O ultrassom é uma tecnologia que pode ser usada no processamento de sorvete e iogurte para melhorar a qualidade e estabilidade dos produtos.
Para atender aos anseios dos consumidores, o uso de tecnologias não convencionais no processamento de alimentos vêm ganhando notoriedade na indústria de lácteos. Entre os principais motivos estão a melhoria das características sensoriais e a manutenção da qualidade nutricional.
Neste contexto, a aplicação do ultrassom (US) na produção de derivados lácteos vem se tornando atrativa devido à melhoria da qualidade e estabilidade dos produtos elaborados. Além disso, essa tecnologia se destaca por apresentar baixo custo, condições operacionais simples, facilidade de controle e ser ecologicamente benéfica.
O US se baseia na propagação de ondas sonoras com frequências maiores que o limite humano audível (> 20 kHz) e pode promover alterações físicas, químicas e estruturais nos alimentos. Essas alterações se devem, principalmente, ao efeito conhecido como cavitação, que compreende a formação, aumento e colapso de bolhas.
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Este fenômeno resulta na liberação de uma grande quantidade de energia, gerando turbulência e elevada força de cisalhamento na zona de cavitação (Bhargava et al., 2021). Em função do objetivo, diferentes condições de processo são aplicadas e consequentemente as alterações proporcionadas podem melhorar a qualidade de diversos produtos lácteos processados.
Dentre os derivados lácteos, o sorvete e iogurte podem ter as suas características aprimoradas pelo uso do US (Figura 1). No processamento de sorvete, o US pode ser utilizado para (i) reduzir o tamanho dos cristais de gelo, (ii) diminuir o tempo de congelamento e (iii) aumentar a incorporação de ar (overrun) no produto elaborado (Bahram-Parvar, 2015; Akdeniz & Akalin, 2019).
Já na produção de iogurte, o US tem sido aplicado para otimizar algumas características tais como: (i) redução do tamanho dos glóbulos de gordura, (ii) aumento da viscosidade e (iii) da capacidade de retenção água. Como consequência tem-se um aumento da consistência/firmeza do gel com desejada redução da sinérese (Wu et al., 2000; Akdeniz & Akalin, 2019).
Figura 1. Principais efeitos do ultrassom no processamento de sorvete e iogurte.
Fonte: autores
Quais são os principais efeitos do ultrassom na produção de sorvetes?
- Redução do tamanho do cristal de gelo
O tamanho dos cristais de gelo está relacionado diretamente com a qualidade do sorvete. Cristais de gelo de grande tamanho afetam negativamente a textura do produto resultando em um defeito conhecido como “arenosidade”.
Este defeito ocorre quando a etapa de congelamento não é realizada rapidamente. Durante o congelamento lento tem-se a formação de núcleos de cristalização que aumentam de tamanho até atingirem o seu raio crítico, tornando-os assim perceptíveis sensorialmente quando o sorvete é consumido.
Uma alternativa promissora para evitar esse tipo de defeito é a utilização de US durante o congelamento do sorvete. O US atua na desintegração dos grandes cristais de gelo devido ao colapso das bolhas de cavitação, favorecendo a formação de uma grande quantidade de cristais pequenos e uniformes (Akdeniz & Akalin, 2019).
Além disso, o US também favorece a nucleação, induzindo a formação de novos cristais de pequenos tamanhos (Figura 2).
Figura 2. Efeito do processamento de Ultrassom na microestrutura do sorvete.
Fonte: autores
- Diminuição do tempo de congelamento e aumento da incorporação de ar
As bolhas de cavitação do US atuam aumentando a taxa de formação dos cristais e, consequentemente, diminuindo o tempo de congelamento. Este aumento na velocidade de congelamento favorece o aumento e a manutenção das bolhas de ar (overrun) na microestrutura do sorvete (Figura 2), tornando a textura mais atrativa e suave.
Além disso, esses efeitos possuem importância econômica devido ao menor gasto de energia durante o congelamento. Logo, a aplicação do US apresenta-se como uma tecnologia atrativa no processamento de sorvete.
Quais são os principais efeitos do ultrassom na produção de iogurtes?
