A lactofermentação é uma análise rápida e simples que pode ser utilizada na rotina das indústrias de laticínios para o controle de qualidade da matéria-prima.
Psicrotróficos, coliformes, proteolíticos e antibióticos. São termos que assustam queijarias ou qualquer indústria láctea. Mas saiba que é possível identificar todos esses problemas apenas com a prova da lactofermentação. É uma análise extremamente simples, e talvez por isso, esquecida entre algumas folhas amareladas dos manuais técnicos.
Temos visto muitos artigos sobre os defeitos tecnológicos causados pelas bactérias psicrotróficas. Apesar de haver provas específicas e validadas internacionalmente para a enumeração de diversos tipos de microrganismos, elas não são usadas na rotina laboratorial das indústrias. Requerem meios de cultura próprios e o resultado pode demorar de 48h até 10 dias.
A lactofermentação fornece resultados em 24h e pode ser usada como um controle de qualidade da matéria-prima, direcionando o leite nas indústrias e servindo como resposta aos problemas como:
- Coagulação,
- Rendimento industrial
- Estufamento
- Lentidão na fermentação
A análise pode ser feita na rotina, e não apenas quando detectamos algum problema em uma linha ou lote específico. A frequência pode ser semanal, feita por lotes ou individualmente. Assim, sempre será possível uma resposta quase imediata, além do acompanhamento da qualidade.
A técnica é simples, baseada no aspecto do coágulo do leite formado após 24 horas de incubação. O tipo do coágulo nos indica qual o grupo microbiano predominante na amostra.
Metodologia
Requer um tubo de ensaio estéril com rosca, pipeta para 10 mL estéril, bico de Bunsen ou lamparina e uma estufa ou banho maria. Em condições assépticas (atrás da chama), basta colocarmos 10 mL da amostra no tubo, fecharmos e incubarmos à 35-37ºC por 24h. Após a incubação, verificamos o aspecto do coágulo abaixo da linha do creme, interpretando da seguinte forma:
Coágulo gelatinoso
A presença de um coágulo firme, brilhante, uniforme e sem bolhas ou soro indica a predominância de bactérias ácido láticas (BAL). Essa microbiota é ideal e natural do leite cru. Elas fermentam a lactose, produzem ácido lático e devido ao baixo pH, o leite coagula.
As BAL são desejáveis e algumas são probióticas. Entre seus principais efeitos, podemos citar a regulação do trânsito intestinal, proteção intestinal contra patógenos, melhora do sistema imune e prevenção contra tumores intestinais. Também são desejáveis na tecnologia industrial, pois são usadas como culturas em derivados como queijos, iogurtes, bebidas lácteas e outros diversos produtos fermentados. São bactérias fantásticas!
Coágulo esponjoso
Aqui vamos observar bolhas de gás em todo o coágulo, lhe conferindo o aspecto de “esponja”. Nesse caso, os coliformes estão predominando na amostra. Esses micro-organismos também fermentam a lactose, mas produzem gás durante seu metabolismo. Eles representam más condições higiênicas durante a ordenha, transporte ou estocagem.
A qualidade da água também está relacionada a esse tipo de contaminação. Apesar de indesejáveis dentro das indústrias, são naturais do ambiente de ordenha. Por isso a legislação não regulamenta números máximos de coliformes para leite cru, podendo ser um parâmetro interno da indústria. São mortos durante a pasteurização, mas podem contaminar a planta industrial através da contaminação cruzada. Em queijos são responsáveis por defeitos tecnológicos, os famigerados “furinhos” (não confundir com olhaduras).
Coágulo digerido
A principal característica é a intensa formação de soro com encolhimento do coágulo. É típico das bactérias psicrotróficas proteolíticas, que se multiplicam sob refrigeração e degeneram as proteínas do leite. O resultado é o baixo rendimento de produtos coagulados, que essencialmente são formados por proteínas.
A pasteurização destrói grande parte dos psicrotróficos, mas alguns podem resistir. Estes são chamados de psicrotróficos termodúricos e são extremamente prejudiciais para a tecnologia de derivados e leite UHT. Todos os psicrotróficos (termodúricos ou não) podem produzir enzimas proteolíticas.
Assim, mesmo inativados pelo tratamento térmico, suas enzimas continuam sendo problemáticas para a indústria. Podemos citar alguns defeitos tecnológicos, como a sedimentação e a gelatinização dos leites UHT’s. Esse tipo de contaminação direciona a matéria-prima para produtos com menor prazo de validade, como o leite pasteurizado, uma vez não há tempo para as enzimas promoverem a sedimentação.
Leite sem coágulo
A amostra fica no mesmo estado quando foi colocada no tubo: líquida (exceto pela formação da linha de creme). Essa situação indica que alguma substância está inibindo a multiplicação das bactérias naturais do leite. Resíduos de antibióticos, sanificantes, adição de conservantes como o hipoclorito (água sanitária), água oxigenada e formol são alguns exemplos.
Portanto, vale a pena investigar o que está acontecendo com provas específicas para detecção de inibidores. A multiplicação das culturas fermentadoras também será dificultosa, comprometendo a fabricação de queijos, iogurtes e outros derivados fermentados. Outras situações menos frequentes também dificultam a formação de coágulo na prova da lactofermentação, como a fervura e a mistura de colostro no leite.
Confira no infográfico:
Concluindo, a lactofermentação é um teste fácil e muito útil nas indústrias. Mas atenção: para um diagnóstico preciso, não deixe de realizar as análises oficiais e complementares!
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