A relação entre indústria e produtor, em que instrumentos de valorização da relação e fidelização de produtores fazem parte, é um tema de interesse crescente no mercado de leite brasileiro. No começo de agosto, durante o Encontro MilkPoint de Laticínios, Marcelo Pereira de Carvalho, diretor da AgriPoint, fez uma apresentação abordando o tema (veja aqui a apresentação que foi gravada e disponibilizada no MilkPoint).

Na palestra são mencionados exemplos e ações de empresas voltadas à valorização do produtor, como forma de criar engajamento e fidelizar a relação entre produtor e laticínio. As empresas nacionais têm buscado formas de criar relações de mais longo prazo, como clubes de compra, serviços, premiações e outros.

Uma das iniciativas nesse sentido vem da Mococa, tradicional empresa do interior paulista: embalagens de leite UHT da empresa mostram, além das informações nutricionais tradicionais, imagens e depoimentos de produtores associados. A empresa afirma que esta homenagem é uma forma também de mostrar aos consumidores “De Onde Vem” o leite que faz parte do seu dia a dia, e informá-los que os produtos são originados em fazendas leiteiras, mostrando que o leite não “aparece na prateleira”.

Essa iniciativa é acompanhada de um plano de pagamento e estruturas adequadas com acompanhamento técnico, assegurando o recebimento de um leite de qualidade, dentro de suas normas de controle de qualidade, nas diversas regiões onde a Mococa atua.

Embalagens de leite UHT com depoimentos de produtores do Laticínios Mococa.

O MilkPoint Indústria conversou com Carlos Zamboni, Gerente de Suprimentos de Leite da Mococa, para saber mais sobre essa iniciativa.



MilkPoint Indústria: Como surgiu a ideia de colocar produtores na caixa de longa vida?

Zamboni: “Percebemos que o consumidor por vezes desconhece como o leite chega à embalagem, como ele chega ao ponto de venda. Então nós resolvemos mostrar, usando a própria embalagem como meio de comunicação. Assim levaríamos ao consumidor o conhecimento de onde vem aquele leite. Também, essa iniciativa faz uma homenagem ao produtor, mostrando seu trabalho e importância no segmento”.

MilkPoint Indústria: Quantos produtores já foram contemplados?

Zamboni: “Nós fizemos com quatro produtores na primeira etapa e, agora, está saindo a segunda etapa com mais quatro. São associados antigos. Pedimos que eles falassem o que sentiam como produtores e sobre seu relacionamento com a Mococa - nós somos uma empresa de 96 anos, chegando ao centenário, temos aí muita história, há produtores que estão conosco há vários anos, passando por gerações”.

MilkPoint Indústria: Quando a Mococa desenvolveu essa ferramenta de fidelização e comunicação?

Zamboni: “A primeira etapa saiu em meados de 2014”.

MilkPoint Indústria: A ação envolve um custo elevado, ou é possível fazê-la sem grandes investimentos adicionais?

Zamboni: “Eu não sei ao certo, porque isso compete a outra área, mas é uma iniciativa de custo baixo”.

MilkPoint Indústria: Qual é o impacto percebido na relação com os produtores?

Zamboni: “Muito positivo. Vários produtores, mesmo não aparecendo, se sentiram representados. Acharam a ação muito válida, uma valorização muito interessante de uma atividade que está um pouco esquecida - principalmente pelo consumidor dos grandes centros”.

MilkPoint Indústria: E o consumidor, como respondeu à campanha?

Zamboni: “O consumidor também respondeu de forma positiva. Tivemos bastante interação pelo SAC, com elogios à iniciativa e aos produtores. Foi muito bom. Às vezes o consumidor não tem noção, então acho que é uma maneira bastante eficaz de mostrar também de onde vem o leite que ele bebe”.

MilkPoint Indústria: Que outras ações de fidelização a Mococa desenvolve?

Zamboni: “Nós temos uma história, valorizamos a cooperação. Temos alguns convênios, tentamos facilitar alguma ação do produtor, alguma necessidade que ele tenha com respeito a alguma compra. Toda vez que temos uma modificação no preço, o pessoal de campo sai comunicando, vai ao produtor, fala do mercado. Sempre estamos falando com os produtores – àqueles que têm interesse, levamos a mensagem; se o mercado está em queda, se ele vai fazer algum investimento, pra ele cuidar, pra ele ver, fazer contas. Hoje a maioria dos produtores tem acesso a diversas informações, principalmente ao MilkPoint, então nós debatemos informações que chegam ao produtor. Acreditamos nessa transparência”.

MilkPoint Indústria: Como você avalia a relação indústria/produtor?

Zamboni: “Nossa empresa, em 2005, teve dificuldades financeiras. Nessa época saímos de uma planta ativa - quando nós saímos, pagamos todos os produtores. Há empresas que optam por comprar a confiança do produtor novamente quando “voltam”. Se comprometem a pagar, em tantas parcelas, o que ficaram devendo no período anterior. O produtor, para receber, aceita, mas depois deixa de considerar a empresa como séria. Nós fizemos o contrário, pagamos todo mundo. Quando nós voltamos, alguns anos depois, praticamente 100% dos produtores que entregavam leite para a Mococa e permaneceram na atividade, voltaram. Nós adquirimos a confiança na base da credibilidade, da transparência – é nisso que buscamos basear nossa relação com o produtor.

Hoje, comparando a relação dos produtores de 2005 e de 2015, dos que continuam na atividade, 90% ainda estão conosco. É assim que a gente procura trabalhar. No quesito do relacionamento do produtor e da indústria em geral é complicado hoje em dia. As empresas por vezes não podem fazer o que gostariam. Em um artigo recente do MilkPoint Mercado, vocês mostraram que hoje recentemente a participação da indústria no preço final é menor que a do produtor e do varejo - quer dizer, a indústria tem parte dos custos e participa com menos. Então eu acredito que a maioria gostaria de estar fazendo algo a mais para o produtor, trazendo ele mais próximo da empresa, buscando uma forma de fidelizar, de levar mais conhecimento, mais assistência, mas infelizmente somos hoje levados pelo que está acontecendo no mercado como um todo. As margens hoje não deixam a indústria fazer mais pelo produtor. Quem que não gostaria de ter seus produtores com assistência técnica por pessoas capacitadas?”

Carlos Alberto T. Zamboni formou-se Administrador de Empresas em 1979. É natural de Matão-SP. Iniciou suas atividades no setor lácteo em 1981, gerenciando uma usina de beneficiamento de leite da Vigor em Bauru. Em 1989, passou a Gerente Regional de Política Leiteira. Ficou na usina até 2002. Na Mococa S/A começou em 2003, como Comprador de Suprimento de Leite, depois Coordenador de Política Leiteira e em 2010 Gerente de Suprimentos de Leite e Política Leiteira, onde permanece até hoje. Fez diversos cursos, mas afirma que o maior aprendizado vem do dia-a-dia, dos relacionamentos, dos contatos, de estar no campo. “Ao todo são 34 anos na mesma atividade. A caminhada continua e o que é mais apaixonante em trabalhar nesse segmento é a certeza de que nenhum dia será igual ao outro, e a cada dia colocamos um tijolinho do conhecimento na construção do nosso saber. Estamos em constante aprendizado, e quanto mais o tempo passa, mais temos a certeza de que não sabemos tudo”.

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