- Redução do tamanho dos glóbulos de gordura
O ultrassom tem um efeito significativo nas propriedades físico-químicas, sensoriais e reológicas do iogurte. Quando o US é aplicado no leite que será utilizado para produção de iogurte, o colapso das bolhas provocada pela cavitação é suficiente para romper as membranas dos glóbulos de gordura, reduzindo consideravelmente o diâmetro destes glóbulos. Assim, em função das condições de processo, glóbulos menores e mais uniformes são obtidos (Wu et al., 2000).
Devido à redução do tamanho dos glóbulos de gordura tem-se uma melhor interação proteica durante a formação do gel (Figura 3). A formação do gel ocorre devido à redução do pH provocada pela fermentação das bactérias láticas intencionalmente adicionadas.
Esse abaixamento do pH resulta na redução da repulsão eletrostática das micelas de caseínas devido à aproximação do ponto isoelétrico dessas caseínas, bem como na solubilização do fosfato de cálcio coloidal (contido no interior da micela e que atua como efeito cimentante).
Em função disso gera-se uma desestabilização do sistema com a agregação das micelas de caseína e a formação do gel do iogurte. Em um gel com glóbulos de gordura menor ocorre uma melhor interação proteica, visto que os glóbulos de gordura maiores atuam como impedimento para uma melhor interação proteína-proteína (Figura 3). Desta forma, tem-se um aumento na consistência do gel que é atrativo do ponto de vista sensorial.
Figura 3. Efeito do ultrassom na microestrutura do gel de iogurte.
Fonte: autores
- Aumento da viscosidade e da capacidade de retenção de água
A viscosidade e a capacidade de retenção de água são critérios de qualidade essenciais na produção de iogurte. O tratamento térmico aplicado no processamento do iogurte promove a desnaturação das proteínas do soro de leite, principalmente a β-lactoglobulina.
Essas proteínas desnaturadas passam a interagir com as micelas de caseína e/ou entre si, formando uma rede tridimensional que possuem a capacidade de aprisionar moléculas de água com concomitante aumento da viscosidade.
Similarmente, o aumento da viscosidade causada pela aplicação de US está relacionado ao aumento da exposição de grupos hidrofóbicos das proteínas do soro, ou até mesmo, à desnaturação quando altas potências são aplicadas.
Conforme discutido anteriormente, essas alterações favorecem uma melhor interação entre as proteínas aumentando a capacidade de retenção de água e a viscosidade (Figura 3).
Além disso, conforme descrito anteriormente, com a redução do tamanho dos glóbulos de gordura e a adsorção das proteínas do leite sob esses glóbulos, tem-se um aumento na capacidade de retenção de água do iogurte. Consequentemente, estes efeitos podem levar a uma diminuição da sinérese e um aumento da aceitação do produto pelo consumidor.
Considerações finais
A tecnologia de US por meio das altas forças de cisalhamento leva a mudanças nos componentes do leite que podem favorecer a qualidade final dos derivados lácteos, em especial, sorvetes e iogurtes.
No entanto, apesar de amplamente utilizado em laboratórios, essa tecnologia ainda não foi totalmente incorporada à indústria. Mesmo com as evidências positivas de sua aplicação, mais investigações sobre o uso do ultrassom ao nível industrial são necessárias.
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Autores
Ana Flávia Coelho Pacheco, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Letícia Bruni de Souza, Graduanda em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Prof. Dr. Paulo Henrique Costa Paiva, Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes – EPAMIG-MG
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior, Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV
Referências
Bahram-Parvar, M. A review of modern instrumental techniques for measurements of ice cream characteristics. Food Chemistry, v. 188, p. 625-631, 2015.
Bhargava, N.; Mor, R. S.; Kumar, K.; Sharanagat, V. S. Advances in application of ultrasound in food processing: A review. Ultrasonics Sonochemistry, v. 70, 2021.
Akdeniz, V.; Akalin, A. S. New approach for yoghurt and ice cream production: High-intensity ultrasound. Trends in Food Science & Technology, v. 86, p. 392-398, 2019.
Wu, H.; Hulbert, G. J.; Mount, J. R. Effects of ultrasound on milk homogenization and fermentation with yogurt starter. Innovative Food Science & Emerging Technologies, p. 211-218, v.1, 2000.
*Fonte da foto do artigo: Freepik