Num passado relativamente recente, em meados da década de 80, com "anos dourados" no início dos anos 90, tivemos um verdadeiro "boom" no ramo de consultoria às propriedades de leite e corte no Brasil. A academia, produzindo cada vez mais dados, gerados por excelente safra de pesquisadores e professores renomados nos principais centros de estudos científicos do país, com a introdução de diferentes conceitos, principalmente ligados à produção de e exploração da pastagem como principal fonte de alimento para ruminantes (pastejo rotacionado), de certa forma, renovou e "revolucionou" o setor. Desta forma, consultores independentes, foram muito felizes trabalhando individualmente ou criando empresas de consultoria (grupo de consultores/profissionais associados).
Em função de um mercado cada vez mais competitivo e acirrado, com a chegada de muitas empresas multinacionais atuando no ramo de alimentação animal (rações, suplementos minerais, aditivos), genética e saúde animal (medicamentos e vacinas), muitos dos consultores independentes migraram para equipes técnicas destas empresas que passaram a oferecer consultoria "gratuita". Logo, o consumidor que comprasse um produto de determinada empresa, receberia como "bônus", a assistência técnica necessária para abrir a "porta da esperança", ou seja, o sucesso propriamente dito, na sua atividade.
E o que aconteceu com os excelentes profissionais? Ou melhor, com os "excepcionais". Os que "fugiam à regra" na concepção plena da palavra? Aqueles que foram formados para pisar no esterco, sujar as calças, molhar a botina cedo no orvalho da pastagem.... a acompanhar o produtor no dia a dia, ligando, perguntando sobre a produção e suas dificuldades, elaborando relatórios, visitando a propriedade pelo menos 1 vez por mês (quando não 2, 3 ou quantas vezes necessário fosse) para que o produtor obtivesse sucesso no seu empreendimento? De certa forma foram esmagados; consumidos por uma "concorrência desleal" e "não intencional" das consultorias "gratuitas" oferecidas pelos fornecedores de insumos. Logo, por questão de sobrevivência, este profissional de valor teve duas opções (e eu conheço diversos exemplos de ambos os casos): mudar de ramo ou se render e, mandar seu currículo para ser "absorvido" dentro de algum departamento técnico destas empresas.
A meu ver, esta etapa da história envolvendo a consultoria técnica no Brasil, foi extremamente danosa ao setor. Justifico: primeiramente não há, claro, consultoria gratuita, mas sim consultoria "gratuita" entre aspas mesmo, uma vez que seu custo é repassado no preço dos insumos. Em segundo plano destaco como fator negativo, a "máscara" a "armadura" que a grande empresa fornecedora de matéria prima e insumos para o produtor criou nestes consultores antes "especializados" e agora, "protegidos" ou respaldados pelo efeito: MARCA de uma grande empresa. Mediante a lógica de raciocínio de um produtor desamparado tecnicamente, ao comprar um determinado produto de uma determinada MARCA tradicional no mercado e receber "Assistência Técnica Especilizada", o mesmo poderia "dormir tranquilo" por desfrutar de um "pacote tecnológico" completo. O resultado deste modelo que perdura ainda hoje, é bastante desastroso. Por quê? Por que permite e permitiu que muitas falhas de assistência (leia-se: ausência) fossem atribuídas à "muitos compromissos e agenda lotada da multinacional", por exemplo. Em função da carteira de clientes ser, em muitos casos, demasiadamente grande e não haver proporcionalidade na relação: demanda x oferta técnica de qualidade sobre os serviços prestados.
Cansei e canso de conversar com produtores que reclamam receber uma primeira visita, geralmente logo após a primeira compra e depois ser "assistido" de maneira irregular. Culpa de quem? Do produtor? Do consultor (muito menos ainda! na maioria dos casos os mesmo atuam além do humanamente, possível). A culpa é do atual modelo e sistema existente.
