Nesta quarta-feira (24/11), ocorreu o último encontro do Dairy Vision 2021, um dos principais fóruns de discussão do setor lácteo mundial. Com um oferecimento da Tetra Pak, este quinto painel do evento explorou novas visões na cadeia do leite.
A visão dos consumidores sobre os produtos lácteos e como transmitir uma narrativa verdadeira e promotora do setor foi tema de discussão durante todo o evento, mas sobretudo neste último painel. Em sua palestra abordando especificamente “como reduzir a distância entre os produtores e os consumidores”, a jornalista argentina, María Inés Rimondi, Consultora da Innovar Agro, enfatizou que o setor lácteo precisa desenvolver habilidades de comunicação e que este não deve ser um esforço apenas do elo produtivo.
“Tem que haver Estado, educação, jornalismo responsável, todos envolvidos. Os que estão em contato com alimentos, os Chefs [de cozinha], que a cada dia são mais famosos, os médicos e, claramente, o que interessa hoje: o setor produtivo, tanto os produtores quanto as indústrias que estão processando o leite,” destacou María Inés, salientando ainda que não basta produzir produtos bons e saudáveis e de forma correta, é preciso comunicar isso aos consumidores de forma efetiva. “Atualmente, se eu não me dou o trabalho de dizer que estou trabalhando de forma sustentável, cuidando da saúde, do solo e dos animais, não terei o aval social para continuar trabalhando dessa forma.”
Como crítica, María Inés apontou que, muitas vezes, o setor lácteo assume uma posição apenas defensiva, criticando o “agressor”, ao invés de agir e criar a própria narrativa para os consumidores.
Como solução, trouxe o exemplo do método finlandês KIVA. É um método que pensa em como resolver o problema do bullying nas escolas. O que esse método propõe é não colocar o foco na vítima e nem no agressor. Mas, colocar o foco nas outras trintas pessoas que estão na sala de aula.
Quem são essas 30 outras pessoas na “sala de aula do leite”? Quem são os consumidores que ficam “em cima do muro” ou encorajando calados – ou por ignorância - enquanto os produtos lácteos são bombardeados de fake news? De acordo com a perspectiva de Rimondi, são estas pessoas que o setor deve visar e educar, esclarecendo as informações equívocas espalhadas pelos opositores.
Contudo, ressaltou que a uma boa comunicação não é uma tarefa fácil, mas que é possível, apesar de levar tempo, salientando que a comunicação não deve ser unilateral, mas sim uma conversa, ou seja, falar e ouvir os consumidores. “O que ensinam na escola sobre emissor, mensagem e receptor não funciona mais. Existe um contexto, muitas variáveis que rompem com o mito de que se eu emito a mensagem, a comunicação está feita (...). Hoje em dia, a comunicação científica segue o caminho de conectar, intermediar, conversar e atrair. É o novo caminho.”
Para trilhar este caminho, María Inés explicou que uma comunicação eficaz deve levar em conta o contexto específico de cada indivíduo. Deve ainda falar claramente, sem termos técnicos, buscando aproximação. Por fim, deve escutar para entender o outro e não apenas para responder. Finalizando, a jornalista ressaltou a importância da interdisciplinaridade neste processo, destacando a importância de se estudar conceitos como enunciação, intenção comunicativa e como são geradas as fakenews.
Falando especificamente da construção de narrativas de marcas, Bel Lavratti, Consultora Sênior da consultoria internacional HMT, abordou como criar uma metodologia para recontar a história de uma empresa, baseada no case de reposicionamento da Oatly! - marca de bebidas vegetais de aveia.
Reforçando a ideia de contar uma história, Bel ressaltou que mais do que um produto, as marcas precisam entregar uma experiência pautada em uma narrativa para os consumidores. “A história precisa ser algo autêntico, genuíno e verdadeiro,” apontou.
Para isso, destacou que é necessário um entendimento macro do produto, englobando tendências e criação de um contexto de consumo, os benefícios que o produto pode proporcionar e estabelecer uma relação de confiança com os consumidores. De acordo ela, no caso da Oatly! essas informações eram muito disseminadas, mas sem um posicionamento claro, ou seja, a narrativa não contava a história da marca.
Ainda sobre o diálogo com os consumidores, o Dairy Vision 2021 trouxe o exemplo da Europa, em uma palestra ministrada por Roberta Züge da Ceres Qualidade e que atualmente mora em Luxemburgo. Segundo ela, as falhas comunicativas também são resultado de uma maior distância entre o consumidor e produtor, que no passado, não existia.
Uma das ações europeias para buscar essa reaproximação traz uma via de mão dupla: um projeto que visa uma melhor remuneração pelo preço do leite, no qual aos consumidores valorizam e aceitam pagar a mais pelo leite local sabendo dos custos do produtor. Ao mesmo tempo, os produtores têm a obrigação mensal de ir aos pontos de vendas, comunicar seus produtos e se colocar à disposição do consumidor.
Züge ressaltou que essa iniciativa é pautada na transparência. “O consumidor quer saber se de fato o quanto que ele está pagando – muitas vezes a mais do que um produto produzido em outro local, está beneficiando o produtor”.
