Foto 1: Família Machado
A estruturação da propriedade foi iniciada pela formação de uma área de 0,8 ha de Tifton 85, a ser intensificada e onde estariam em pastejo as melhores vacas do total de 11 animais em produção que a propriedade tinha em janeiro de 2007. Essa área posteriormente foi expandida para 1,3 ha e hoje é irrigada; em seguida, para atender a necessidade do rebanho que crescia, foi estabelecida uma área com 1,4 ha de capim Mombaça, também para pastejo intensivo de verão. Anualmente é feito o plantio de milho para silagem em uma área de 3,6 ha, onde também é realizado o plantio de aveia e azevém para pastejo de inverno. As áreas de Tifton e Mombaça também recebem sobresseadura de aveia e azevém e continuam sendo pastejadas no período do inverno. A produção diária da propriedade que era de 118 litros em 2007, período anterior ao início do trabalho técnico, atingiu média de 704 litros/dia nos últimos doze meses, com picos de produção superiores a 800 litros/dia. Com isso, o objetivo inicial de produção estava superado e agora a família busca atingir a produção de 1000 litros/dia. O resumo dos índices zootécnicos e econômicos da fazenda estão descritos no Quadro 1.
Quadro 1: Resumo dos índices econômicos e zootécnicos do Sítio Machado - Comparação de dois períodos de trabalho
O crescimento da produção no Sítio Machado, considerando-se a produção média de 140 litros/dia em 2007, primeiro ano do trabalho na propriedade, foi de 500%, até atingir média de 704 litros/dia nos últimos 12 meses de avaliação (outubro/13 a setembro/14); em relação à produção de 118 litros/dia encontrada na primeira visita técnica realizada no mês de janeiro de 2007, o crescimento foi ainda maior, 596%. Analisaremos alguns fatores que contribuíram decisivamente para que o crescimento da produção ocorresse em uma escala tão alta, considerando-se o fato de que a propriedade não possuía recursos financeiros externos ao negócio e mesmo o acesso ao crédito rural era limitado pela sua pequena capacidade de pagamento. O índice Vacas em lactação por área (VL/ha) teve um crescimento tecnicamente muito significativo na propriedade, evoluindo de 1,48 para 3,93 em um período de 8 anos. Esse índice, apesar de obtido de uma maneira matematicamente simples (pela divisão do número de vacas em lactação pela área utilizada pela atividade), encerra todos os benefícios obtidos em relação à melhoria na eficiência no uso do solo, no melhor desempenho animal, no aumento da % de vacas em lactação em relação ao total de vacas da propriedade e na melhoria da estrutura do rebanho, e sua evolução, apesar de aparentemente pequena em termos numéricos, promove benefícios extraordinários na melhoria do desempenho da atividade.
Melhoria na eficiência do uso do solo: O aumento dos níveis de fertilidade do solo é a base para qualquer sistema de produção que busque a intensificação do processo produtivo e que almeje, como consequência, maiores ganhos de produtividade. A maior produção de forragem, no caso da produção de leite, permitirá que mais animais possam ser mantidos em uma mesma área, aumentando a taxa de lotação da propriedade e a manutenção de um número maior de animais no sistema. A melhoria da fertilidade do solo deve vir acompanhada da exploração de plantas forrageiras de alto potencial produtivo, como é o caso das plantas tropicais, que em condições de temperaturas altas, intensa luminosidade, disponibilidade adequada de água e nutrientes, possibilitam, através da alta produção de forragem, a manutenção de um grande número de animais por hectare (em áreas intensificadas é comum a manutenção de mais de 10 vacas/hectare no período de produção das plantas tropicais, mesmo na região sul). No período 2013/2014 o sítio Machado manteve 31 vacas em lactação utilizando uma área de pastejo de 2,4 hectares, ou seja, entre os meses novembro a março foram mantidas, em média, 12,9 vacas/hectare nas áreas intensificadas com o uso de plantas tropicais (1,4 ha de Mombaça sequeiro e 1,3 ha de Tifton 85 irrigado). No início de 2007, período inicial do acompanhamento técnico, a propriedade conseguia manter apenas 12 vacas mesmo utilizando toda área do sítio. Para alimentação dos animais no período frio do ano, normalmente entre os meses de abril a outubro, a propriedade investiu na elevação da fertilidade das áreas de produção de milho para silagem. Essa mesma área recebe o plantio de aveia e azevém em abril, após a colheita da segunda safra de milho. As áreas de Tifton e Mombaça recebem também a sobressemeadura de aveia e azevém no período frio, o que permite que a mesma área pastejada com plantas tropicais no período quente continue sendo utilizada no período frio com plantas de inverno.