Temos que lutar e buscar o esclarecimento dos fatos. Não estou aqui, querendo dizer que empresas fornecedoras de insumos e de consultoria não promovam assistência técnica eficiente ou que não tenha profissionais competentes e gabaritados. Claro, radicalismo é burrice e existem exceções! Temos exemplos de muito capital investido neste seguimento, com relativo sucesso. No entanto, analiso o "quadro" de uma maneira geral. Ao trazer inúmeros profissionais para dentro de seus "Deptos Técnicos" muitos acabaram por "involuir", tecnicamente falando. O bom consultor é aquele que efetivamente se envolve com o trabalho. Que se compromete com o resultado da fazenda (propriedade). Que acompanha, gera dados, cobra e que depende do sucesso técnico para sobreviver. Quando "mascarado" atrás da empresa que representa, caso o cliente (fazenda assistida) abandone sua empresa, outros novos clientes e desafios surgirão. Basta fazer a seguinte pergunta: quais são as empresas que comercializam e prestam assistência técnica que, no momento em que o produtor necessitar a presença de um técnico em sua propriedade, são capazes de, PRONTAMENTE, atendê-lo? Poucas. Raríssimas. Infelizmente. O que de certa maneira acaba por prejudicar a empresa séria que agrega custo e concorre com "consultorias ordinárias!"
Em minhas "andanças" e conversas, sempre me chamou atenção o trabalho destes colegas consultores de empresas (não posso me esquecer que atuo também nesta função). Reproduzo, a seguir, um diálogo muito comum: (quaisquer semelhanças com a realidade, não são meras coincidências, ressalto):
"Amigo, você faz parte do Depto Técnico da empresa tal...?"
"Sim".
"Qual é o seu cargo?"
"Gerente Técnico Comercial" (às vezes, "Coordenador Técnico Regional")
"Onde atua?"
"Faço o Estado de SP"
"Como assim??"
"É, cubro o Estado de SP"
"Todo??" "Não é muito, não?!"
"É, é bastante, corro feito louco, cada dia durmo num lugar, meu carro é minha casa...rs!"
"Mas você cobre SP todo?!" "É o correto?!"
"Todo! Dou assistência e monitoro todos os representantes de vendas!" "Não é o correto, mas fazer o que... a matriz determina assim..."
Eis a chave da questão! Este cara aí acima, "era", "foi" ou "poderia vir a ser" o grande consultor e verdadeiro consultor do passado. Aquele. O antigo consultor. O bom consultor.
O de hoje, para sobreviver, trabalha atrás de uma equipe de representantes comerciais de vendas que, infelizmente, em muitos casos, "papagaiam" absurdos e nem sabem ao certo o que estão vendendo. O objetivo é: vendas, vendas, vendas, vendas... metas, metas, comissões e resultados... (extrema pressão, péssimas condições de trabalho). Adesivam os carros vestem a camiseta pólo "bonitinha" da empresa (mas são prestadores de serviço marginalizados, sem carteira assinada, seguro de saúde, veículo, etc) em muitos casos. Dói? Dói, claro que dói. A realidade (que pode ser a verdade, dependendo do ponto de vista) dói. E se o representante falar bobagem para um produtor? Se a venda já estiver realizada, não tem problema porque o gerente regional ou consultor especializado, "vem atrás" e "limpa" um eventual estrago. "Mas o fulano me falou isso". "... Olha o fulano é vendedor, eu sou o técnico e estou dizendo para o senhor que a dieta deve ser feita dessa maneira..." e por aí vai. Triste, realidade. Efetivamente "queimando o filme" do cargo: "consultor técnico".
Quem se prejudica? Qual a conclusão da conversa? Da história toda?
A conclusão é que de uns anos para cá, felizmente, esta realidade vem mudando. O produtor já não cai mais no "conto do vigário" e positivamente, a figura do consultor independente está renascendo. Conheço muitos produtores que estão atrás de profissionais que possam, realmente atendê-los. E aqueles profissionais que antes "pisavam na merda" (com o perdão da expressão) e que foram ser consultores de fornecedores (empresas)?... Sinto, caros colegas, mas o bonde passou. Já não têm mais o "feeling" do dia a dia. Estão muito mais comprometidos comercialmente do que ligados à realidade dos produtores.