Outra estratégia relatada por Roberta são as “open farms”, fazendas abertas ao público, sobretudo crianças, que visam mostrar o sistema produtivo e promover uma experiência aos visitantes, com atividades extras. A veterinária falou ainda de estratégias de marketing que mostram a “cara do produtor”, em que os consumidores podem ver nos sites das marcas exatamente a fazenda e a pessoa que produziu o produto que ela adquiriu.
Além do exemplo da Europa, a comunicação mais próxima aos consumidores também pode ser feita pelas redes sociais. Essa é justamente a iniciativa da McCarty Family Farms, do meio-oeste norte-americano.
Em sua palestra no Dairy Vision 2021, Ken McCarty, um dos responsáveis pelo negócio, abordou como a fazenda dialoga com os consumidores por meio de plataformas digitais. “Estamos em diversas plataformas de mídias sociais diferentes. Somos bastante ativos no Facebook, trabalhamos com o Instagram, Tik Tok e Twitter.”
McCarty contou que, atualmente, o Tik Tok traz bons resultados. De acordo com ele, a plataforma permite uma interação rápida e interativa até mesmo com consumidores que não são familiarizados com o setor agropecuário. O grande objetivo das frentes comunicativas é contar a história e criar uma narrativa das ações desenvolvidas na McCarty Family Farms.
As iniciativas e a história da McCarty Family Farms são pautadas em pilares de bem-estar animal e questões socioambientais. “Recentemente, conseguimos o certificado B Corp. em todas as nossas fazendas,” disse Ken. O certificado B Corp é concedido às empresas comerciais que atendem a requisitos sociais e ambientais, governança e transparência.
Atualmente, Ken explicou que a McCarty Family Farms é composta por cinco fazendas com uma produção total de 510 a 545 mil quilos de leite cru por dia. A fazenda também possui, desde meados de 2010, um acordo de fornecimento de leite direto com a Danone North América.
Reforçando a era do consumidor digital, bem explorada pela McCarty Family Farms, Luis Eduardo Ramirez, Gerente Executivo de na Tetra Pak Brasil, abordou o engajamento do consumidor digital em 2021.
Ramirez compartilhou insights de uma pesquisa de mercado realizada pela Tetra Pak para entender o consumidor conectado, o que funciona ou não na digitalização e interação via embalagem. “Basicamente, nós conseguimos entender o que cada consumidor [em diferentes faixas etárias] valorizam e acham interessante na hora de nos comunicar e tentar engajá-lo dentro do ambiente digital.”
De acordo com ele, as campanhas de interação via embalagem precisam acompanhar as gerações de consumo. “Nós descobrimos que não é a mesma coisa fazer um tipo de interação para ganhar prêmios com um adolescente e com um adulto.”
Para o target adulto [31 a 55 anos], Luiz revelou que interações de promoções com prêmios despertem interesse deste público. Mas, frisou que “67% desse target prefere escolher o prêmio que vão ganhar no final da promoção.”
Já para o target de jovens adultos (18 a 30 anos), Ramires apontou que “além da promoção com prêmios, nesse target entra um pouco mais a questão da diversão.” De acordo com ele, jogos grátis são o interesse de entretenimento via embalagem. No caso dos adolescentes (11 a 17 anos), além dos games, essa faixa etária tem interesse em interações com realidade aumentada.
Além da comunicação com o consumidor, o setor lácteo também precisa estar atento às demandas de consumo e produtos concorrentes. Explorando a temática, Gregory Ribeiro da Euromonitor International, abordou o impacto da alimentação plant-based no mercado de leites e derivados.
De acordo com o palestrante, “o Brasil apresenta alto crescimento, porém a partir de números ainda baixos em termos de tamanho do mercado, com uma taxa de crescimento média de 13% ao ano, muito superior a global – que é de 5%”.
Segundo Gregory, a ênfase no posicionamento dos produtos vegetais no mercado em relação aos lácteos é a ausência de lactose. “A lactose é um ponto chave para posicionar os produtos plant-based.”
Além das já consolidadas bebidas vegetais, Ribeiro pontuou que as alternativas ao iogurte e ao queijo também estão em crescimento. Contudo, ponderou que “ainda existe um caminho a ser percorrer em relação à textura e ao sabor e em como utilizar esses ingredientes no preparo de receitas.”
Diante do crescimento do mercado plant-based, as proteínas animais podem e devem se adaptar. Para Leonardo Gondim, Diretor de Marketing & Tecnologia Latam South na Cargill, essa adaptação dividirá os produtores de alimentos em dois grupos. “De forma geral, nós olhamos para o futuro e enxergamos dois tipos de produtores. Aqueles que utilizarão a tecnologia para inovar, construir margem e atender o consumidor. E os que ficarão nos livros de fotografia.”
Para não ficar nos livros de fotografia, Gondim pontuou aspectos de gestão, tecnologia e bem-estar animal nas propriedades. Mas, sobretudo, ressaltou o papel que um produto exerce no contexto no qual ele está inserido, em como dialoga com o meio ambiente e sociedade. Novamente, é fundamental a construção de uma narrativa de consumo.
