Em nossa recente publicação abordamos sobre a eficiência alimentar, produção e composição do leite de vacas mestiças de primeira e segunda geração do cruzamento entre Holandês e Simental leiteiro. Nesse artigo daremos sequência em apresentar informações cientificas, abordando o desempenho reprodutivo e a influência da condição corporal pós-parto sobre este.
Por muito tempo, em programas de seleção dos rebanhos Holandês a fertilidade ficou em segundo plano, devido a dois principais fatores; baixa herdabilidade das características reprodutivas e a correlação genética negativa com a produção de leite.
Além disso, precisamos levar em consideração que o retorno da atividade reprodutiva após o parto coincide com o pico de lactação (±60 dias), período em que ocorre um maior desafio energético e uma maior demanda de energia é destinada à produção de leite. Esta demanda não é acompanhada pelo consumo de matéria seca, a qual ocorre apenas após o pico de lactação, prolongando o período de balanço energético negativo que se inicia no pós-parto.
Nesse sentido, buscam-se alternativas para que se possa melhorar o desempenho reprodutivo dentro dos rebanhos Holandês. Uma opção é a seleção de animais com valores genéticos elevados para estas características. Outra alternativa é a utilização do cruzamento entre as raças leiteiras especializadas.
Esta ferramenta permite que, a partir do vigor híbrido sejam obtidos efeitos positivos para características de baixa herdabilidade, como a fertilidade. Cruzamentos da raça Holandês com a raça Jersey e Simental mostraram resultados promissores na melhoria dos índices reprodutivos. Nesse artigo iremos tratar apenas do cruzamento entre Holandês e Simental.
Em um trabalho realizado na Alemanha Schichtl (2007) observou que vacas Holandês apresentaram maior intervalo entre partos (IEP), intervalo parto primeiro serviço (IPPS) e dias em aberto (418, 80 e 138 dias, respectivamente) em relação as mestiças F1 Holandês x Simental (386, 75 e 115 dias, respectivamente). Resultados muito semelhantes foram encontrados por De Haas et al. (2013) na Holanda, na qual vacas mestiças Holandês x Simental tiveram IEP de 392 dias, enquanto para vacas Holandês foi de 422 dias, representando uma média de 30 dias a menos no IEP.
Em um levantamento de dados entre 2008 e 2014 de duas propriedades no Sul do Brasil (Bom Retiro, SC e Carambeí, PR), observamos IEP de 445 dias para vacas Holandês e 381 dias para mestiças F1, com intervalo parto primeiro serviço de 89 e 65 dias, respectivamente. (KNOB et al. 2016).
Estes estudos desenvolvidos no Brasil e em países da Europa mostram que as vacas mestiças de primeira geração apresentam entre 30 e 45 dias a menos de IEP em relação as vacas puras Holandês dentro de um mesmo rebanho.
O intervalo entre partos é uma variável de grande impacto econômico nos rebanhos demostrando a capacidade dos animais de retorno a ciclicidade pós-parto e de emprenhar mesmo em condições adversas como em desbalanço energético.
Quando avaliamos esses mesmos parâmetros incluindo mestiças de segunda geração (3/4 Holandês e 3/4 Simental) os resultados também são positivos.
Na Tabela 1 são apresentados os resultados de IEP, IPPS de um levantamento de dados de 3 propriedades no Sul do Brasil no período de 2010 a 2017 (KNOB et al., 2019).
Nesse trabalho fica evidente que quanto maior o grau de sangue da raça Simental melhores são os índices, uma vez que tendem a aproximar da raça Simental pura. É importante ressaltar que as avaliações foram feitas em rebanhos com diferentes tipos de manejo: semi-intensivo e confinamento em free stall e compost barn. Em todos estes, o desempenho das vacas mestiças frente a raça pura Holandês se manteve, mostrando a competitividade do cruzamento em diferentes tipos de manejo e nível de produção dos animais.