Foto 2: Área intensificada com planta tropical utilizada no período do verão
Desempenho animal: Com melhorias relacionadas à alimentação, manejo e conforto do rebanho, foi possível à propriedade explorar de maneira adequada o potencial produtivo das vacas do rebanho. A média de produção por vaca em lactação que em 2007 foi de 11,8 saltou para 22,7 litros/vaca/dia nos últimos doze meses analisados, demonstrando o quanto as propriedades leiteiras deixam de produzir quando o melhoramento genético não vem acompanhado de melhorias na estrutura da fazenda. Tal melhoria de desempenho dos animais garante eficiência no trabalho operacional da propriedade, pois se produz mais leite com menos animais e consequentemente com menos trabalho. Além do alimento volumoso em quantidade e qualidade, a propriedade passou também a arraçoar as vacas de acordo com a produção, quem produz mais, come mais e melhor, e assim a “meritocracia” foi implantada no sítio Machado.
Foto 3: Vacas em pastejo
% de vacas em lactação em relação ao total de vacas do rebanho: A % de vacas em lactação do rebanho é fruto da divisão da quantidade de vacas em lactação pela quantidade total de vacas no rebanho, podendo ser obtida também pela da divisão do período de lactação (intervalo entre a data do parto e a data da secagem) pelo intervalo entre partos da vaca (intervalo entre um parto e outro). O desempenho reprodutivo do rebanho, responsável direto pelo seu intervalo entre partos, depende basicamente de condições nutricionais e de conforto dos animais, rebanhos bem nutridos e com boas condições de manejo e conforto têm cerca 85 a 90% de suas vacas emprenhando antes dos 83 dias pós-parto; problemas clínicos afetam normalmente menos de 15% dos animais do rebanho quando manejados em condições adequadas de alimentação e conforto. O período de lactação, outro fator de influência no cálculo da % de vacas em lactação da fazenda, é um componente genético. Animais com lactações curtas (menor que 305 dias) são comuns em rebanhos não especializados; além disso, animais não especializados também possuem baixa persistência de lactação (menor que 80%). A persistência de lactação é definida como a capacidade que tem o animal em manter o volume de leite produzido no decorrer da lactação. Animais de alta persistência conseguem produzir no décimo mês de lactação mais de 60 % do volume de leite produzido no pico. Animais com 95% de persistência, por exemplo, conseguem manter a cada mês de avanço da lactação 95% do volume produzido no mês anterior a contar do pico de lactação. Se uma vaca atingiu um pico de lactação aos 60 dias com 30 kg de leite e sua persistência é de 95%, nos meses seguintes ela produzirá 28,5 (3º mês), 27,0 (4º mês), 25,7 (5º mês), 24,4 (6º mês), 23,2 (7º mês), 22,0 (8º mês), 20,9 (9º mês), 19,9 (10º mês) e assim por diante. Note-se que neste caso a produção de leite ao décimo mês de lactação ainda é 66% do volume produzido no pico (pico=30 kg, volume no 10º mês=19,9 kg); isso faz com que vacas persistentes consigam, além de produzir muito mais leite, compensar possíveis problemas reprodutivos que alonguem o intervalo entre partos, pois neste caso, além do animal não secar, continua produzindo bem. Rebanhos bem nutridos, com boa reprodução e persistência adequada diminuem a taxa de descarte involuntário do rebanho, fazendo com que os animais permaneçam mais tempo no plantel exigindo, por consequência, menor taxa de reposição (necessidade de menos animais em recria), fator que favorece a manutenção da estrutura adequada do rebanho. No sítio Machado a % de vacas em lactação em relação ao total de vacas do rebanho saiu de 78% em 2007 para 87% nos últimos doze meses analisados, demonstrando o efeito positivo da alimentação e manejo do rebanho sobre este indicador. No Brasil são comuns rebanhos que aliam problemas de curto período de lactação com intervalo entre partos longos e que resultam em % de vacas em lactação no rebanho inferiores a 60% do total de vacas.
