Tabela 1. Principais aumentos na produção de leite entre 2006 e 2010 (Fonte: Hemme, 2011)
Esse crescimento fez com que o Brasil se aproximasse da Alemanha, da Rússia, da China e do Paquistão, podendo vir a ocupar, na próxima década, o posto de terceiro maior produtor mundial, atrás da índia e dos Estados Unidos, caso mantenha essa taxa de crescimento. Vale lembrar que a França, com 25 bilhões de litros e segundo maior produtor europeu, já foi ultrapassada há alguns anos.
Apesar desse crescimento e da posição de destaque no cenário mundial, o setor perde relevância quando analisamos de onde vêm os maiores laticínios do mundo. Em apresentação no último evento da IDF, o francês Benoit Rouyer mostrou um panorama muito interessante do que vem ocorrendo em diversos continentes no que se refere à consolidação e crescimento de grandes empresas de laticínios, sejam elas cooperativas ou não.
O primeiro fato que chama a atenção é o processo de mudança que ocorre na Europa, continente sempre associado a altos custos, subsídios e baixa competitividade. Os ativos dos 27 maiores laticínios existentes em 1996 hoje estão consolidados em apenas 15 empresas. Não se pensa mais em ter um grande laticínio no país, mas sim em ter laticínios que possam competir na Europa e, dependendo do caso, no mundo. Com efeito, dos 24 laticínios mundiais que faturaram mais do que US$ 3 billhões em 2010, 11 estão na Europa (tabela 2). Das 24 empresas, 10 são cooperativas.
Tabela 2. Laticínios com faturamento acima de US$ 3 bilhões anuais (fonte: Rouyer, 2011)
É interessante observar que a distribuição ocorre por 14 países e 4 continentes, ficando de fora a América do Sul e a África. Apesar da grande concentração na Europa e Estados Unidos, nota-se a presença da cooperativa Lala, do México, e de duas empresas chinesas que não participaram de rankings anteriores, ambas com crescimento espetacular: a Yili, que faturava US$ 800 milhões em 2003, fechou 2010 com US$ 4,4 bilhões, ao passo que a Mengniu aumentou 9 vezes de tamanho: de US$ 500 milhões para US$ 4,5 bilhões no mesmo período.
As empresas de países emergentes bem colocadas no ranking não se resumem a estas duas. Se ao invés de faturamento o parâmetro computado fosse a captação de leite, a cooperativa indiana Amul figuraria na décima oitava colocação, com 3,4 milhões de toneladas captadas anualmente e faturamento de US$ 2,1 bilhões (saindo de US$ 400 milhões em 1995 e US$ 700 milhões em 2006).
Muitos desses grupos presentes entre os 24 maiores obtiveram esse posto através de fusões, aquisições e expansão internacional. Um dos principais exemplos é a canadense Saputo, que atua principalmente em queijos, e que aumentou mais de 10 vezes o faturamento nos últimos 15 anos, obtendo 40% de sua receita no mercado norte-americano. A Lactalis, empresa francesa de capital fechado, é outro exemplo de internacionalização. Em 1993, a empresa obtinha 32% do seu faturamento fora da França; hoje, a porcentagem é de 70%, indicando que a empresa de fato se tornou internacional.
A expansão dos laticínios não se caracteriza apenas por laticínios tradicionais, de países desenvolvidos, investindo em novos mercados. Há o exemplo oposto: a Lala, hoje, é a segunda empresa em leite fluido nos Estados Unidos, mostrando que os emergentes também podem conquistar fatias importantes nos mercados tradicionais, como ocorre em carnes e outros segmentos. A chinesa Bright Dairy, outro exemplo, adquiriu a neozelandesa Synlait e pôs o pé no país que é o maior exportador mundial de lácteos. O mesmo ocorreu com a vietnamita Vinamilk, que adquiriu participação em uma nova empresa local.
Outro aspecto interessante que caracteriza esse processo é que, via de regra, o crescimento se acelerou muito nos últimos anos. Muitos destes laticínios tiveram um período de crescimento moderado até 2001, seguindo por forte expansão após esse ano. Esse período de expansão coincidiu com uma série de fatores: aumento da taxa de crescimento do PIB mundial, disponibilidade de capital para expansão, desenvolvimento dos emergentes, expansão da União Europeia para 27 países, concentração do varejo, consolidação das marcas próprias de varejistas em diversos países e baixo crescimento do mercado europeu. Todos esses fatores fizeram com que estes laticínios buscassem expansão via aquisições e fusões, não raro além de seus domínios.
Toda essa movimentação nos faz refletir acerca da participação brasileira no mercado. Apesar de verificar forte crescimento da produção, o país não tem, ainda, o mesmo vigor quando se analisa a movimentação da indústria. Porque isso é relevante? Esses players continentais que estão se tornando players mundiais certamente olharão para mercados emergentes como o brasileiro, onde as possibilidades de crescimento são mais concretas. Nossa indústria cresceu em termos absolutos, mas não quando se compara com o crescimento desses grupos de fora. Será interessante acompanhar os próximos 5 anos, em que provavelmente, teremos a chegada de um ou mais grupos de fora. Como a indústria local competirá com estes players globais que verificam forte crescimento e dinamismo será algo a se conhecer, caso esse cenário se concretize.