Rafael Fagnani é formado em medicina veterinária pela Universidade Estadual de Londrina, onde também concluiu seu Mestrado e Doutorado pelo programa de Ciência Animal. Atualmente é professor na Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), orientando alunos no curso de mestrado em Ciência e Tecnologia de Leite e Derivados. Os principais temas desenvolvidos são sobre qualidade e segurança do leite e tecnologias de membranas.
O soro de leite é considerado um poluente ambiental, possui baixo valor comercial e sabor pouco atrativo. Você acabou de ler três grandes problemas, certo? Não necessariamente. Essa situação pode ser vista com bons olhos pela Tecnologia de Alimentos. A aluna Ana Amélia Puppio, do curso de mestrado em Ciência e Tecnologia de Leite e Derivados da Unopar, desenvolveu uma bebida composta de soro de leite e suco de laranja. E o melhor, todo o processo foi feito em baixas temperaturas, o que ajuda a conservar ainda mais o sabor, o aroma e as vitaminas da laranja.
Essa pesquisa foi possível graças à tecnologia de microfiltração, um processo físico em que a bebida é passada por poros minúsculos, capaz de reter bactérias e outros micro-organismos que comprometem a qualidade e a vida útil do produto. Segundo a pesquisa, a bebida possui ótimo potencial hidratante, combinando as proteínas do soro com os minerais e vitaminas do suco de laranja. Infelizmente, apenas metade da produção nacional de soro é destinada aos produtos de alto valor agregado, como isolados proteicos e suplementos alimentares. A outra metade é descartada em lagoas de tratamento ou utilizada como alimentação animal. Dessa forma, ainda há espaço para o melhor aproveitamento do soro pelas indústrias laticinistas.
Um dos maiores desafios para o aproveitamento de soro é em relação ao sabor pouco atrativo, principalmente para consumidores brasileiros. Esse problema sensorial pode ser harmonizado com o suco de laranja, com forte sabor cítrico e que possui ampla aceitação no mercado nacional.
Bebidas a base de soro e suco de frutas já são comercializadas no Brasil, como exemplo a Batavo Hidra®, nos sabores de uva, pêssego e maracujá. No mercado externo, podemos citar a UpBeat® e a Frutein®. Todas essas bebidas passam pelo processo UHT, um tratamento térmico onde o produto é aquecido a altas temperaturas (150º C) durante poucos segundos. O objetivo principal é garantir a inocuidade e ao mesmo tempo estender a vida útil da bebida. Porém, altas temperaturas podem gerar problemas sensoriais, como perda de aromas e também perda de algumas vitaminas.
A bebida formulada na pesquisa da Ana Amélia foi processada pela tecnologia de microfiltração. Um processo físico onde a maior parte dos micro-organismos é retida por minúsculos poros, que podem variar de 0,2 a 2um de diâmetro (menor que o diâmetro de um fio de cabelo). Para isso ser possível, são aplicadas altas pressões, que variam entre 0,05 e 0,2 MPa. O resultado é um produto com baixas contagens microbiológicas sem usar altas temperaturas. Infelizmente, a microfiltração aplicada à indústria de laticínios é uma tecnologia incomum em toda a América Latina.
Outro desafio da pesquisa foi o “fouling”, um entupimento dos poros da membrana de microfiltração devido a grandes moléculas. No caso do suco de laranja, o fouling é causado principalmente por pectinas, lignina e hemicelulose. Mesmo assim, foi possível produzir uma bebida clarificada e límpida devido à retenção de macromoléculas em suspensão pela membrana de microfiltração.
A qualidade microbiológica da bebida também foi positiva. Não houve detecção de Escherichia coli e a contagem de mesófilos foi menor do que 100 células por ml, quantidade semelhante a produtos UHT. Nessas condições foi possível armazenar a bebida durante 28 dias sob refrigeração sem aumento nas contagens microbiológicas, alterações físico-química ou sensoriais. Mais estudos são necessários para avaliar a vida útil da bebida além de 28 dias.
Mas será que o sabor agradou o público?
Em relação à análise sensorial, a bebida foi amplamente aceita pelos provadores, com mais de 70% de aceitação. Um dado curioso é que houve maior preferência entre o público jovem e feminino. Esses dados apontam o tipo de público para onde uma possível campanha de marketing pode ser direcionada.
Apesar do estudo não ter avaliado os benefícios da bebida no organismo humano, outras pesquisas concluem que uma determinada concentração de minerais favorece a absorção de água pelo trato gastro-intestinal. Esse é o princípio dos isotônicos. Outros componentes benéficos são as proteínas do soro, as quais podem ser responsáveis pelo auxílio na regeneração muscular e vários outros efeitos metabólicos, como exemplo o potencial anti-obesidade da alfa-lactalbumina e lactoferrina, ainda em estudo por diversos pesquisadores.
A partir dessas informações, os pesquisadores acreditam que a bebida poderá ser utilizada como um isotônico, logo após a prática de intensas atividades aeróbicas, conferindo hidratação e regeneração da fadiga muscular.
Figura 1 - Equipe de pesquisa: Rafael Fagnani e Ana Amélia Puppio.