Estrutura do rebanho: Uma das estratégias para a rápida redução dos custos de produção diante de uma situação de pouca renda e que ainda possibilita a geração de capital para os investimentos iniciais na propriedade que inicia um trabalho de acompanhamento técnico é a execução de um processo de estruturação do rebanho mantido na fazenda. O objetivo é adequar as diferentes categorias animais (bezerras, novilhas e vacas) às necessidades da propriedade. Um rebanho adequadamente estruturado deve possuir ao redor de 64 % da sua composição em vacas e o restante, 36%, deve ser composto por bezerras e novilhas. Do total de vacas do rebanho, no mínimo 83% deveriam estar em lactação na média do ano, mantendo assim um rebanho com 53 % de vacas em lactação em sua composição (83% de vacas em lactação x 64% de vacas no rebanho). Em uma estrutura como esta, com animais tendo o primeiro parto aos 24 meses, os 36% de animais em crescimento permitiria uma reposição de 28% ao ano (equivalente a 18 animais entrando em produção anualmente em um rebanho com 64 vacas). A longevidade das vacas do rebanho, normalmente com 5 ou 6 lactações nas propriedades atendidas pela Cooperideal, exigem uma menor taxa de reposição. No caso do sítio Machado, o rebanho possui em sua composição 72% de vacas (total de vacas (36,2) ÷ total de animais no rebanho (50,3)), em média 87% destas vacas permanecem em lactação no decorrer dos últimos doze meses (31,5 vacas em lactação ÷ 36,2 vacas no total), fazendo com que o rebanho mantenha em produção 62,6% do total de animais da fazenda (72% x 87%).
Foto 4: Produtores e técnicos em visita à propriedade assistida pelo Técnico Judinei Reino de Moraes da Cooperideal
A melhoria da eficiência no uso do solo, no desempenho animal, na reprodução, persistência e estrutura do rebanho, grupo de fatores que juntos permitiram um aumento significativo na quantidade de vacas em lactação por hectare na propriedade, possibilitou que o sítio Machado alcançasse a surpreendente produtividade de 34.262 litros/ha/ano, resultado mais de dez vezes superior à produtividade média das propriedades leiteiras no Brasil. O fluxo de caixa (sobra financeira efetivamente embolsada pelo produtor) foi de R$ 103.029,30 nos últimos doze meses, por unidade de área este valor equivale a uma sobra R$ 12.878,66/ha/ano. Mesmo com uma evolução patrimonial de 299% após 8 anos de acompanhamento técnico (saindo de um patrimônio de R$ 132.260,00 em 2007 para R$ 395.860,00 no ano de 2014), a propriedade ainda obteve um ótimo retorno sobre o capital investido na atividade, 18,3% no último período de acompanhamento.
Os resultados obtidos no sítio Machado são um típico exemplo de que em um curto período de tempo é possível mudar a realidade técnica da atividade leiteira no país, basta, para isso, que sejam aplicados conceitos produtivos adequados e que o trabalho realizado no dia-dia da atividade tenha direção e objetivos claros. Além de transformar a produção de leite em uma atividade que atendesse aos anseios da família e que permitisse aos filhos do casal Machado continuarem no sítio, estudando e trabalhando ao lado dos pais, a orientação técnica também permitiu que propriedade trocasse uma atividade tão nefasta como a produção de fumo, que segundo especialistas poderá matar mais de um bilhão de pessoas neste século, pela nobreza da produção de leite, responsável pela vida saudável de bilhões de pessoas no mundo!