Uma das possíveis justificativas para este melhor desempenho dos animais mestiços em relação às Holandês pode ser a condição corporal pós-parto e a intensidade do balanço energético negativo.
No primeiro trabalho com rebanhos do Sul do Brasil (Knob et al., 2016) as vacas mestiças não perderam condição corporal após o parto, saindo de 3,3 no dia do parto, chegando a 3,8 aos 305 dias. Por outo lado, as vacas Holandês perderam 0,4 pontos de escore condição corporal (ECC) nos primeiros 60 dias após o parto, não conseguindo recuperar até o final da lactação (Figura 1).
Em outro trabalho avaliando apenas os primeiros 21 dias de lactação, a média encontrada para o ECC foi de 2,86 e 3,64 para vacas Holandês e mestiças F1, sem diferença de peso (629 x 659 kg, respectivamente) e concentrações de β-hidroxibutirato (BHB -1,39 x 1,17, respectivamente) (KNOB et al., 2021a).
Em outro estudo realizado na Alemanha, incluindo mestiças de segunda geração e puras Simental nos 150 primeiros dias de lactação, observamos que o ECC corporal era maior, quanto maior o grau de sangue Simental. Porém os metabolitos que indicam mobilização das reservas de energia corporal (BHBA e ácidos graxos não esterificados – NEFA) não foram diferentes entre as Holandês e mestiças, apenas as puras Simental apresentaram menores concentrações (Knob et al. 2021b).
Estes resultados de menor perda de escore de condição corporal podem indicar que vacas mestiças conseguem lidar melhor com os efeitos do balanço energético no pós-parto.
Além da heterose obtida com o cruzamento entre estas raças, este efeito também pode estar relacionado com a complementariedade entre as raças utilizadas neste cruzamento.
Como o Simental é uma raça de dupla aptidão, as vacas perdem menos condição corporal do que as Holandês, o mesmo sendo observado para as mestiças. Isso permite um melhor equilíbrio energético principalmente após o parto, permitindo que as vacas mestiças tenham um retorno antecipado a atividade reprodutiva ou condições de manter uma gestão pelo seu melhor status energético.
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Referências
DE HAAS, Y.; SMOLDERS, E. A. A.; HOORNEMAN, J. N.; NAUTA, W. J.; VEERKAMP, R. F. Suitability of cross-bred cows for organic farms based on crossbreeding effects on production and functional traits. Animal, v. 7, n. 4, p. 655 664, 2013.
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KNOB, D. A.; SCHOLZ, A. M.; ALESSIO, D. R. M.; MENDES, B. P. B.; PERAZZOLI, L.; KAPPES, R.; THALER NETO, A. Reproductive and productive performance, udder health, and conformation traits of purebred Holstein, F1, and R1 crossbred Holstein × Simmental cows. Tropical Animal Health and Production, p. online, 2019.
KNOB, D. A.; SCHOLZ, A.M.; KAPPES, R.; RODRIGUES, W.B.; ALESSIO, D.R.M.; PERAZZOLI, L.; BERGAMASCHI MENDES, B.P.; THALER NETO, A. Dry matter intake, body condition score, betahydroxy-butyrate, milk yield, and composition of Holstein and crossbred Holstein x Simmental cows during the transition period. Journal of Applied Animal Research, 49:1, 6-14, 2021a. DOI: 10.1080/09712119.2020.186099
KNOB, D. A.; THALER NETO, ANDRE; SCHWEIZER, H.; C. WEIGAND, ANNA; KAPPES, R.; SCHOLZ, ARMIN M. Energy Balance Indicators during the Transition Period and Early Lactation of Purebred Holstein and Simmental Cows and Their Crosses. Animals, v. 11, p. 309, 2021b.
SCHICHTL, V. Kreuzungszucht beim Milchvieh - ein Ausblick Vor und Nachteile der Kreuzungszucht zwischen Deutschem Fleckvieh und Deutschen Holstein.Thesis. Veterinary Medicine Faculty, Ludwig Maximilians University, Munich, Germany. 2007.