Tudo isso de certa forma provocou uma inversão do que é e de qual deve ser a verdadeira função ou papel de um consultor numa propriedade. Quando este está atrelado à venda de um produto (por mais que alguns colegas hesitem), estão comprometidos. E os produtores estão cansados. Na necessidade de vender, o consultor "especializado" do "Depto Técnico" muitas vezes, sem querer quer proporcionar ou vender a "solução à qualquer custo" ou a possibilidade de resolução de todos os problemas (consultoria, esclareço: não vende solução! orienta, direciona); acabam por falar e comprometer-se além de suas possibilidades efetivas de trabalho prejudicando, de certa forma, a classe como um todo. O consultor independente, pelo contrário, está comprometido: COM O PRODUTOR! com a fazenda. Precisa defendê-la para que consiga sobreviver no mercado. O "consultor-vendedor" (vamos chamá-lo assim), também depende do sucesso da fazenda, claro. Mas se num dado momento, o interessante for... "não comprar pois seu produto não fecha na dieta neste preço" (só um pequeno exemplo), como fica??
Temos que separar também o "joio do trigo". Precisamos ser prudentes. Quer trabalhar com consultoria "gratuita". Ok. Nada contra. Pode obter resultados? Pode, com certeza. Muitos conseguem obter algum benefício. A meu ver, no entanto, o "buraco é mais em baixo". Eu como técnico e consultor, tenho os meus consultores, também! Estranho...? Quem são eles? São alguns colegas produtores e alguns profissionais independentes. Desvinculados. São pessoas que, quando consulto, sei que estão compromissados com o dia a dia, com a realidade (verdade/a verdade é a realidade). Com as dificuldades. Não com vendas.
Associo consultoria com: direcionamento, foco, indicação e orientação, principalmente. Não com responsabilidade sobre tudo. Abomino o modelo de "Consultoria Tabajara" ("os seus problemas acabaram!!!!...": Aleluiah!). Temos que analisar a questão sob diferentes aspectos. Um consultor pode assinar abaixo de uma recomendação de adubação, sobre um diagnóstico de prenhez, sobre a indicação de um medicamento/tratamento, sobre a regulagem de um equipamento, etc. Não podemos exigir de um consultor o mesmo resultado de um profissional da área que reside na propriedade. Este profissional não é consultor. É administrador, gerente, responsável por setor, enfim, como queira classificar. Menos consultor. No nosso meio, muitos pecuaristas trocam “as bolas” e acabam, injustamente creditando o fracasso ao trabalho do consultor. É aí que entra o lado injusto da incompetência do produtor, ressaltemos. Não adianta se cercar de excelentes profissionais que orientarão para o melhor caminho se o mesmo não for capaz de por em prática os objetivos e planos traçados em conjunto, conforme coloquei no início deste post. A consultoria é especializada, ou seja, se restringe a determinados campos de atuação, áreas. Meus colegas veterinários em muitos casos, com razão, se queixam de nutrição ineficiente, sendo responsabilizados pelo mal desempenho reprodutivo de um rebanho. De nada adianta trabalharem seus protocolos e toques retais com dedicação se outros setores associados não funcionarem adequadamente também. E assim por diante.
A consultoria especializada é e sempre será necessária. Não deve ser encarada como custo, mas sim como investimento. E não deve ser encarada como "a bola da vez". O profissional que presta serviço está "assitindo", orientando. Muitas vezes não executa, não gerencia. Quando uma recomendação é cumprida e dá certo o técnico é bom. Quando dá errado, o técnico é ruim. Errado! Se acertamos, temos que ter consciência dos motivos que levaram ao acerto. E quando erramos também. Não existir compromisso com vendas ou inserção de um produto é importante. Pode ser um diferencial. Não podemos encarar assitência técnica em propriedades rurais como assistência técnica especializada de eletrodomésticos: "quebrou, manda para assistência, que resolve". Trabalhamos com vida. Com fatores edafoclimáticos (relação: solo – planta – atmosfera). Usamos as ciências exatas como ferramenta de apoio/trabalho, mas dependemos de fatores inexatos associados que perfazem a biologia (ciência/estudo da vida). E isso infelizmente leva a conclusões premeditadas.
Invista num profissional da área capacitado. Seja ele vinculado a uma empresa ou não. Posteriormente, verifique se o mesmo pode atender a sua demanda de maneira integral (estar ao seu lado sempre que precisar) e distribua, correta e justamente as responsabilidades. Quem diagnostica, quem orienta e quem executa. Não "crucifique" ou “queime” um profissional, desnecessariamente. As chances de sucesso no trabalho, certamente, aumentarão.