro lado, em levantamento de práticas de criação feito pelo Depto. de Zootecnia da ESALQ, com aproximadamente 200 produtores, alguns aspectos importantes podem ser levantados. Aproximadamente metade dos produtores adota o sistema de aleitamento convencional (4L/d) e ainda 20% permite que os bezerros mamem diretamente da vaca, sem que haja controle de volume consumido. Apenas 31% e 20% dos produtores fornecem mais que 6L/d durante o primeiro e segundo mês de vida, respectivamente. Assim, o programa de aleitamento intensivo é adotado por uma minoria dos produtores. Com relação a dieta líquida fornecida, 42% fornece leite comercializável, 36% leite descarte e somente 13% fornece sucedâneo comercial. A adoção de sucedâneos no Brasil ainda pode crescer de forma significativa, sendo importante a disponibilidade de produtos que possam ser empregados para os mais variados programas alimentares.
É importante concluir alertando para a adequação dos programas alimentares de acordo com o sistema de produção. Nem todos os sistemas estão prontos para adotar o fornecimento de sucedâneos, assim como nem todos os sistemas podem adotar sistemas de aleitamento mais intensivos. Ainda existe grande espaço para o sistema de aleitamento convencional, que permite adequadas taxas de ganho de peso e consequentemenete adequada idade a puberdade e ao primeiro parto. A adequação e os ajustes do manejo alimentar de animais recém-nascidos dependem do nível de investimento em nutrição e do tipo de animal utilizado em cada sistema. No entanto, um aspecto não deve ser perdido de vista, não sendo permitidas variações: a obtenção de animal saudável no primeiro dia de via! Somente este animal é capaz de responder a quaisquer programas de alimentação.