Para ele, o grande recado é se adaptar as necessidades dos consumidores, que estão cada vez mais exigentes e com comportamentos variados, impulsionando a demanda por produtos com maior teor de proteína, maior digestibilidade ou carbono free, por exemplo.
Em relação à pegada de carbono, Gondim apontou que essa é uma grande aposta para a adaptação da proteína animal. “Especificamente o carbono é uma coisa que apostamos mais forte, porque nós devemos ver uma pressão das cadeias produtoras,” disse.
Leonardo também destacou produtos orgânicos, no caso do leite, aqueles provenientes de vacas que consumiram apenas pasto, por exemplo, que contam uma história e proporcionam uma experiência de consumo.
O quinto painel do Dairy Vision 2021, também abordou a transparência na gestão de dados para atender às necessidades do consumidor, em uma palestra ministrada por Tim Taylor, CEO na Vyla, uma startup do Vale do Silício que lançou um aplicativo que permite agregar dados das fazendas e trazer transparência à cadeia.
“Se você puder conectar componentes da fazenda leiteira, você pode controlá-los e melhorá-los. Precisamos ter processos conectados nas fazendas leiteiras. Em muitos aspectos, o que vemos ao redor do mundo são soluções pontuais, que não estão necessariamente conectadas umas às outras. Precisamos de produtores que sejam integradores da tecnologia,” disse Taylor.
De acordo com Tim, é um compromisso dos fornecedores e da indústria de laticínios trabalharem juntos com as fazendas, criando uma colaboração. Para ele, a gestão e colaboração de dados no setor lácteo é um desafio tecnológico e cultural. “Podemos elevar o padrão para todos, incluindo nós mesmos e para os consumidores, colaborando, e trazendo tecnologia e transparência.”
A agregação de valor aos produtos também é um aspecto a ser explorado pelo setor lácteo, reforçando ainda mais uma narrativa própria da marca. É justamente esse o case do projeto Terra Nostra — pertencente ao grupo Bel, em Portugal. Há 4 anos, Eduardo Vasconcelos, Diretor de Compras da Bel Fromageries, palestrou no Dairy Vision 2017, e este ano, contou o que mudou de lá para cá.
Relembrando um pouco da jornada da Terra Nostra, Eduardo explicou que, em 2015, a Bel lançou um programa integrado com os produtores para alcançar o melhor leite com as melhores práticas de produção, chamado de Programa Leite de Vacas Felizes, desenvolvido no Arquipélago dos Açores.
“Nós desenvolvemos um programa com cinco pilares: pastagem, bem-estar-animal, produção sustentável, qualidade e segurança alimentar e, eficiência.” O objetivo era agregar valor ao leite, remunerando melhor a indústria e seus produtores.
Contando os avanços do projeto, Vasconcelos pontou que, em 2018, dentro do Programa Leite de Vacas Felizes também foi lançado o conceito do leite biológico (orgânico). “Criamos parcerias com outras entidades para produzir leite biológico nos Açores, iniciando quatro produções piloto.” No final 2020, foi lançado no mercado português o leite biológico de pastagem de vacas felizes, assim como o queijo.
Diante do exposto por todos os palestrantes, o quinto painel reforçou que a comunicação com os consumidores e a construção de uma narrativa positiva do consumo de lácteos é essencial e dever de todo setor e de outros stakeholders. Ao final do painel, Marcelo Carvalho, CEO da AgriPoint e Co-Fundador do AgTech Garage, moderou um debate ao vivo com a presença de todos os palestrantes.
Fazendo um balanço do evento deste ano, Marcelo ressalta que “o Dairy Vision vem ganhando consistência como um dos principais fóruns globais que discute o futuro da cadeia do leite no mundo, com reconhecimento crescente de especialistas que contribuem com seu conhecimento no evento”, explica.
Segundo ele, para 2022 o MilkPoint programa um Dairy Vision híbrido, com um evento presencial que permitirá obter o máximo do networking e das experiências, com a possibilidade de assistir online às apresentações. O evento será em Campinas, na Expo Dom Pedro, nos dias 22 e 23 de novembro.
O Dairy Vision 2021 reuniu mais de 400 participantes, sendo 57% do público indústria de laticínios e 21% empresas de insumo. Este ano, o evento ocorreu online nos dias 17, 18, 23 e 24 de novembro. O Dairy Vision 2021 é uma iniciativa do MilkPoint, com o patrocínio da Arla Foods Ingredients, Chr. Hansen, Engineering, Tetra Pak, Hexis Científica, Rousselot Peptan, Cap-Lab, Doremus e Separatori, apoiadores e palestrantes.
Se você não se inscreveu no Dairy Vision 2021, ainda dá tempo! As palestras e debates de todos os dias ficarão disponíveis por 60 dias na plataforma do evento. Clique aqui, faça a sua inscrição e tenha os melhores insights sobre o futuro do setor!